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Estado de Minas RACISMO ESTRUTURAL

Casal de igreja de Michelle Bolsonaro comete blackface em festa religiosa

Os dois cometeram prática racista criada há 200 anos para ridicularizar negros. Igreja afirma que eles não tinham 'intenção de serem racistas'


28/10/2021 08:26

Casal de igreja de Michelle Bolsonaro que cometeu blackface durante festa religiosa
(foto: Instagram/Reprodução)
A foto de um casal branco pintado de preto e com uma peruca que simula um black power causou revolta nas redes sociais, nesta quarta-feira (27/10). No registro, publicado no perfil do Instagram do homem, ele explica que a 'caracterização' era uma fantasia para participar de uma festa da Igreja Batista Atitude de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, no último sábado (23/10).

A 'fantasia' do casal remete ao blackface, uma prática racista de mais de 200 anos, usada principalmente nos filmes e no teatro, na qual pessoas brancas escureciam o tom da pele para ridicularizar negros. Na atuação, eram reforçados estereótipos racistas com o único objetivo de entreter pessoas brancas. A prática contribuía para o fortalecimento do racismo estrutural, por desumanizar negros e fazê-los ser vistos como alegorias ou anomalias.

Nas redes sociais, a postagem foi duramente criticada. "Casal se fantasia de 'nega maluca' em festa da igreja! Vocês tão entendendo a gravidade da nossa realidade??? Enfrentar o racismo na igreja é urgente!", declarou Jackson Augusto, da Coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico.


"Meu estômago revira de tanto ódio... A vontade é de dar um socão nesses racistas", diz outro usuário em resposta. "Por isso não quero ir pra igreja mais", lamenta outro perfil.

A igreja do casal, onde ocorreu a festa, é ligada à sede situada na Barra de Tijuca, onde Michele Bolsonaro era membro enquanto morava no Rio de Janeiro. Hoje, ela congrega na filial da mesma igreja em Brasília.

A sede da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, já esteve com o nome envolvido em outra polêmica sobre racismo, em julho de 2019, quando a instituição abrigava um evento da Juventude Batista Brasileira (JBB). Na ocasião, uma das mesas redondas, que iria tratar sobre racismo na igreja, foi cancelada em cima da hora.

Ao dar a notícia do cancelamento, o líder da JBB na época, Amnom Lopes, afirmou que a retirada do debate Descolonizando o Olhar: o Racismo Atinge a Igreja? do evento aconteceu "por motivos alheios" à sua vontade. Em tom de lamento, ele ainda afirmou que ninguém iria incutir viés político na JBB e que, ao citar espectros políticos, disse que "na mesa só tem gente do mesmo lado. Mas é porque contra racismo só tem um lado mesmo, gente. Se não é o lado que condena o racismo como prática pecaminosa, não tem outro lado".

Movimento negro e Câmara Municipal se manifestam contra o episódio

O Segmento de Culturas Afro-Brasileiras, quilombolas e de matrizes africanas de Petrópolis (RJ) também comentou o caso. "Infelizmente hoje acordamos com práticas inaceitáveis em nossa cidade de Petrópolis. Um casal resolve se fantasiar, pintando o corpo de tinta preta e colocando uma peruca encrespada, simbolizando a população negra. Importante frisar que o corpo negro não é entretenimento e muito menos uma fantasia para alegrar festas", pontuaram em nota de repúdio.

"Práticas como esta, são enquadradas no racismo recreativo, uma forma de desumanizar a população negra , utilizando de forma depreciativa tal atitude. Solicitamos que as autoridades locais, tomem as medidas cabíveis", solicitaram.


Mais tarde, o vereador Yuri Moura (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Educação, Assistência Social e Direitos Humanos (CEADH) da Câmara Municipal de Petrópolis, afirmou que a Comissão redigiu uma notícia-crime que será encaminhada ao Ministério Público local. "O povo negro não pode ser desrespeitado e ridicularizado!", escreveu o parlamentar.


O que dizem as partes

Após as críticas, o homem que postou a foto alterou a privacidade do perfil do Instagram para que apenas pessoas que o seguem veja as fotos postadas. 

A Igreja Batista Atitude de Petrópolis publicou nota oficial nas redes sociais em que afirma que, na festa, "os participantes foram vestidos de fantasias escolhidas a critério de cada um, individualmente". A instituição também defendeu o casal.

"As partes envolvidas não tinham conhecimento do que é 'blackface', portanto, fizeram suas fantasias sem a intenção de serem racistas. Sabemos quem somos como igreja e jamais admitiremos qualquer tipo de discriminação em nosso meio", escreveram.

Na nota, assinada pelo pastor Wallace Cardozo, a igreja ainda afirma que em nenhum momento fizeram "qualquer tipo de discriminação". Nós amamos a todos, sem exceção, assim como Cristo nos ensina em João 13.34", escreveram.

A passagem citada se refere a uma fala de Jesus que estabelece um "novo mandamento": amar uns aos outros. No entanto, a igreja não se desculpou pelos que se sentiram ofendidos pelo ato.


Nêga maluca: o blackface brasileiro que foi abraçado em carnavais
"Casal faz blackface em festa de igreja e a pessoa tentando justificar diz: 'Eles não se pintaram de negros, se fantasiaram de Nêga Maluca'", criticou um usuário nas redes sociais. Ele faz referência ao personagem Nêga Maluca, que nada mais é do que uma criação brasileira que faz, em resumo, o mesmo do blackface.

Popular no carnaval, a prática se individualizou em um estereótipo específico: a da mulher negra sexualizada e extravagante. É, para especialistas, o exemplo perfeito para o racismo recreativo: o que é feito com desculpa de ser brincadeira ou para divertir outros.

"A personagem é a representação exacerbada e totalmente estereotipada da mulher negra: preta, pobre, descabelada, com sua sexualidade explorada, exposta e hipervalorizada, sorridente ao extremo, o que muitas vezes pode representar uma falta de senso crítico diante das mazelas da vida", explica um artigo do Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros da Universidade Estadual de Maringá.

"Projetar nas mulheres negras um comportamento passivo, sorridente, que absorve as dificuldades e as mazelas da vida com risos e tolerância, priva até mesmo a liberdade individual de cada mulher, de também ter direito de exigir dignidade e respeito", complementa o estudo. "A fantasia jamais deve ofender alguém, deve proporcionar alegria para quem se fantasia e para todos aqueles que veem essa fantasia", pontua o texto.


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