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Parque expõe novo Baixo Augusta, com menos comércio e mais prédios

O Baixo Augusta foi, por algumas décadas, um dos símbolos da São Paulo que nunca dorme. Seja dia, seja noite, as calçadas da região dificilmente ficavam vazias de pedestres e frequentadores de bares, baladas e pequenos comércios. Esse cenário, porém, deixou de ser visível em toda a rua. O que não se deve só à pandemia, mas também a um novo perfil, com mais condomínios fechados.

As cinco primeiras quadras da Rua Augusta - as mais próximas do recém-inaugurado Parque Augusta e do centro - ganharam ao menos 15 novos condomínios fechados nos últimos dez anos, segundo levantamento do Estadão com base em dados de licenciamento urbano da Prefeitura.

Com muros, grades ou arquitetura fechada para a calçada, alguns desses empreendimentos nem têm entrada pela via. O perfil contrasta com a trajetória da região, que há cerca de um século tem forte presença de comércios e serviços. Por ali, aberto há menos de um mês, o parque tem atraído grande circulação de pessoas em fins de semana e virou uma nova "praia" do paulistano.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a profusão de condomínios fechados expõe o uso ainda reduzido da "fachada ativa" (comércio e serviços nos térreos), incentivada pelo Plano Diretor de 2014. No Baixo Augusta, a maioria dos novos edifícios obteve aval de construção antes dessa lei, mas os que vieram depois repetiram o padrão.

Os condomínios são de menor porte, em áreas de 600 a 2 mil m², porém concentrados em um trecho de cerca de um quilômetro de extensão. Como foram criados a partir da junção de lotes de casas, sobrados e pequenos imóveis de poucos pavimentos, por vezes os novos terrenos têm formatos de "U", "L" ou assemelhados, passando por trás de alguma edificação que não foi comprada pelo incorporador.

Uma pesquisa do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie identificou os tipos de construção que passaram a predominar na última década no Baixo Augusta. Enquanto os imóveis majoritários entre a década de 1940 e o início dos anos 2010 ficam junto à calçada, os posteriores são mais afastados da rua.

Heraldo Ferreira Borges, um dos autores do estudo, diz que a verticalização da área é bem-vinda, pois aumenta o número de pessoas que usufruem da infraestrutura do centro, mas seria importante impulsionar o uso da fachada ativa. Condomínios fechados, segundo ele, passaram a ganhar força no País nos anos 1970 e 1980, quando a restrição de acesso e o lazer interno eram vistos como forma de dar a sensação de segurança em meio à alta de taxas de violência.

TRAJETÓRIA

Parte das características do Baixo Augusta vem de 130 anos atrás, quando o trecho até a Rua Caio Prado foi aberto, e depois estendido até a atual configuração, por volta de 1920. O objetivo era ligar o centro aos Jardins. Até os anos 1950, o Baixo Augusta era voltado ao público de maior renda, o que mudou com o crescimento da Avenida Paulista como polo financeiro, a criação da passagem da Ligação Leste-Oeste sob a Praça Roosevelt e a consequente alta nos congestionamentos. Um marco da mudança foi o fechamento do colégio francês Des Oiseaux, onde hoje está o parque.

No fim do século 20, a área era conhecida por reunir bares e boates e pela prostituição, o que voltou a mudar no início dos anos 2000, com baladas mais descoladas. Entre os novos condomínios no Baixo Augusta, a localização é valorizada nos anúncios, que a descrevem como "onde tudo acontece", "das mais vibrantes" e de "efervescência cultural".

A proximidade com o parque, estações de metrô e a Paulista também é lembrada. Em parte deles, a estética associada à região também entra na decoração e no design, como paredes verdes e arte urbana.

Diretora executiva comercial do Grupo Lopes, do segmento imobiliário, Mirella Raquel Parpinelli diz que novos lançamentos não só chamam a atenção para si, mas para o entorno - tendem a impulsionar o aluguel e a compra de imóveis vizinhos. Equipamentos como o parque também ajudam. "O cliente acaba olhando o bairro com outros olhos."

Grande parte dos novos empreendimentos é de quitinetes (os "studios") e apartamentos de um quarto, embora também haja oferta de opções com dois e três. A maioria traz variedade de serviços e espaços de lazer interno, dos mais usuais (como lavanderia e academia) aos mais diversificados, como piscina aquecida, cinema, spa, concierge e até vestiário no subsolo só para diaristas.

Alguns empreendimentos no entorno, como na Rua Frei Caneca, fogem do padrão do condomínio fechado. Há ainda exemplos do outro lado da via, perto dos Jardins. No Baixo Augusta, a exceção é um lançamento na altura da Rua Peixoto Gomide, com entrega prevista em 2024. "Buscamos fazer integração com a rua, para que também sirva ao não morador", diz Isaac Khafif, CEO da Planik, incorporadora responsável pelo projeto. Segundo ele, 60% das unidades foram vendidas na primeira semana.

Para o pesquisador da USP Helterson Leite, a atual valorização imobiliária está ligada à profusão de festas mais "cool" e à projeção na mídia. "A retomada foi orgânica, pelas baladas, vida noturna, com espaço underground, de encontro de grupos até excluídos como LGBTs, em que era um lugar em que podiam ir e se sentir mais confortáveis e seguros."

Ele também destaca que o cenário é convidativo para o setor imobiliário, com boa infraestrutura e recentes investimentos públicos, como a reforma da Roosevelt, a Linha 4-Amarela do Metrô e o parque. Por outro lado, diz, que os ares democráticos do "hype" do Baixo Augusta foram afetados pela maior projeção. "Os espaços onde antes se encontravam drag queens e travestis começaram a se elitizar." Alguns dos locais de baladas deram lugar a condomínios.

Parte dos novos apartamentos (pelo tamanho e localização) não é pensada exclusivamente para moradia fixa, mas também locação de curta duração. No Airbnb, há mais de 50 anúncios só nas cinco primeiras quadras da via. A pedido do Estadão, a imobiliária Quinto Andar fez levantamento com dados de anúncios e contratos num raio de um quilômetro do parque. O valor do m² do aluguel é de R$ 42,43 - 20% mais do que a média da cidade (R$ 35,43). Com oferta majoritária de apartamentos de até um quarto (76%), o aluguel médio é R$ 1,9 mil (sem condomínio e taxas), mas há opções até de R$ 7 mil. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



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