Jornal Estado de Minas

PISO CEDEU

Andar de prédio desaba e moradores são evacuados



Eram por volta das 10h de ontem quando Maria Luzineide Baragchun, 42 anos, percebeu que havia algo errado no prédio ao lado da loja de manutenção de tratores onde trabalha. O estabelecimento comercial fica na Área Especial 20 da QSE de Taguatinga Sul. Ao decidir chamar os bombeiros para avaliar a situação, ela ajudou a salvar a vida de, ao menos, 19 famílias que moravam no edifício. Às 10h33, os militares chegaram e constataram risco iminente de queda da estrutura da estrutura. As equipes esvaziaram o imóvel de quatro andares em, aproximadamente, 15 minutos. Cerca de quatro horas depois, o piso do primeiro andar cedeu.





Os indícios de que o edifício estava sob risco chamaram a atenção de Maria Luzineide algum tempo atrás. E o estabelecimento comercial em que trabalha também sofreu prejuízos devido ao colapso do imóvel ao lado. "Quando fui trabalhar, disse para meu marido que não ficaria lá (na loja), porque o prédio cairia. O reboco da parede onde fica nosso estabelecimento, por exemplo, havia caído dias antes. Eu entrava lá e sentia algo ruim, sabe? Uma sensação de que aquilo poderia despencar a qualquer momento. E o dono do prédio foi irresponsável, porque eu havia avisado que a estrutura era ruim, mas ele pouco se importou", relatou.

Os bombeiros atenderam ao chamado da comerciante por volta das 10h30. Ao constatarem o perigo, os militares esvaziaram o prédio em, aproximadamente, 15 minutos. O edifício, de quatro andares e 24 unidades habitacionais, tinha 19 apartamentos ocupados. Marido de Maria Luzineide e dono da loja de mecânica de tratores, Rabib Baragchun, 64, contou que os primeiros sinais de problemas apareceram há cerca de dois anos, mas a situação das rachaduras havia piorado nesta semana.

Ele destacou que o terreno do local é arenoso e, por isso, questionava a possibilidade de construção de uma estrutura com quatro pavimentos. Além disso, criticou a postura do dono do edifício em relação a outros incidentes. "Manutenção ele dava, mas não nas rachaduras. Ele vinha, tapava, e a situação continuava. Tínhamos mostrado (a situação), e ele não tomava a atitude certa. As janelas estão tortas, as paredes da minha loja estão caindo, pipocando", criticou Rabib, que teve a loja interditada por causa do desabamento.





Resgate

Ao chegarem ao endereço, os bombeiros constataram a presença de "rachaduras expressivas" na estrutura. Dezessete veículos da corporação e 65 militares atuaram na ocorrência. As equipes resgataram, ainda, duas pessoas com dificuldades de locomoção e uma com deficiência intelectual que não haviam escutado o som das sirenes nem da intensa movimentação no prédio. Mesmo assim, os moradores contabilizaram, no mínimo, 10 gatos e três cachorros que não puderam ser retirados do prédio, por falta de tempo.

Apesar da proibição para acesso, um adolescente entrou escondido dos bombeiros para salvar a cadela da família, uma vira-lata de 10 anos. "Acessei o prédio 30 minutos antes de ele desabar. Estava chovendo, e ninguém mais podia entrar. Fiquei na dúvida se ela (a cadela) estava no apartamento ou não. Para não ficar na dúvida, corri sem ninguém ver e encontrei ela na sala. Ela tinha percebido a movimentação, sentiu que algo estava errado e ficou muito agitada, derrubou tudo dentro de casa, fez uma bagunça e ficou me esperando para resgatá-la", detalhou o estudante do ensino médio, Wesley Oliveira.

Os militares isolaram as duas ruas com entradas para o edifício, além de imóveis ao lado. Um vídeo do momento da queda mostra a estrutura desabar como um bloco sólido, sem tombar para as laterais. Na noite de ontem, horas depois da interdição, a maior parte dos 100 moradores do endereço foi levada para um hotel no Pistão Sul, onde ficarão até segunda-feira, com as diárias pagas pela filha do dono do prédio. Alguns deles, por terem parentes em outras partes do DF, optaram por se abrigar na casa de conhecidos.





O tenente-coronel Rossano Bohnert, engenheiro-chefe da Defesa Civil, fez uma vistoria técnica no local. Ele afirmou que o imóvel está condenado e que o risco de demolição é grande. "Muito provavelmente, será feita. Mas é o proprietário quem resolve esse tipo de situação. Agora, vamos administrar o risco, acompanhar essa edificação e proibir o acesso dos moradores durante 72 horas. Teremos policiamento, Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil", elencou o engenheiro-chefe do órgão.

Consultada pela reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) comunicou que o prédio não tinha apresentado requerimento para emissão da carta de Habite-se ou atestado de conclusão da construção. Caso houvesse o pedido, a pasta encaminharia a demanda à Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística, para vistoria e posterior homologação do documento, caso a situação do edifício estivesse em dia.

Destino

Uma das moradoras do prédio, a manicure Cristiane Nascimento, 42, contou que a família perdeu tudo: "Não temos uma roupa para trocar, não temos o que comer nem um colchão para dormir, porque tudo que tínhamos estava lá, inclusive nosso dinheiro", lamentou. "Escutei das pessoas aqui um milhão de vezes: 'Pense pelo lado bom, não morreu ninguém'. Mas morreu a esperança da gente. Nós vamos começar o ano com nada, sem ter o que vestir, o que comer, sem ter onde dormir. Não tenho como ir para a casa de ninguém. Nós somos quatro; (foram) quatro vidas destruídas."





Juliane Kety Fernandes de Oliveira, 32, morava no terceiro andar e relatou que uma rachadura a impediu de fechar a porta de entrada do apartamento. Diante da situação, ela reclamou da falta de cuidado do dono do edifício, que estava em viagem ontem. "Ele chegava, só olhava as coisas, só maquiava as rachaduras com argamassa e dizia que estava tudo normal e que nada cairia", criticou.

Responsável pelo prédio, Edilson Albuquerque disse ao Correio que contratou um engenheiro para avaliar a estrutura do edifício. "Estou preocupado com a situação. Vou aguardar a avaliação dele para saber quais os danos e fazer o que for preciso para consertar o prédio." Questionado sobre a necessidade de indenização aos moradores, ele disse não acreditar que os inquilinos exigirão algo do tipo. "Todos que moram lá recebem ajuda minha, sejam pessoas que pagam um aluguel menor ou que, às vezes, não têm condições para isso, e acabo desconsiderando", acrescentou.

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