Em 35 anos, entre 1985 e 2020, o cerrado brasileiro perdeu 19,8% da área coberta pela vegetação, num total de 26,5 milhões de hectares, uma extensão maior do que a do estado de São Paulo, de 24,8 mi- lhões de hectares. Em Minas Gerais, no mesmo período, foram derrubados 2,6 milhões de hectares do cerrado (queda de 15,6%), o correspondente quase ao estado de Alagoas (2,7 milhões de hectares). O desmatamento para a expansão da fronteira agrícola impulsiona a devastação da vegetação nativa, também atingida pelos incêndios florestais. Os dados, resultantes de análises de satélites entre 1985 e 2020, foram divulgados ontem (10/ 09), véspera do Dia Nacional do Cerrado, comemorado hoje.
O estudo foi feito pelos pesquisadores da rede MapBiomas, iniciativa que envolve organizações não governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia. Segundo maior bioma do Brasil, o cerrado é a savana mais biodiversa do mundo e está sob elevado grau de ameaça.
De acordo com o diagnóstico, a área de vegetação nativa do cerrado no país, que era de 135,864 milhões de hectares em 1985, foi reduzida para 109,358 milhões em 2020. Em 35 anos, o bioma brasileiro mais devastado foi a floresta amazônica, que perdeu 45 milhões de hectares – diminuiu de 401,987 milhões para 357,192 milhões de hectares.
No entanto, em termos percentuais, a derrubada do cerrado, que perdeu 19,8% de sua extensão, foi maior do que a da Amazônia, de 11,6%. Ainda na comparação percentual, o bioma com maior perda foi o pampa, que, no entanto, só corresponde a 2,35% (19,4 milhões de hectares) do total de área de cobertura vegetal do Brasil, enquanto o cerrado – com área original de 198,5 milhões de hectares – responde por 23% do território nacional. A floresta amazônica responde por 49,5%, com extensão original de 420, 8 milhões de hectares.
COMPLEXIDADE
O pesquisador Dhemerson Conciani, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), integrante da Rede MapBiomas, afirma que o cerrado “atravessa uma situação bastante complexa”, com devastação impulsionada pela expansão da fronteira agrícola. Segundo ele, dos 26,5 milhões de hectares perdidos entre 1985 e 2020, 26,2 milhões foram derrubados para o aumento da atividade agropecuária.
Conciani lembra que o bioma alcança todas regiões brasileiras, com maior predominância no Centro-Oeste. No entanto, em todo o território nacional, restam 54,4% da cobertura original do cerrado (45,6% foram derrubados). Em Minas, restam 44% da vegetação nativa. Ou seja, mais da metade das áreas de cerrado (56%) do estado já foram desmatadas para dar lugar à pastagem, à agricultura ou à monocultura de florestas plantadas, como o eucalipto, por exemplo.
Ele salienta que em termos proporcionais, os números do desmatamento do bioma em Minas superam os dados nacionais. Isso porque o cerrado é predominante em 50% do território mineiro, enquanto em nível nacional responde por 23,3% da cobertura vegetal.
Segundo a plataforma de dados do MapBiomas, na comparação entre 1985 e 2020, Minas Gerais fica em quinto lugar entre os estados que mais perderam áreas de cerrado. Mas, considerando os últimos 10 anos do período analisado (2010 a 2020), o território mineiro “sobe” para o terceiro lugar no ranking negativo, com a perda de 770 mil hectares de vegetação nativa do bioma, abaixo apenas do Tocantins (perda de 1,6 milhão de hectares) e do Maranhão (perda de 900 mil hectares).
PAPEL RELEVANTE
Dhemerson Conciani ressalta que o cerrado tem grande relevância na conservação e “produção” de água. Em uma condição contraditória, o bioma é desmatado por conta do avanço da agricultura, que depende dos recursos hídricos para se manter. Ele afirma que área ocupada pela agricultura aumentou 5,6 vezes em 35 anos na área de cerrado.
“O cerrado é o bioma onde a expansão da agricultura tem ocorrido de forma mais acelerada. Isso afeta não só a biodiversidade, como também coloca sob ameaça a produção de água. As principais bacias brasileiras, as nascentes dos principais rios brasileiros, estão no cerrado. A conservação dessa vegetação nativa impacta diretamente na produção de água, na geração de energia e na disponibilidade hídrica para a própria agricultura”, ressalta o especialista.
“A agricultura precisa se expandir, mas isso tem que ser feito de uma maneira consciente, sem comprometer os recursos (naturais), que são essenciais para a própria atividade e para o desenvolvimento humano. Precisa existir um desenvolvimento harmônico entre as atividades econômicas, o bem-estar social e a conservação da natureza”, completa.
Monocultura toma espaço do bioma
Monoculturas de florestas plantadas, principalmente de eucaliptos e pinus, triplicaram em 35 anos em Minas Gerais, avançando nas áreas de cerrado, observa o pesquisador Dhemerson Conciani. Em 1985, elas ocupavam 330 mil hectares, passando para 1,3 milhão em 2020, conforme revelam imagens de satélites. A substituição do bioma natural compromete a biodiversidade, observa o pesquisador, lembrando que o cerrado concentra animais, insetos e plantas “adaptados” às suas condições, que terminam em risco.
“Existe ali uma série de animais que se alimentam daquelas plantas, de insetos que fazem a polinização, que dependem de folhas das espécies nativas e de outras até mesmo na agricultura”, descreve. “Quando ocorre a remoção da vegetação nativa, com a substituição por floresta plantada, são interrompidos todos os processos que estão ocorrendo. Isso, na maioria das vezes, representa a extinção local de muitas espécies e o deslocamento de muitas outras em busca de alimentos. A situação é mais preocupante ainda quando a gente observa o aumento associado das florestas plantadas com a agricultura.
No Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha, milhares de hectares do cerrado foram invadidos pela monocultura de eucalipto para a produção de carvão e de madeira. Moradores da região afirmam que isso provocou o secamento de nascentes de rios.
O pesquisador da rede MapBiomas explica que, do ponto de vista científico, não tem como afirmar que, “de forma isolada”, o eucalipto seja o vilão das nascen- tes. No entanto, ele assegura que não há dúvida sobre sua influência na diminuição das águas. “Não há dúvida de que a demanda hídrica do eucalipto é maior do que a de uma espécie de formação savânica”, salienta.
Assim como as florestas plantadas, a área destinada à agricultura em Minas foi multiplicada em 35 anos, avançando também no cerrado: saiu de 395 mil hectares em 1985 para 2,7 milhões de hectares em 2020. Por outro lado, informa Conciani, a área de pastagens no estado encolheu no período: de 10 milhões de hectares para 8,7 milhões.
SENSIBILIZAÇÃO
Na opinião de Dhemerson Conciani, para frear o ritmo de destruição do cerrado, a educação ambiental é fundamental. “As pessoas têm que entender e valorizar o cerrado, compreender sua biodiversidade e importância no processo de regulação das águas”, pontua. “As pessoas costumam se sensibilizar muito mais com a supressão da floresta amazônica do que a derrubada da savana. Isso pelo próprio desconhecimento em relação à ecologia do cerrado”, salienta. Outro ponto é a adoção de políticas públicas para a conservação do bioma. (LR)
Enquanto isso...Educação para preservar
A educação é uma das ferramentas essenciais para a preservação do cerrado. A estratégia é adotada pela CBMM, empresa queexplora o nióbio em Araxá, no Alto Paranaíba. A companhia implantou o Projeto Cientistas do Cerrado, que envolve professores e alunos do quarto ano do ensino fundamental. São realizadas palestras e oficinas, ministradas por especialistas em meio ambiente, além de concursos de educação ambiental. A CBMM também criou o Projeto Olho no Futuro, que tem como alvo funcionários diretos e terceirizados, além de estagiários da empresa de mineração. São promovidas visitas monitoradas ao complexo industrial e palestras – os DDAs (Diálogos Diários Ambientais), nos espaços comuns e auditórios da empresa, detalhando os controles e ações ambientais relacionados aos processos industriais.
A companhia destaca que “trabalha na aplicação da tecnologia do nióbio buscando soluções sustentáveis e atuando na conservação da biodiversidade do cerrado”. Nesse contexto, “são desenvolvidos projetos de conservação da fauna e flora do cerrado”, divulga a CBMM. Enfatiza que desenvolve projetos de pesquisa, manejo e reprodução de plantas e animais. De acordo com a empresa exploradora do nióbio, seu Centro de Desenvolvimento Ambiental (CDA) ocupa uma área de seis hectares de cerrado, em terreno anexo ao seu parque industrial, formado por um criadouro científico de fauna silvestre – regulamentado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Cidades quemais perderam
A pedido do Estado de Minas, o pesquisador da Rede MapBiomas Dhemerson Conciani levantou quais os municípios mineiros mais devastaram o Cerrado em 35 anos. Considerando o “Cerradão” (floresta/vegetação fechada), os principais foram: João Pinheiro (perda de 6 mil ha), no Noroeste do estado; Buritizeiro (mais de 5 mil ha), no Norte de Minas; Itamarandiba (4,5 mil hectares), no Vale do Jequitinhonha. No Cerrado menos denso (formação savânica), os municípios mineiros que tiveram maiores perdas entre 1985 e 2020 foram: Unaí (8 mil hectares), João Pinheiro e Paracatu (ambos, 7 mil hectares de perda), no Noroeste do estado.