Um jovem com franja e roupa preta grava um vídeo em frente ao espelho. "Oi, meu nome é João. Mas no meu Orkut meu nome é Bonequinho de Porcelana", comenta, enquanto mexe no cabelo.
"Todo mundo fica entrando no meu Orkut, falando que eu sou emo. Eu não gosto de rótulos", diz o jovem.
A reclamação do garoto foi feita 15 anos atrás. O vídeo, intitulado "Confissões de um emo", alcançou milhares de visualizações no YouTube e se tornou um dos primeiros fenômenos da plataforma no Brasil.
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Gravado e compartilhado em julho de 2006, o registro faz parte das lembranças de uma geração que acompanhou o início das redes sociais e da plataforma de vídeos.
Por trás do "Bonequinho de Porcelana" está Guilherme Zaiden, que na época tinha 18 anos.
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Hoje com 33 anos, Zaiden explica que em 2006 era praticamente impossível ter uma carreira apenas por meio dos vídeos na internet no Brasil. "Agora é possível, porque a internet se consolidou como um meio audiovisual. As coisas não eram assim antes", diz à BBC News Brasil.
Os vídeos no YouTube
Desde a infância, Zaiden queria ser ator e fazia vídeos caseiros. Ele morava em Brasília, onde não via oportunidade para trabalhar com teatro.
Em 2006, pouco após concluir o ensino médio e com dúvidas sobre o futuro, publicou o primeiro vídeo no YouTube, plataforma que começava a fazer sucesso entre os brasileiros.
O primeiro vídeo, assim como os posteriores, foram feitos com uma câmera que gravava apenas 40 segundos. Ele descarregava as gravações no computador para registrar mais e depois editava tudo. Todo esse processo que ele fazia parece muito trabalhoso atualmente, pois é possível gravar os vídeos no celular e editar tudo no próprio aparelho em poucos minutos.
O sucesso de Zaiden veio após um vídeo no qual ele tratou sobre uma tribo que tinha milhares de adeptos pelo mundo no início dos anos 2000: os emos. Eram jovens que ouviam rock com letras emotivas, costumavam pintar os olhos com lápis preto e usavam roupas escuras.
"Não sei por que peguei essa coisa do emo para interpretar, mas acho que é porque estava em alta na época", explica Zaiden.
Uma das perguntas que ele mais ouvia na época era se realmente era emo. Mas Zaiden explica: era somente um personagem.
Em outros vídeos que compartilhou no YouTube, ele interpretou personagens como um pastor que insistia para que os fiéis doassem dinheiro para a igreja, uma mãe em um diálogo com o filho e um viciado em Orkut, rede social que foi fenômeno no Brasil no começo dos anos 2000.
Muitos dos vídeos de Zaiden eram improvisados: ele apenas ligava a câmera e começava a falar.
O jovem se tornou um fenômeno nas redes. Uma reportagem do G1, de março de 2007, destacou que Zaiden era "o brasileiro mais visto da internet". Na época, ele havia ultrapassado a marca de 1 milhão de visualizações no vídeo "Confissões de um emo" e acumulava, ao todo, quase 3,5 milhões de acessos em seu canal.
Naquele período, os youtubers começavam a surgir em diversos lugares pelo mundo. No Brasil, a plataforma conquistava os primeiros milhões de usuários — atualmente, são mais de 100 milhões no país.
Zaiden é apontado por muitos como o primeiro youtuber brasileiro. Mas o YouTube não possui dados oficiais sobre o tema. Em nota à BBC News Brasil, a plataforma diz que não é possível confirmar que ele foi o primeiro.
Participação em programas de televisão e na novela das 21h
Mesmo sem uma confirmação se foi o primeiro youtuber no país, não há dúvidas de que Zaiden foi um dos precursores da criação de vídeos para a plataforma no Brasil.
O sucesso no YouTube na época rendeu frutos. Ele participou de programas de televisão, fez um comercial, viajou para diversas cidades para dar entrevistas e palestras sobre o mundo virtual, ganhou uma viagem internacional após participar de uma competição da MTV e até participou de alguns capítulos da novela Caminho das Índias, exibida na faixa das 21h pela Rede Globo.
A fama, diz Zaiden, trouxe pouco retorno financeiro. Quando ele publicou os vídeos, sequer podia lucrar algo por eles, porque o YouTube ainda não permitia a monetização desses conteúdos — isso passou a ser permitido somente no ano seguinte.
"Ganhei zero dinheiro com os vídeos na época. Mesmo quando o YouTube foi monetizado, não pude ganhar porque, na minha ingenuidade, acabei colocando músicas com direitos autorais e por isso não podia monetizar os vídeos", explica.
Atualmente, a conta de Zaiden aponta que ele lucrou U$ 360 (cerca de R$ 1,9 mil) com o canal no YouTube desde 2006. Ele diz que esse valor foi acumulado nos últimos 15 anos, porque nunca retirou nada dessa conta, mas é referente somente aos vídeos mais recentes, quando deixou de usar músicas com direitos autorais de artistas.
O principal valor que ganhou após ficar famoso na internet, segundo Zaiden, veio por meio de um comercial para uma companhia de celular. Mas ele ressalta que o cachê em nada lembra o quanto os influenciadores digitais ganham atualmente para produzir conteúdos para divulgar grandes marcas. "Antes, era tudo muito novo, não tinha tanta oportunidade para lucrar", afirma.
Depois do sucesso no YouTube
Após conquistar a fama, Zaiden viu a popularidade diminuir aos poucos. Ele parou de publicar vídeos com frequência e cada vez mais surgiram novos youtubers.
"Quando fiz muito sucesso, entrei em pânico, porque comecei a pensar: como vou fazer outro vídeo com mais de um milhão de visualizações? Como vou fazer um vídeo melhor que os que já fiz? Eu tinha uma ideia de que todo vídeo tinha que ser uma obra-prima. Comecei a dar uma travada", conta Zaiden.
"Hoje em dia seria muito mais fácil transformar milhões de visualizações em coisas mais concretas, como uma carreira. Naquela época era tudo bem diferente, ninguém nem sabia o que estava acontecendo", comenta.
Em 2008, ele buscou oportunidades na carreira artística em São Paulo. No ano seguinte, voltou para Brasília para cursar Artes Cênicas. "Nesse período, percebi que o Brasil não era a minha praia, nunca me identifiquei com várias coisas (no país)", explica. Zaiden, que é gay, diz que um dos temores no Brasil era ser alvo de homofobia.
Quando decidiu focar na mudança de país, ele começou a trabalhar como professor de inglês em Brasília para juntar dinheiro.
Em 2011, embarcou para Los Angeles, na Califórnia (EUA). "Cheguei com dinheiro para sobreviver por seis meses. Não conhecia ninguém, bati nas portas dos restaurantes na cara e na coragem para conseguir emprego", relembra.
No país, ele teve diversos empregos. "Trabalhei com tudo o que se pode imaginar: fui garçom, bartender, entregador de comida, dirigi para a Uber…", diz. Por lá, também estudou teatro, se casou e se separou.
Ele não planeja voltar a morar no Brasil. Nos últimos anos, passou a trabalhar como editor de vídeos em uma produtora em Los Angeles.
Parte do conhecimento sobre edição, diz Zaiden, surgiu justamente por causa das produções caseiras que compartilhava na internet. "Na época, eu usava um programa bem simples e não tinha muitos floreios. Mas os vídeos (de 2006) me ajudaram a entender melhor sobre edição", comenta.
Desde o fim de 2015, Zaiden ensaiou diversos retornos ao YouTube, mas nunca voltou a publicar com frequência. No vídeo mais recente, em dezembro passado, ele reagiu às suas primeiras publicações e fez críticas. "Um pouco chato, meio gordofóbico", disse, sobre o vídeo no qual interpreta um pastor.
Há falas e ações em seus vídeos antigos que não o agradam atualmente, admite Zaiden. Apesar disso, as produções dele costumam receber comentários positivos até hoje. "Esse vídeo é patrimônio histórico do YouTube brasileiro", comentou uma pessoa. "Esse vídeo é atemporal. Não havia um colégio, uma roda de amigos ou um rolê em que esse vídeo não era conhecido (há 15 anos). Lenda do YouTube", escreveu outro.
O vídeo "Confissões de um emo" tem 7,6 milhões de visualizações e é o mais visto do canal dele.
Um dos objetivos de Zaiden é voltar a produzir conteúdos para a plataforma com frequência. "Mas não sei de que maneira", admite.
A principal forma de contato que ele mantém com o público é pelo Instagram, onde costuma compartilhar o seu cotidiano para os seus 12 mil seguidores.
O "ex-famoso da internet", como se define, afirma que fica feliz por seus vídeos serem lembrados até hoje, mais de 15 anos depois.
Zaiden comenta que muitos buscam pelo seu nome para saber como ele está atualmente. "As pessoas têm muito isso de saber que fim alguém levou", diz. "Gente, eu não levei fim nenhum. Estou aqui vivendo a minha vida tranquilamente", afirma.
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