Criado para socorrer famílias em condição de vulnerabilidade durante a pandemia, o Auxílio Brasil não corrige as falhas do Bolsa Família. Ao contrário, gera novas distorções na execução das políticas públicas de transferência de renda, por exemplo, ao não diferenciar beneficiários por número de familiares e faixa etária ou não aproveitar o banco de dados do Cadastro Único para entender o perfil dessas famílias.
As conclusões estão no estudo "Como avançar a agenda da proteção social no Brasil?", do Instituto Millenium, escrito em parceria pelos pesquisadores Marcos Mendes, Vinicius Botelho e Fernando Veloso. A pesquisa analisa o impacto e a distribuição dos programas de transferência de renda no país.
O estudo integra a terceira série dos Millenium Papers, análises embasadas por especialistas com o objetivo de fomentar o debate sobre políticas publicas.
Ao analisar o Auxílio Brasil, que representou uma reestruturação do Programa Bolsa Família e de outras ações de desenvolvimento social pela atual gestão, os novos programas governamentais não representaram um incremento real e suscitaram novos atrasos na agenda de proteção social no país.
Porém, desde a criação do Bolsa Família, houve progresso com a retirada de milhões de famílias da extrema pobreza. Os pesquisadores também analisam como positivo o aprimoramento das políticas para atender os trabalhadores informais, antes, ainda mais invisibilizados.
“Há duas formas de prover essa proteção: pode-se criar regimes de formalização simplificados ou expandir o rol de programas vinculados ao Cadastro Único para oferecer alguma forma de proteção a esse grupo de trabalhadores informais”, aponta o documento.
Propostas
Diante do cenário de desigualdades, os autores desenvolveram o Programa de Responsabilidade Social, focado em quatro programas-chave:
- Poupança Seguro-Família, pelo qual trabalhadores informais também recebem benefícios derivados da declaração de seus rendimentos;
- Poupança Mais Educação, para que os jovens de famílias beneficiárias do Benefício de Renda Mínima terminem o ensino médio;
- Programa Criança Feliz, já existente, o estudo propõe a expansão do programa voltado a promoção de práticas de parentalidade associadas a maior desenvolvimento infantil;
- Identificação de talentos e vocações nos jovens, em particular os beneficiários do Bolsa Família, para receberem mentoria, associadas a bolsas de iniciação científica.
“E crucial que a agenda de protecão social seja retomada no Brasil, com foco nas questões que são realmente prioritárias e que combinem o objetivo de curto prazo, de diminuir os efeitos da pobreza, com solucões de longo prazo, por meio da reforma da estrutura de benefícios atualmente existente na direção de uma maior racionalização de conceitos e critérios, para aumentar a potencia da politica social no combate a pobreza, na redução de desigualdade de renda e na proteção de amparo as famílias vulneraveis”, concluem os autores.
Para eles, no entanto, é necessário obter um orçamento para os programas que não sobrecarregue as contas públicas. “Infelizmente, o Auxílio Brasil terá um custo 2,5 vezes maior que o do Bolsa Família com ganhos limitados em termos de redução de pobreza e desigualdade”, afirmam.
Seguindo a mesma linha, Marcos Mendes completa: “Não estamos num país rico, com alguns pobres que a gente tem que tirar da pobreza. Temos que elevar um país todo. Nos últimos 40 anos, a renda per capita do Brasil cresceu abaixo de 1% ao ano. (...) Nós construímos no Brasil uma economia disfuncional, que trava o crescimento. Criamos um Estado que não para de crescer. Para financiar isso, teve que aumentar brutalmente a carga tributária”, critica.
Botelho e Mendes escreveram o mais recente paper do Instituto Millenium, “Como avançar a agenda da proteção social no Brasil?”, recém-lançado no site do instituto. A anfitriã do evento, a diretora executiva Marina Helena Santos, resume: “Não há outra forma de gerar riqueza se não for pelo crescimento. E a gente acabou de perder 40 anos nesse sentido”, referindo-se ao dado apresentado por Mendes.
Longo caminho
A diretora executiva do Instituto Millenium ressalta ainda que houve avanço no socorro imediato aos mais pobres, mas ainda temos um longo caminho a percorrer para melhorar definitivamente a vida dos brasileiros que mais precisam.
Para o economista Marcos Lisboa, do instituto Insper, o Bolsa Família servia também para transformar as famílias, dando oportunidades para que a geração mais velha pudesse garantir que seus filhos frequentem a escola e para não precisarem de programa social. Mas algo não deu certo.
"Há inúmeras evidências que relacionam aumento de escolaridade com aumento de produtividade e aumento de salários no mundo inteiro, mas só no Brasil não funciona. Aumentou a escolaridade, mas não o aprendizado, o salário, a produtividade", pontua.