Jornal Estado de Minas

PANDEMIA

Estudo aponta sobrecarga da classe médica desde a chegada da Ômicron

O aumento de casos de COVID-19 por causa da variante Ômicron registrado no Brasil desde o início deste ano é visto como uma nova fase da pandemia. Por isso, um estudo da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Associação Paulista de Medicina (APM), de fevereiro de 2022, destaca a percepção dos médicos no que diz respeito ao atual momento desta crise sanitária. Entre as principais considerações feitas, destacam-se a diferença do comportamento do vírus entre vacinados e não vacinados, além da atuação do Ministério da Saúde e o esgotamento da classe médica.





A pesquisa foi realizada com 3.517 profissionais. Destes, 52,5% estão na linha de frente de combate à COVID-19. Eles observaram, em relação ao último trimestre de 2021, uma tendência de alta em algum grau no número de casos (96,1%), enquanto mais da metade (59,6%) aponta que não aconteceu o mesmo com o número de óbitos da doença. 87,3% relatam ainda que testaram positivo para COVID-19, ou ainda outros médicos do ambiente de trabalho.
 
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Apesar do alto índice de contaminação, 81,4% apontaram que a realidade da ocupação das unidades de terapia intensiva (UTIs) nos serviços e hospitais está menor do que nos momentos mais críticos de 2021. Enquanto isso, 10,5% acreditam que a ocupação está igual a 2021, 5,1% responderam que está maior e sem comprometer a qualidade da assistência e apenas 3% disseram que há superlotação.

Sobrecarga

O estudo levantou ainda com os profissionais os gargalos desses atendimentos. A principal reclamação foi que 44,8% destacaram a falta de médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde. Em comparação ao mesmo estudo feito em fevereiro de 2021, este número subiu 12,3%. Essa sobrecarga do sistema de saúde com mais infectados e a falta de funcionários pesa na saúde mental e física dos médicos. 




 
(foto: Soraia Piva/Arte EM/D.A Press)


Em uma questão de múltipla escolha, 64,2% apontaram que, no serviço que atendem, há casos de médicos com sensação de sobrecarga, 62,4% de estresse e 56,8% de ansiedade. Outros 56,2% apontaram exaustão física e emocional, 39,2% com distúrbios de sono, 30,5% apresentaram dificuldade de concentração e 29,3% também responderam mudanças bruscas de humor.

De acordo com o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, a falta de profissionais da saúde contribui para a sobrecarga dos profissionais. “Quando analisamos a pesquisa no item que diz sobre o que está faltando, houve uma mudança considerável do início da pandemia para o momento atual. Começamos a suprir a falta de equipamento de proteção individual, resolvemos problemas de diagnósticos, mas agora estamos vendo concretizar um temor que tínhamos no início, que era a falta de profissionais da saúde”, ressaltou.
 
(foto: Soraia Piva/Arte EM/D.A Press)
 

Ele continua: “Os profissionais agora estão acometidos com uma frequência muito grande da própria COVID-19, em função da variante ter uma contaminação maior. Os médicos estão se contaminando, seja no ambiente de trabalho ou fora dele. Portanto temos um grande número de colegas que é forçado a se ausentar temporariamente do trabalho.” 

“Por outro lado, estão todos exaustos. A sociedade está exausta e como não poderia deixar de ser, somos integrantes da sociedade e igualmente afetados. Talvez até com o agravante do cansaço pelo excesso de trabalho, por repetir esses mesmos problemas, uma sensação de enxugar gelo, esse assunto não se resolve. Isso nos leva ao esgotamento”, apontou Amaral. Para ele, esse cansaço resulta em outros problemas de saúde apontados pela pesquisa, como ansiedade, distúrbios de sono, depressão etc. 




 
A médica Natália de Paula Santos Vecchio atua na linha de frente da pandemia, nas especialidades de Clínica Médica e Nefrologia do Hospital da Baleia, em Belo Horizonte. Em quase 2 anos, ela não tinha sido infectada pela COVID-19, mas a realidade mudou com a chegada da ômicron. 

“No início de janeiro, com esse novo aumento de casos, começamos a ficar mais preocupados. Eu mesma não tinha pego COVID, até aquele momento. Infelizmente acabei me contaminando e deu ainda mais apreensão, pois meu esposo é do grupo de risco e não trabalha na área da saúde”, diz Natália. 

A médica nefrologista Natália Vecchio não tinha se infectado até o início deste ano (foto: Arquivo pessoal )
Ela teve sintomas leves, assim como outros colegas médicos, entretanto, ficou afastada por 10 dias. “Por precaução, resolvi fazer o teste, mesmo com sintomas leves e, sem surpresa, recebi o resultado positivo. Me afastei por 10 dias, que é a recomendação para profissionais da saúde”. 



A nova onda de casos está causando ainda mais plantões dobrados. Segundo a médica, é recorrente ‘cobrir’ algum colega que precisou se afastar por contaminação. “Isso está muito mais frequente do que no início da pandemia. Estamos vendo nossos colegas ficando cada vez mais sobrecarregados. A sorte é que os médicos que eu conheço estão com sintomas leves e não agravaram”. 

Com o emocional desgastado, Natália diz que o cansaço dos profissionais já é extremo. “Como médica, a escalada de casos nos causa um medo de não dar conta. Estamos esgotados, à beira da síndrome de burnout. A sobrecarga é grande, pois não atendemos só COVID-19, existem outras doenças também”. 

A síndrome de burnout é desencadeada pelo excesso de trabalho físico, emocional e psicológico que causa esgotamento, tensão e estresse crônicos. 

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Apesar da exaustão, ela tenta manter esperanças de que o cenário vai melhorar. “Por mais que estejamos lidando com pacientes oncológicos no hospital, não perdemos nenhum deles para a COVID-19. Eles estão apresentando sintomas mais leves, justamente pela vacina, cerca 95% foram assim”.



“Então, a esperança maior agora está com a vacinação, principalmente das crianças, pois elas poderiam ser potenciais transmissoras, até para a gente. Com a imunização delas, nos deixa com mais confiança de que os casos diminuam”, finaliza. 

Ministério da Saúde

Um outro ponto levantado pelos médicos foi a atuação do Ministério da Saúde durante a pandemia. Apesar de avaliarem que a vacinação foi o grande ponto de sucesso da pasta, por outro lado também dizem que a orientação à população não funcionou da melhor maneira. As respostas apontam que 75,3% dos profissionais consideram o programa de vacinação como uma medida aplicada adequadamente. Em seguida tem: incentivo à higienização (41,4%); incentivo ao uso correto da máscara (39,5%); incentivo ao distanciamento (30,5%); orientação para evitar aglomeração (28,1%); isolamento de suspeitos (24,1%).

Apesar disso, 72% reprovam a atuação do Ministério em meio à crise do novo coronavírus. Apenas 18,9% avaliaram como boa e 6,3% disseram que foi ótima. Em contrapartida, a maioria dos médicos aprova a atuação da secretaria de cada estado (52,6%) ou município (54,3%). Grande parte (65,1%) utiliza referências das sociedades de especialidades e associações médicas para o tratamento da COVID-19, sendo pouca (14,6%) a orientação do Ministério da Saúde.





A maioria dos profissionais (81,6%) disseram que os pacientes tomaram as duas doses da vacina contra COVID-19 e muitos até o reforço, mas 68,7% reprovam a orientação do Ministério da Saúde na orientação à importância da vacinação. 21,5% disseram que foi uma boa atuação e 7,2% avaliaram como ótima. O principal ponto levantado em relação à interferência na adesão à vacinação, como disseram 85% dos profissionais, está na circulação das fake news, informações sensacionalistas ou sem comprovação técnica. 
 
O presidente da AMB, César Eduardo Fernandes, explicou essa divergência entre o sucesso da vacinação com a desaprovação das orientações da Saúde federal. “Eu acho que o Ministério não pode fazer um discurso dúbio, adotando o mérito do êxito na vacinação, ao mesmo tempo que coloca dúvidas sobre a segurança da vacina”, criticou.
 
Ele exemplificou: “Em relação à vacinação infantil, que foi postergada através de estratégias desnecessárias, como a consulta pública, quando a Anvisa já havia aprovado inicialmente a vacina da Pfizer e logo em seguida a Coronavac para aplicar em crianças de 5 a 11 anos. Depois vimos o próprio ministro, que colocou todas as barreiras de dificuldade, comemorando a chegada das vacinas para as crianças. Me parece uma dubiedade.” 
 
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A pesquisa foi realizada entre os dias 21 e 31/01/22, sendo que 58,4% eram homens e 41,6% mulheres. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. Confira o estudo completo:



*Estagiária sob supervisão do subeditor Eduardo Oliveira