Jornal Estado de Minas

MORTE NO AUGE

Guardiã do gênero sofrência, Marília Mendonça consagrou espaço feminino


Marília Mendonça disse, algumas vezes, em entrevistas, ter sido vítima de muito preconceito por tentar se impor no ambiente predominantemente masculino da música sertaneja. A despeito disso, ela conquistou seu lugar no pódio. No primeiro semestre deste ano, ocupou a segunda posição no top 5 das cantoras mais ouvidas do Spotify, com quase 7 milhões de reproduções mensais de suas músicas na plataforma.





Alcançar tamanho sucesso foi mérito da cantora, mas o caminho que ela trilhou para chegar ao topo já havia sido desbravado por outras figuras femininas da música sertaneja, a começar por Inezita Barroso, que despontou na década de 1950. Na linha evolutiva do gênero, pontuam, ainda, Roberta Miranda e Paula Fernandes, que, antes de Marília Mendonça, também conquistaram grandes audiências, entre outros nomes.

O que se pode considerar um fenômeno novo, inaugural, é o chamado “feminejo”. As cantoras que precederam Marília não integravam uma cena. Ao lado de duplas como Maiara e Maraisa e Simone e Simaria, além de diversas outras expoentes do gênero, Marília Mendonça delimitou e consagrou esse espaço das cantoras de música sertaneja como um movimento em bloco.

Em termos estéticos, elas são herdeiras também das duplas masculinas, sobretudo a partir de Chitãozinho e Xororó, que imprimiram um verniz pop ao gênero, com produções grandiosas e muita pirotecnia. No que diz respeito às temáticas, entretanto, Marília Mendonça e suas colegas de ofício optaram por outro caminho. Diferentemente dos homens, que, com a evolução do sertanejo, passaram a adotar cada vez mais um tom festivo, exaltando as bebedeiras e as paqueras, as mulheres abraçaram a chamada “sofrência”.





Nesse sentido, como bem observou o jornalista e produtor Marcus Preto em matéria publicada pelo Estado de Minas em julho deste ano, sobre as atuais divas do pop brasileiro, as sertanejas também descendem, de certa forma, de cantoras como Alcione e Fafá de Belém.  “As duas, provavelmente, são as mães do que hoje a gente chama de ‘sofrência’. Acho que essas meninas, Marília Mendonça, Maiara e Maraisa, vêm um pouco dessa escola, elas conhecem esse repertório”, disse Preto.

Ele identificava, ainda, que essa sofrência tem algo de peculiar, diferentemente do sentimento que a fossa de Maysa ou do samba-canção apregoavam. Essa singularidade, segundo o produtor, passa pelas pautas feministas levantadas ao longo dos últimos anos, mas que já estavam presentes em Alcione e Fafá.

“A Alcione sofre porque ela resolveu sofrer, ela nunca está por baixo, não é porque ela foi abandonada ou coisa do tipo. Marília Mendonça, Maiara e Maraisa e outras desse filão misturaram a estética das duplas sertanejas masculinas com um discurso que já era feminista na Alcione, na Fafá. A mulher, mesmo quando estava sofrendo, era por uma decisão dela. Não é um sofrimento anterior, que existiu muito no samba-canção, onde a pessoa estava sofrendo porque se achava um lixo. A Alcione não, e essas meninas sertanejas têm esse discurso muito parecido”, apontou o produtor.






Do começo ao topo

Marília Mendonça deixou um legado relevante para a representação feminina no gênero musical sertanejo.  Goiana de Cristianópolis, a cantora começou sua carreira como compositora, escrevendo sucessos para duplas como Henrique e Juliano, João Neto e Frederico, Matheus e Kauan e Jorge e Matheus, além dos cantores Wesley Safadão e Cristiano Araújo, este último também morto prematuramente em um acidente de carro, em 2015. Foi apenas a partir de 2014, após emplacar várias músicas como “Até você voltar”, “Cuida bem dela” e “É com ela que eu estou”, na voz de outros artistas, que Marília se lançou cantando em carreira solo.

Em 2015, ela despontou com o sucesso “Infiel”, uma das músicas mais executadas nas rádios brasileiras. Se as letras, mesmo aquelas compostas para vozes masculinas, já haviam dado indícios de uma postura mais feminina no sertanejo, foi em 2016, com “Agora é que são elas”, parceria de Marília Mendonça com Maiara & Maraisa, que ela se firmou como uma das principais vozes femininas do estilo. O trio continuaria lançando músicas em conjunto até 2020.

Desde então, Marília chegou a figurar, em 2019, como a artista brasileira mais ouvida em um ranking do YouTube, e a 13ª em todo o mundo. Naquele mesmo ano, venceu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Sertaneja por “Todos os cantos”. Em 2021, a cantora já havia lançado “Nosso amor envelheceu”, seu mais recente álbum solo.





DESTAQUES

» Cantora brasileira mais ouvida, em 2019, no ranking do YouTube e 13ª no mundo
» Vencedora, em 2019, do Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Sertaneja por “Todos os cantos”
» Segunda colocada no top 5 das cantoras mais ouvidas do Spotify no primeiro semestre dete ano

Marília Mendonça, entre Maiara (E) e Maraisa (D), que planejaram turnê juntas em 2022 partindo de BH (foto: Divulgação)

“Belo Horizonte assustou o resto do Brasil”

Há um mês, em 5 de outubro, Marília Mendonça anunciava uma grande turnê  para 2022, que faria junto da dupla Maiara e Maraisa, em projeto batizado Festa das Patroas. O anúncio foi feito pelo trio em São Paulo, e o plano das cantoras era começar a jornada em Belo Horizonte, com megaprodução capaz de reunir 24 mil fãs na esplanada do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão.

O início  da turnê estava marcada para 19 de março do próximo ano, na capital mineira. Durante a entrevista acompanhada pelo Estado de Minas, Marília Mendonça recordou, com carinho, que a cidade “deu trabalho” na última passagem dela, com a turnê “Todos os cantos”, em outubro de 2019. A cantora esperava 15 mil pessoas e se deparou com mais de 100 mil fãs na Praça da Estação, no Centro de BH.

“Belo Horizonte assustou o resto do Brasil”, comentou a cantora. “Algumas das melhores histórias de shows que já fiz são de lá”, afirmou. Marília disse ainda que estava animada para retornar aos palcos com as amigas Maiara e Maraísa, com quem lançou várias músicas recentemente.





A cantora não escondeu o entusiasmo com o projeto, que contemplaria, na estreia, três horas de show, em um palco memorável compartilhado com Maiara e Maraisa durante toda a apresentação. Esse era um projeto sonhado pelas cantoras desde 2015, quando se conheceram.

As três vozes do “feminejo” chegaram a “trollar” a imprensa no local da entrevista para contar a novidade. Em vídeo num telão, elas lamentaram que não poderiam estar presentes no evento devido à pandemia do novo coronavírus, enquanto torciam para ver todos reunidos novamente.

“Nós persistimos e acreditamos, porque não são apenas os shows, é a vida que não pode parar. O passado já foi, o futuro já chegou, e só quem vive a vida faz o presente. Então, bora buscar de volta os fãs, as imagens, a alegria, o sentimento? Bora voltar a cantar o amor, a gratidão de podermos seguir em frente?”, comunicaram as amigas.





O vídeo foi interrompido por uma suposta falha no sistema, assim que elas pediram para os jornalistas se virarem de costas para o telão. As Patroas, então, entraram em campo cantando o novo sucesso de “Todo mundo menos você”, do EP “35%”. A ideia, segundo elas, era deixar para trás todo o trabalho feito on-line durante a pandemia de COVID-19 e focar na volta dos shows presenciais. Após a entrada triunfal, Marília, Maiara e Maraisa contaram que foi o melhor momento que encontraram para colocar em prática o sonho, após quase dois anos de paralisação do trabalho devido à crise sanitária. Os shows também seriam realizados no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

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