A comerciante Lucilene Gervásio Oliveira, de 53 anos, chegou às 4h desta sexta-feira (12/11) ao Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do Alto do Mandu, no Recife.
Após ter o nome retirado do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), ela está em busca de informações para se recadastrar no sistema e ter direito ao Auxílio Brasil, o benefício para famílias de baixa renda que substituirá o Bolsa Família.
Mas depois de horas na fila, ao lado de outras dezenas de pessoas, e de ter perdido o dia de trabalho, ela disse à reportagem da BBC News Brasil que não conseguiu solucionar o cadastro.
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"Agora, tenho que ver como agendar pelo aplicativo. Uma mulher disse que eu serei atendida depois do dia 22. Eu recebia o Bolsa Família, mas tive o benefício cortado quando voltei a trabalhar. Na pandemia, eu recebi o auxílio emergencial, mas hoje eu só ganho dinheiro vendendo pipoca e água do lado do posto de saúde", afirmou.
Lucilene contou que paga R$ 300 de aluguel para morar em um barraco no bairro Casa Amarela, na periferia do Recife. E que, sem os R$150 do auxílio emergencial, cuja última parcela foi paga em outubro, ficará ainda mais difícil pagar as contas do mês e comprar comida.
"Eu uso esse dinheiro para sobreviver. Eu moro sozinha e acordo todo dia às 3h para vender minhas coisas. Coloco pipoca e água em cima de uma mesa com um guarda-sol e ganho cerca de R$ 50 por dia. Eu tenho medo de passar fome. E eu não quero falar mais nada porque senão vou chorar. O resto só Deus proverá", disse Lucilene com a voz embargada.
Segundo o governo federal, as pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família em outubro de 2021 serão atendidas automaticamente, sem a necessidade de recadastramento. Questionado pela reportagem, o Ministério da Cidadania não informou se todas as pessoas que recebiam o auxílio emergencial também terão direito ao Auxílio Brasil.
No entanto, a pasta ressaltou que nem todas as pessoas cadastradas no CadÚnico terão direito ao Auxílio Brasil. E reforçou que "serão priorizadas famílias a partir de critérios baseados num conjunto de indicadores sociais, capazes de estabelecer com mais precisão as situações de vulnerabilidade social e econômica".
Depois de 18 anos, o Bolsa Família foi revogado pela Medida Provisória que criou o Auxílio Brasil (MP 1.061/2021), publicada no Diário Oficial da União em 10 de agosto. O Auxílio Brasil é a tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de imprimir uma marca própria na assistência social, apagando — às vésperas das eleições de 2022 — o nome fortemente associado às gestões petistas.
Segundo o governo federal, neste mês, cerca de 14,5 milhões de famílias receberão o Auxílio Brasil.
"Ainda não dispomos das informações por unidade da Federação. Em dezembro, o número passará para 17 milhões, o que corresponde a todo o público já habilitado e outras famílias que atenderem aos critérios de elegibilidade do programa, zerando a fila de espera. O atendimento alcançará mais de 50 milhões de brasileiros ou um quarto da população", informou o Ministério da Cidadania por meio de nota.
Falta de informação
Na cidade de São Paulo, a reportagem identificou que não há registro de filas no atendimento feito pelo Cras, já que é exigido um agendamento.
No entanto, pessoas que conseguiram atendimento disseram ter sido mal atendidas e estão mal informadas sobre o cadastro no CadÚnico.
A empregada doméstica Silvana Virgínio Paulino, de 53 anos, disse ter ido a uma unidade do Cras em Ermelino Matarazzo, bairro onde ela mora, na zona leste da capital paulista.
Silvana disse que uma funcionária teria afirmado que ela não se enquadra nos requisitos para fazer o cadastro, mas não informou o motivo. Mesmo desempregada e sem renda.
"Eu recebia o Bolsa Família, mas depois ele foi cortado. Hoje, eu moro com o meu filho e não temos mais renda. Eu trabalho como diarista, mas só consigo trabalho a cada 15 dias. Ele trabalha cortando cabelo em casa e cobra R$ 20 por cliente. Mas muitas vezes ele fica sem trabalho por dias", afirmou.
Ela conta que vende material reciclado para complementar a renda da família. Mas é insuficiente para pagar as contas do mês.
"Meu ex-marido nos ajuda porque não temos dinheiro para arcar com as contas. Pagamos R$ 250 de condomínio e R$ 200 de luz, sem contar o gás, que subiu para R$ 110."
Ela disse que, em busca de uma explicação, já ligou diversas vezes na central de atendimento do Cras, mas não teve sucesso.
"Eles até entendem, mas desligam. Já cheguei a ficar uma hora com eles no telefone. Mas vou lutar até o fim. Esse dinheiro vai salvar minha vida porque hoje eu não consigo pagar meu IPTU. Tenho até dezembro para pagar os R$ 480 que devo deste ano. Vou precisar parar de comer carne para não perder meu apartamento", afirmou.
O Ministério da Cidadania não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre os casos específicos dos entrevistados nesta reportagem.
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