Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizada com mais de 6,6 mil policiais no País, aponta que apenas 10,4% do grupo é favorável à liberação ampla das armas de fogo para a população. Na outra ponta, 16% dos agentes de segurança se declaram completamente contrários à política armamentista. Já 73,6% concordam com o uso de armas por civis, mas defendem diferentes níveis de restrições.
Os dados foram divulgados nesta quinta-feira, 15, e integram o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Para o levantamento, o Fórum fez as escutas com agentes das Polícias Militar, Civil, Federal, Penal, Rodoviária Federal (PRF) e Técnico-Científica, além do Corpo de Bombeiros e Guarda Municipal.
A política de armamento é uma das principais bandeiras do governo Jair Bolsonaro. Entretanto, a proposta só recebe plena adesão de 17,3% dos bombeiros, o maior índice entre as categorias de segurança, seguido por 12,1% dos policiais penais e 10,1% dos GCMs, de acordo com o relatório. Para a PM e a Civil, os adeptos da liberalização total representam 6,7% e 9,4%, respectivamente.
Por sua vez, os agentes que defendem a proibição de posse ou porte de armas de fogo por civis são mais numerosos. Das categorias, a PRF e a PF apresentam as maiores proporções, com 50% e 29%. Dos policiais civis ouvidos, 26,6% são totalmente contrários a armar a população. Entre os PMs, o dado cai para 13,5% - ainda assim, superior ao grupo favorável.
"Os próprios policiais, que tendem a ter maior aderência ao governo federal, percebem que o efeito da política de liberalização das armas começa a ter efeito nas ruas", analisa o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum. Para os pesquisadores, a discussão sobre o acesso a armas de fogo, embora não seja a única causa, é considerada central para o comportamento de crimes violentos, a exemplo dos homicídios, que voltaram a crescer em 2020 após dois anos de queda.
Segundo o relatório, atualmente há 2.077.126 armas particulares no Brasil. Só em 2020 o incremento foi de 186.071 novos registros na Polícia Federal, número 97,1% maior em relação ao ano anterior, tendo duplicado o número de armas longas, como carabinas, espingardas e fuzis.
Em paralelo, o País viu crescer a presença das armas de fogo nos assassinatos registrados no ano passado. Em 2019, o instrumento havia sido usado em 72,5% dos 47.742 homicídios cometidas. Já em 2020, o índice saltou para 78% do total de 50.033 casos. O aumento de mortes violentas no período foi de 4,8%.
Especialistas também atribuem o crescimento da violência letal a outros fatores. Entre eles, estão as disputas de facções criminosas, maior tensão entre efetivos da polícia e governos locais, além da piora de índice econômicos e de questões relacionadas à saúdem mental durante a pandemia de covid-19.
"É importante dizer que o crescimento de homicídios é multicausal, ou seja, envolve uma série de fatores. Por outro lado, não dá para ignorar um conjunto de evidências científicas já consolidadas de que o aumento de armas de fogo em circulação impacta nos assassinatos", diz Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum. "A tendência é que esse fator isolado, por si só, aumente não só os dados de 2020 mas também nos próximos anos."
Policiais têm maior aderência ao governo federal no enfrentamento à pandemia
As escutas do Fórum também indicam que 29,5% dos agentes de segurança contraíram covid-19, com maior incidência sobre o Corpo de Bombeiros (33,7%) e a Polícia Militar (33,3%). "Isso significa que muitos policiais precisaram ser afastados das ruas, o que tem maior impacto principalmente nos Estados cujo o efetivo não é tão grande", afirma Lima.
Segundo o relatório, 472 policiais morreram por causa da doença. O índice supera o número de agentes que foram vítimas de mortes violentas (194) no ano passado. Entre os agentes ouvidos, 83,1% afirmaram ter perdido um colega de trabalho, amigo ou familiar para o coronavírus. Em 71,5% das escutas, o policial disse não ter recebido treinamento da corporação para lidar com o vírus.
A visão dos policiais, no entanto, ganha mais aderência ao discurso defendido pelo governo federal em relação ao enfrentamento da pandemia. Dos participantes, 57,9% disseram ser contra a diminuição do horário de funcionamento de comércios e serviços, além do fechamento de bares e restaurantes (60,5%), igrejas (56,6%) ou academias (55%).
Os agentes de segurança se demonstraram, ainda, favoráveis ao chamado "kit covid", conjunto de medicamentos sem eficácia contra o coronavírus que foram propagandeados por Bolsonaro e integrantes do governo. Entre os entrevistados, 62,8% eram a favor, 25,3% eram contra e 11,9% não sabiam responder.
Para 49,7%, o governo federal também estava adotando medidas para ajudar a atividade policial durante o enfrentamento à pandemia. Já 38,9% disseram não ver auxilío e 11,4% não souberam responder.
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