O Brasil praticamente dobrou em um ano o número de armas registradas em posse de cidadãos, ao mesmo tempo em que as mortes violentas cresceram, a despeito do maior isolamento social durante a pandemia.
Essas são algumas das conclusões da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado nesta quinta-feira (15/7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Segundo os dados do Sinarm, sistema da Polícia Federal que cadastra posse, transferência e comercialização de armas de fogo, houve 186.071 novos registros em 2020, um aumento de 97,1% em um ano. A maioria desses registros é de cidadãos privados.
A liberação de armas é uma das principais bandeiras defendidas pelo governo Jair Bolsonaro.
Enquanto especialistas em segurança pública apontam que a facilitação no acesso a armas favorece a violência, o governo argumenta que as medidas adotadas visam a desburocratização, a clareza das normas e "adequar o número de armas, munições e recargas ao quantitativo necessário ao exercício dos direitos individuais".Também mais do que dobrou (aumento de 108%) a autorização de importações de armas de fogo de cano longo, categoria que inclui, por exemplo, carabinas, espingardas e fuzis.
Houve, ainda, alta de 29,6% nos registros de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores, os chamados CACs.
"Diversos estudos mostram essa associação grande entre mais armas e homicídios", diz à BBC News Brasil David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, embora ele destaque que homicídios são um fenômeno com múltiplas causas no país.
"Essa flexibilização no acesso a armas em curso desde 2019, junto à fragilização dos mecanismos de controle e rastreamento de armas cria um cenário explosivo do ponto de vista dos homicídios."
Abaixo, a BBC News Brasil mostra outros dados de violência no país durante a pandemia e que foram compilados pelo relatório.
Aumento de homicídios
Segundo o Anuário, o Brasil teve um aumento de 4% no número de mortes violentas intencionais em 2020, em comparação com o ano anterior.
Ao todo, 50.033 pessoas foram assassinadas no país no ano passado 78% morreram com ferimentos provocados por armas de fogo.
A maioria das vítimas era homens (91,3%), negros (76,2%) e jovens (54,3%).
O relatório aponta, também, que o Ceará foi o Estado com maior índice de homicídios no país, com 45,2 mortes violentas intencionais por grupo de 100 mil habitantes, seguido por Bahia (44,9) e Sergipe (42,6).
São Paulo é o ente federativo com menor taxa de homicídios, com nove mortes por 100 mil pessoas. Em seguida, vêm Santa Catarina (11,2) e Minas Gerais (12,6).
Letalidade policial
No ano passado, o número de mortos em intervenções da polícia chegou a 6.416 pessoas, uma ligeira alta de 0,3% em relação a 2019.
Segundo o anuário, 98,4% dos mortos eram do sexo masculino, 78,9% eram negros, e 76,2% tinham entre 12 e 29 anos.
O número de vítimas subiu mesmo com uma decisão do STF, de junho de 2020, que proíbe operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia. A decisão permite ações apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais".
Por outro lado, 194 policiais foram assassinados no país no ano passado, alta de 12,7%. O relatório aponta que 62,7% deles eram negros, 98,4% homens e 58,9% tinham entre 30 e 49 anos. Além disso, 72% dos policiais foram mortos durante o horário de folga.
Violência contra meninas e mulheres
No ano passado, 1.350 mulheres foram mortas em episódios classificados como feminicídio — quando o crime é motivado por violência doméstica ou discriminação por gênero. Alta de 0,7% em relação a 2019.
Segundo a publicação, 61,8% das vítimas eram negras e 74,7% tinham entre 18 e 44 anos. O relatório aponta que 81,5% dos crimes tiveram como acusados companheiros ou ex-companheiros das mulheres.
O número de denúncias de violência doméstica pelo telefone 190 cresceu 16%, chegando a uma por minuto em todo o país. As medidas protetivas de urgência, concedidas pela Justiça, também cresceram 3,6% no período.
Mesmo com aumento das denúncias, a quantidade de boletins de ocorrência de violência doméstica e lesão corporal teve uma queda de 7,4%. Para Marques, com a pandemia, mulheres vítimas de violência podem ter enfrentado uma maior dificuldade de acesso a delegacias especializadas em investigar esses crimes.
Queda nos crimes patrimoniais
No ano passado, o registro de crimes contra o patrimônio também caiu durante a pandemia, sintoma da queda de circulação de pessoas nas ruas.
Segundo o relatório, roubos de veículos tiveram queda 26,9% em relação a 2019. Assaltos a residência caíram 16,6% e a transeuntes, 36,2%. Já roubos de carga e a estabelecimentos comerciais registraram queda de 25,4% e 27,1%, respectivamente.
"Vínhamos notando desde 2019 a redução de crimes patrimoniais, mas alguns tiveram queda mais intensa na pandemia, como roubos a transeuntes. Com certeza a menor circulação de pessoas nas ruas contribuiu para a redução de oportunidades", explica Marques.
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