Jornal Estado de Minas

entrevista/Luis Faro Ramos

Embaixador de Portugal defende acordo com o Brasil sobre 'cartão' de vacina

 

Apesar da pandemia e das restrições para a entrada de turistas que chegam do Brasil a Portugal, o interesse do brasileiro pelo país europeu continua em alta: nos três primeiros meses deste ano, foram encaminhadas quase 4 mil solicitações de residência, a metade dos pedidos que aportam, de todo o globo, no Ministério da Administração Interna. Os brasileiros atingiram em 2020 a marca recorde de quase 184 mil residentes legais, segundo dados do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilos de 2020. E formam a maior comunidade estrangeira em Portugal.





 

Em sua primeira visita a Minas Gerais, o  embaixador de Portugal no Brasil, Luis Faro Ramos, considera que com o avanço da vacinação em Portugal e aqui abre-se um caminho de negociação em torno de um termo de reciprocidade entre os dois países para aceitação mútua dos respectivos certificados de vacinação. “Penso que seria de muito interesse, uma vez que a vacinação está a avançar muito tanto em Portugal quanto no Brasil”, diz.

 

Por ora, as restrições aos turistas brasileiros para a entrada em Portugal continuam. Contudo, portugueses que vivem aqui, cidadãos brasileiros com nacionalidade portuguesa, brasileirosos que têm visto de residência e estudantes podem entrar no país, mediante a apresentação de teste de PCR molecular negativo realizado 72 horas antes do voo, além da obrigatoriedade de quarentena de 14 dias em Portugal. Saindo de Belo Horizonte, a Tap opera agora dois voos semanais para Lisboa e já planeja um terceiro.

 

Diplomata de carreira desde 1986, Luis Faro Ramos, que presidiu Instituto Camões, considera a língua e a cultura as bases de uma “ponte permanente”, unindo os dois países. Não à toa, cita Guimarães Rosa para homenagear Minas, após se deparar com a frase à entrada do BDMG, em visita ao vice-governador Paulo Brant: “Só que mineiro não se move de graça. Ele permanece e conserva. Ele espia, indaga, protela ou palia, se sopita, tolera, remancheia, perrengueia, sorri, escapole, se retarda, faz véspera, tempera, cala a boca, matuta, destorce, engambela, pauteia, se prepara. Mas, sendo a vez, sendo a hora, Minas entende, atende, toma tento, avança, peleja e faz”.





 

 

 

Quais são as restrições colocadas ao turista brasileiro para ingresso em Portugal?

As restrições existentes aplicam-se a alguns países como África do Sul, Índia e Brasil e têm a ver com a situação prevalecente da pandemia. Como se sabe, entre final de janeiro e meados de abril, os voos foram suspensos. Mas em meados de abril foram retomados, embora numa escala ainda não igual àquela antes da pandemia. Em relação a Minas Gerais, neste momento a Tap opera dois voos por semana, entre Lisboa e Belo Horizonte, e a partir de finais de agosto está a planejar um terceiro voo. O turista não pode ainda, porque ainda vigoram certas restrições. Estes voos podem ser utilizados por nacionais portugueses, brasileiros com dupla nacionalidade, brasileiros residentes legais em Portugal e os que fazem as chamadas viagens essenciais. Esse conceito abrange, por exemplo, estudantes. Quero deixar claro que neste momento nossa estrutura consular em Minas já está a passar vistos para estudantes, que podem ir a Portugal.

 

Há previsão de quando essas restrições em relação a turistas brasileiros vão acabar?

Infelizmente neste momento não há previsão. A situação vai sendo acompanhada regularmente. Agora penso que seria de muito interesse, uma vez que a vacinação está a avançar muito tanto em Portugal quanto no Brasil, vermos em termos de reciprocidade, a possibilidade do certificado de vacinação no Brasil ser aceito em Portugal e o certificado de vacinação de Portugal poder ser aceito no Brasil. Penso que é um caminho que temos de fazer, que pode ser feito, porque a vacinação já atinge muita gente, tanto em Portugal quanto no Brasil. Antes da pandemia, o interesse que Portugal despertava no Brasil era cada vez maior. Obviamente o interesse que o Brasil desperta em Portugal sempre foi muito grande, portanto, se quisermos usar uma linguagem figurada, essa grande ponte que existe no Atlântico entre Portugal e o Brasil nunca foi quebrada, ao contrário, cada vez é mais cruzada por pessoas de um lado e outro.   Para se ter uma ideia, o Brasil é o principal parceiro comercial de Portugal na América Latina e é o terceiro maior fora da Europa. Isso dá uma dimensão das trocas comerciais entre os dois países. Agora a pandemia veio pausar esse fluxo que estava a correr tão bem até o início de 2020.

 

Quando chegam a Portugal, qual é o protocolo sanitário para aquelas pessoas provenientes do Brasil que se enquadram nas normas de entrada? 

O protocolo é um teste de PCR molecular negativo nas 72 horas antes do voo e obrigatoriedade de se observar quarentena, uma vez chegada em território nacional, de 14 dias. Estas são as restrições vigentes. Gostaria de salientar que o visto de residência não tem qualquer limitação de entrada a Portugal, mas tem sim que cumprir o protocolo sanitário decorrente da pandemia. Se não o fizer, estará sujeito a sanção pecuniária. A quarentena é para ser observada, mas é também uma questão moral, uma questão de responsabilidade.





 

Portugal no ano passado se tornou um paradigma de sucesso no controle da pandemia, depois teve um repique e voltou a tomar medidas retritivas. Como foi esse processo?

De fato, a pandemia nos atingiu duramente, como quase todo o mundo, foi uma situação muito grave que ainda não conseguimos ultrapassar. Mas o que fizemos? Houve um período muito mal; depois muito bom; depois seguiu-se outro período muito mal; depois um melhor. O que faz a diferença? A vacina. Nós começamos a vacinar em Portugal em finais de dezembro, já faz quase sete meses, queremos atingir em agosto taxa de vacinação com 70% com pelo menos a primeira dose da vacina. O que significa que estamos caminhando bem no sentido da imunização da população em geral. Já estamos a vacinar pessoas da faixa de 18 anos a 20 anos. Isso foi que mais contribuiu para a diminuição do número de óbitos e internamentos. Penso que estamos no bom caminho.

 

Quais são os objetivos desta primeira visita que o senhor faz a Minas Gerais desde que assumiu a Embaixada de Portugal no Brasil, em janeiro?

Em primeiro lugar a parte institucional, apresentar-me às autoridades do estado. Fui recebido pelo vice-governador Paulo Brant e pelo prefeito Alexandre Kalil. Em segundo lugar, o contato com a nossa comunidade. Temos aqui mais de 12 mil portugueses inscritos no consulado. É uma comunidade muito bem integrada em Minas, com os seus negócios, tem feito a sua vida de uma maneira muito positiva. Depois também tem a dimensão econômica. Estou acompanhado pelo diretor de nossa Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Francisco Costa, que assinou convênio com o Indi (Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior em Minas) para potencializar as possibilidades de intercâmbio e cooperação na área empresarial e comercial, além de verificar oportunidades para investimentos de Minas em Portugal e de Portugal em Minas. Acredito que esse convênio será um passo importante para aprofundar as relações empresariais entre o estado de Minas e Portugal. Isto é importante por quê? Portugal tem 10 milhões de pessoas. O estado de Minas Gerais tem 20 milhões de pessoas. Então, eu digo sempre que o empresário português, quando olha para o Brasil, deve olhar para os estados brasileiros e o estado de Minas Gerais é o segundo mais populoso do país e merece atenção particular. Falta também uma parte importantíssima de minha visita: dou sempre muita importância à parte cultural e às instituições que tratam da língua portuguesa. No caso de Minas, vou me encontrar com a Academia Mineira de Letras. Inclusive, falando em cultura e em língua, o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, virá ao Brasil para participar a convite do governador de São Paulo da reabertura do Museu de Língua Portuguesa. É um museu fantástico, que infelizmente ardeu, mas que agora será reaberto com um acervo muito mais completo, que faz justiça àquilo que é a língua portuguesa em seus mais de 267 milhões de falantes. 

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