O descontrole da pandemia e o excesso de mortes causadas pela COVID-19 diminuíram a expectativa de vida do brasileiro em 1,3 ano, em 2020, e vai reduzir em pelo menos 1,8 ano em 2021. As informações constam num artigo publicado nesta terça-feira (29/6) , na revista inglesa Nature, cujo título é Reduction in life expectancy in Brazil after COVID-19 (Redução da expectativa de vida no Brasil após covid-19), de autoria dos pesquisadores Marcia C. Castro, Susie Gurzenda, Cassio M. Turra, Sun Kim, Theresa Andrasfay e Noreen Goldman. De acordo com a publicação, “a redução da expectativa de vida aos 65 anos em 2020 era de 0,9 ano, recolocando o Brasil nos níveis de 2012”.
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“O Brasil continua enfrentando uma situação desafiadora. Abril de 2021 foi o mês mais letal desde o início da pandemia: nove capitais relataram mais mortes do que nascimentos e, em 25 de abril, o número de mortes de COVID-19 em 2021 ultrapassou o relatado em 2020”, lembra o artigo, logo no segundo parágrafo.
Retrocesso
O impacto maior do novo coronavírus foi sobre os homens, que perderam 1,57 ano em expectativa de vida, do que nas mulheres (0,95 ano). A maior redução de idade, absoluta e relativa, entre os estados foi estimada para o Amazonas (3,46 anos), seguido pelo Amapá (3,18 anos) e pelo Pará (2,71 anos). No sentido contrário, o Rio Grande do Sul foi o único estado com projeção de aumento no prolongamento da vida para ambos os sexos (0,07 ano), porém com queda para o sexo masculino calculada em 0,11 ano.
A expectativa de vida de pessoas a partir de 65 anos também caiu no ano passado e, no Brasil, foi de 0,94 ano para ambos os sexos — 0,66 ano para as mulheres e 1,17 ano para os homens, resultado que jogou o país de volta ao patamar de 2012.
De acordo com o artigo, o único acerto do governo no meio de tantos erros foi a instituição do programa emergencial de renda básica, que “mitigou os desafios impostos pela pandemia” e reduziu parte da crise econômica trazida pela pandemia. Porém, lembra que o auxílio foi pago apenas até dezembro de 2020 e “nenhum apoio financeiro foi fornecido de janeiro a março de 2021”. “A COVID-19 exacerbou a desigualdade, expondo os mais vulneráveis à insegurança alimentar e à fome severa”, observa.
Consequências
Os efeitos da pandemia sobre o sistema de saúde pública, de acordo com a publicação, vão muito além dos números de mortes e casos provocados pela COVID-19. Uma das conclusões mostra que a doença “interrompeu os serviços de atenção primária no Brasil” e, sobretudo, fez com que outras enfermidades deixassem de ser acompanhadas de perto — cujos reflexos na expectativa de vida do brasileiro ainda não se consegue mensurar.
“Isso (o descontrole da pandemia) comprometeu o rastreamento do câncer, com redução de cerca de 35% em novos diagnósticos. A vacinação infantil foi reduzida, principalmente entre as crianças pobres da Região Norte. A interrupção do tratamento e diagnóstico da tuberculose e do HIV pode aumentar a mortalidade nos próximos cinco anos. As condições gerais de saúde dos diabéticos pioraram em 2020 devido à redução da atividade física, adiamento de consultas médicas e interrupção do tratamento medicamentoso regular. Esses são alguns exemplos de deterioração das condições de saúde que não só irão gerar uma maior demanda por serviços de saúde, mas também podem afetar os padrões de mortalidade futuros”, explica a publicação.
O estudo conclui, ainda, que as “consequências de longo prazo da COVID-19 entre os sobreviventes continuam a surgir, incluindo fadiga e complicações neurológicas, pulmonares e cardiovasculares, entre outras”. E alerta: “Um grande estudo mostrou um maior risco de morte seis meses após o diagnóstico de COVID-19, mesmo entre aqueles que não necessitaram de hospitalização. Portanto, as sequelas” da doença podem encurtar a vida útil das pessoas.
O artigo traça um cenário sombrio sobre os efeitos de longo prazo trazidos pelo novo coronavírus: “As reduções no orçamento e as mudanças no modelo de financiamento da saúde provavelmente afetarão os resultados. Eles podem reduzir o acesso e a cobertura da atenção primária e aumentar a mortalidade infantil e as mortes evitáveis. Em última análise, a desigualdade pode piorar, exacerbando um cenário já angustiante”.
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