Quase dois anos após a chegada da COVID-19 ao país, o novo coronavírus se tornou mais conhecido pela população e pelos pesquisadores. No entanto, o combate à doença encontra obstáculos que envolvem negacionismo, desinformação e falta de políticas públicas nacionais consonantes com as dos entes federativos. Enquanto isso, a vacinação com duas doses esbarra em questões logísticas, e a testagem massiva - medida importante para acompanhar a evolução da pandemia - não ocorre da maneira como deveria.
Em entrevista ao Correio Braziliense, o virologista Bergmann Morais Ribeiro fala sobre como a falta dessas políticas prejudica o combate à COVID-19, da mesma forma que a ausência de uma conscientização coletiva. O pesquisador reforça que, ao mesmo tempo em que o poder público precisa conseguir vacinas, de modo a atender a maior parcela da população e evitar o surgimento de variantes, as pessoas devem respeitar as medidas de segurança sanitárias.
"Foi comprovado que as vacinas realmente funcionam, como mostrado em vários países, e que elas diminuem as taxas de infecção. (...) Estamos aprendendo com o vírus, pois o conhecemos há apenas dois anos. Então, não podemos relaxar quanto aos cuidados até que o número de mortes e infecções diminua", pontua.
Por que o novo coronavírus continua em mutação?
Mutação é algo inerente aos vírus. Todos eles passam por isso quando se reproduzem nas células. Alguns acumulam variações mais lentamente do que outros, mas elas mudam com o tempo. Isso também ocorre com outros seres vivos, mas bem mais devagar. O ser humano leva anos para se reproduzir, e os vírus produzem milhões de descendentes em uma única infecção, em um único hospedeiro, em poucas horas.
Nós produzimos descendentes a cada 20 anos, e o vírus, milhões em um dia. Quando os produz, ele insere mutações. As que aumentam a capacidade de espalhamento da infecção viral geralmente são fixadas no genoma do vírus. As que são deletadas, que fazem mal ao vírus, desaparecem. Isso aconteceu com as variantes que circulam atualmente: as cepas delta e P1 (gama) têm mutações que favoreceram o espalhamento delas.
Qual a importância de tomar a segunda dose da vacina?
Para evitar que esses vírus se reproduzam, quanto mais pessoas vacinadas, menor a chance de espalhamento da infecção. Apesar de as pessoas vacinadas poderem se infectar, a probabilidade de reprodução (do vírus) é bem menor e, como a pessoa tem uma proteção, ela vai conseguir eliminar a infecção rapidamente. A imunização também evita o aparecimento de variantes, e as chances de uma pessoa ter um quadro grave e ir para o hospital são bem menores.
Existe a possibilidade de uma nova onda no Brasil e no DF, como ocorre em outros países?
Sim, com certeza. Ainda não conseguimos vacinar com a segunda dose a maior parte da população. Estamos abaixo dos 30% ou 40% (de brasileiros imunizados), e isso torna as pessoas mais suscetíveis ao vírus, principalmente a essas variantes mais transmissíveis. Se ela começar a se espalhar rapidamente entre quem não foi vacinado ou não tomou a segunda dose, pode haver uma nova onda da infecção. Por isso, devemos tomar cuidado, sair de máscara, manter o distanciamento e não relaxar (com as medidas não farmacológicas).
Qual a importância da testagem e por que ela ocorre tão pouco hoje?
A testagem é superimportante porque, se você detectar alguém que está com o vírus, essa pessoa tem de fazer a quarentena e ficar isolada, para não infectar outra pessoa. Existem vários quadros assintomáticos: a pessoa está infectada e não sabe que está, por exemplo. Até três dias antes de aparecerem os sintomas, ela pode estar transmitindo o vírus para outros indivíduos. Se não é feita a testagem da população, você não sabe qual é a real circulação dele e, quanto mais souberem dessa circulação, melhor para traçarem uma estratégia e evitar a disseminação da doença.
Qual é a importância do sequenciamento genético do vírus e, em um cenário ideal, quantas amostras devem ser sequenciadas por mês?
Ela é muito importante para conhecermos como esse vírus tem mudado, como ele entra na célula, como se reproduz e para traçarmos estratégias de combate. Além disso, o desenvolvimento de vacinas é voltado para o combate dos novos vírus, não para os que circulavam anteriormente. Como a testagem está baixa e as pessoas que fazem os exames são só as que apresentam sintomas, temos perdido o real conhecimento da atual circulação (do vírus). Era necessário fazer uma testagem em massa, mas isso não ocorre.
As autoridades têm de olhar o que ocorre em outros lugares do país? No Rio de Janeiro, por exemplo, a que predomina é a delta, e houve um aumento significativo de casos provocados por ela...
As autoridades, de alguma maneira, têm de conseguir mais vacinas, porque essa é a única maneira de evitar a circulação do vírus. Se não há vacina nem intervenções não farmacológicas, uso de máscara ou manutenção do distanciamento, não podem aumentar a flexibilização, porque isso só vai aumentar a dispersão da doença.
A variante delta predomina entre as amostras sequenciadas no DF. Quais são as implicações dessa constatação?
No início de agosto, 30% (das amostras) era representada pela variante delta, e 70%, pela gama. No fim do mês, mais de 70% era da variante delta. Isso mostra que se trata de uma cepa mais transmissível, que infecta mais gente e, por isso, mais pessoas têm risco de ir para o hospital. As vacinas são eficazes contra a delta, mas o imunizante vai perdendo a eficácia a partir de quando o vírus adquire mutações. A vacina consegue controlar, mas com uma eficácia menor, porque ela foi produzida para (combater) um genoma diferente.
Pode surgir uma nova variante que nossos anticorpos não reconheçam, e muita gente voltará a ser infectada e hospitalizada. Acho que o governo devia fazer uma campanha massiva de esclarecimento da população com relação à vacinação, porque é a única maneira que temos para diminuir a circulação das variantes. Se muita gente estiver vacinada, a probabilidade de surgimento de novas cepas diminui muito. Precisamos educar as pessoas e mostrar a elas que as vacinas sempre funcionaram. Sempre tomamos, contra diversas doenças, e ninguém questionava.
Agora, com as fake news, começaram a fazer esses questionamentos. Mas foi comprovado que as vacinas realmente funcionam, como mostrado em vários países, e que elas diminuem as taxas de infecção. Existem pessoas idosas cujo sistema imunológico envelhece, e tomar a terceira dose é necessário para reforçar a imunização. E estamos aprendendo com o vírus, pois o conhecemos há apenas dois anos. Então, não podemos relaxar quanto aos cuidados até que o número de mortes e infecções diminua, porque essa doença ainda pode causar muito mais estragos.
Colaborou Yasmim Valois (estagiária sob supervisão de Jéssica Eufrásio)
Colaborou Yasmim Valois (estagiária sob supervisão de Jéssica Eufrásio)
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