Os dados são do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) a partir de uma estação meteorológica automática instalada na cidade.
Segundo o Inmet, este foi o segundo maior volume de chuvas registrado em Ilhéus desde 2003 e o maior desde novembro de 2013, quando um temporal atingiu a marca de 172mm.
Temporais concentrados em poucas horas atingiram dezenas de cidades baianas, como Vitória da Conquista, a quase 5 horas de carro a oeste de Ilhéus. Em 25 de dezembro, o registro de chuvas atingiu a marca de 86,8mm, muito acima do registrado em dezembro passado inteiro (2,6mm).
O governador baiano, Rui Costa (PT), que está em Ilhéus para a coordenação da resposta às chuvas na região, descreveu a situação como a maior tragédia na história recente da Bahia. Há 100 municípios em situação de emergência por causa de enchentes e mais de 470 mil pessoas atingidas.
Pelo menos 20 pessoas morreram e mais de 31 mil precisaram deixar suas casas temporária ou definitivamente por causa das fortes chuvas que atingem parte do Estado desde o início de novembro.
Os danos materiais ainda estão sendo contabilizados, mas, por exemplo, diversas casas e estradas foram destruídas por enchentes em rios da região.
E o que está por trás disso?
Especialistas em meteorologia e clima apontam a influência de diversos fatores sobre a tradicional Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), descrita pelo Inmet como “um dos principais sistemas meteorológicos responsáveis pela reposição hídrica em parte do Brasil no período chuvoso”.
Em geral, uma ZCAS tem como característica, explica o Inmet, “a persistência de nuvens que ficam, praticamente estacionadas, provocando muita chuva sobre as mesmas áreas por, pelo menos, 4 dias consecutivos”.
A ZCAS costuma ser um corredor de umidade que se estende desde partes da região Norte ao Sudeste do Brasil e ao oceano Atlântico Sul, passando também pelo Nordeste.
Mas o que aconteceu em dezembro deste ano na Bahia pode ser considerado atípico e extremo, afirma o meteorologista Willy Hagi, da consultoria Meteonorte, pioneira no setor climático no Amazonas.
“Geralmente, a formação de eventos de ZCAS começa a partir da primavera entre meados de setembro e outubro e vai até os meses seguintes do verão e outono. Isso significa que é um fenômeno comum e esperado para essa época do ano, mas em dezembro temos visto esses eventos de ZCAS posicionados mais ao norte e atingindo o sul da Bahia com mais força”, afirma Hagi à BBC News Brasil.
Para especialistas, há pelo menos três fatores que podem ser associados à alta intensidade das chuvas recentes na Bahia: La Niña, depressão subtropical e aquecimento global.
O impacto de eventos La Niña no clima do Brasil
“Para o Norte e Nordeste do Brasil, a La Niña sempre vai ser um sinônimo de chuvas frequentes e acima do esperado”, afirma Hagi. Mas o que é La Niña?
Para entender o termo, é necessário explicar o fenômeno mais geral em que ele está inserido: o chamado evento ENOS ou El Niño-Oscilação Sul.
O El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais do oceano Pacífico, principalmente nas zonas equatoriais.
Ele ocorre normalmente em intervalos médios de quatro anos, geralmente em dezembro, próximo ao Natal e, por isso, é chamado assim, em referência ao "Niño Jesus" ("Menino Jesus").
O El Niño causa o enfraquecimento dos chamados ventos alísios (deslocamentos de massas de ar quente e úmido em direção às áreas de baixa pressão atmosférica das zonas equatoriais do globo terrestre). Esses ventos sopram de leste para oeste, acumulando água quente na camada superior do Oceano Pacífico perto da Austrália e Indonésia.
Quando o El Niño ocorre, a camada de águas superficiais quentes do Pacífico acaba se deslocando ao longo do Equador em direção à América do Sul. Ventos quentes favorecem a evaporação e, por consequência, a formação de nuvens.
No Brasil, isso normalmente se traduz em mais chuvas na região Sul e menos chuvas nas regiões Norte e Nordeste.
La Niña é exatamente o oposto no Brasil: chuvas fortes e abundantes, aumento do fluxo dos rios e inundações subsequentes no Norte e no Nordeste do Brasil - e seca no Sul do país. Mas nenhum evento La Niña é igual ao outro.
Segundo o Inmet, neste ano, “a maioria dos modelos de previsão de ENOS (El Niño-Oscilação Sul), gerados pelos principais centros internacionais de meteorologia, indicam uma probabilidade superior a 60% de que se mantenha o fenômeno La Niña durante o verão, podendo atingir a intensidade de moderado entre os meses de dezembro/2021 e janeiro/2022”.
“Saímos de uma La Niña entre o final de 2020 até Maio de 2021, que foi responsável pela maior Cheia na Amazônia nos últimos 120 anos, para entramos em outra agora que está prevista para durar pelo menos até o primeiro trimestre de 2022. Isso soa o alarme para mais um período de chuvas elevadas e com todas as consequências socioeconômicas que estão ligadas, desde alagamentos a perdas de vidas humanas”, afirma Hagi.
No início de dezembro, fortes chuvas já haviam afetado o sul da Bahia, deixando ao menos 24 cidades da região em situação de emergência.
Diversas localidades ficaram debaixo d’água e pelo menos três pessoas morreram após um deslizamento de terra na cidade de Itamaraju.
À época, o climatologista Francisco Eliseu Aquino, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou à BBC News Brasil que a ZCAS estava combinada com um outro fenômeno climático que se originou a partir de uma área de baixa pressão: a depressão subtropical.
Atípica, a depressão subtropical é um evento meteorológico que gira no sentido horário e é marcado pela formação de nuvens, ventos, tempestades e agitação marítima. Em alguns casos, ela pode evoluir para uma tempestade tropical.
“A combinação desses dois acontecimentos, a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e a área de baixa pressão, é o que intensificou a chuva nas regiões leste e sul da Bahia", disse Aquino em entrevista no início de dezembro.
Segundo ele, "as mudanças na circulação geral da atmosfera sugerem para nós que o oceano mais quente na costa do Brasil poderia formar com mais frequência áreas de baixa pressão como essa, levando à depressão subtropical". Aquino considera precoce associar esses eventos extremos na Bahia às mudanças climáticas no planeta, mas não descarta uma possível ligação entre eles.
"Neste momento, não conecto diretamente as mudanças climáticas com esse evento extremo. (...) Mas, num planeta mais quente, eventos extremos tornam-se mais frequentes, com a formação de depressões subtropicais como esta [vista na Bahia]."
Sobre os temporais durante o Natal na Bahia e a relação com o aquecimento global, Hagi, da Meteonorte, afirma que “de certa forma é possível que a ocorrência desses eventos extremos seja consistente com o que se espera para um mundo cada vez mais quente”.
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