Sofrer algum tipo de violência obstétrica faz parte da realidade de muitas mulheres no Brasil. "Ah, vai ser só um cortezinho para facilitar a saída da criança'"; ''Pra quê sofrer e colocar seu filho em risco em trabalhos de parto que podem seguir horas a fio? Melhor fazer uma cesariana, tão prático''. Esses são alguns exemplos que você pode ter vivenciado ou possivelmente conhece alguma mãe que passou por isso. O que muitas mulheres não sabem é que, sem o consentimento delas, em muitos casos, essas práticas são desnecessárias ou até proibidas.
O Estado de Minas conversou com Fernanda de Avila, advogada e ativista pelo direito da mulher; Paulo Noronha, médico obstetra; e Lilian Jochims, doula e educadora perinatal, #PRAENTENDER o que é violência obstétrica e o que fazer caso seja vítima.
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Levantamento Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2012, mostra que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofrem violência obstétrica. No Sistema Único de Saúde (SUS), 45%. O dado, apesar de ter uma década, é o mais recente estudo divulgado sobre o tema.
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O documento foi elaborado por um grupo multidisciplinar, composto por médicos obstetras, médicos de família, clínicos gerais, neonatologista, anestesiologista e enfermeiras obstétricas.
Os tipos de violência obstétrica
A violência obstétrica pode ocorrer de várias formas. Pode ser verbal, quando é humilhada, e também pode ocorrer de forma física e/ou sexual, quando a mulher é submetida a intervenções desnecessárias ou sem consentimento.Com as diretrizes, o Ministério da Saúde pretendia reduzir as altas taxas de intervenções desnecessárias como a episiotomia (corte no períneo), o uso de ocitocina (hormônio que acelera o parto), a cesariana mal indicada, aspiração naso-faringeana no bebê, entre outras.
Procedimentos no parto que devem ser evitados:
- Uso do hormônio ocitocina para acelerar a saída do bebê;
- Cesariana;
- Técnica conhecida como "manobra de Kristeller";
- Uso do fórceps;
- Lavagem intestinal antes do parto;
- Raspagem dos pelos pubianos;
- Rompimento da bolsa;
- Episiotomia (corte no períneo);
''A gente sabe que a episiotomia não é para ser feita nunca. Ela não tem nenhuma evidência científica sobre ela, ela não protege o bebê, ela não favorece ou aumenta o canal de parto. A gente sabe que a episotomia podemos considerar uma mutilação genital, é uma violência e, infelizmente, acontece na prática médica diária porque são coisas que são passadas de um residente para o outro'', explicou o médico.
São inegáveis os benefícios dos avanços na medicina que vieram para salvar vidas de mães e bebês. Há intervenções como a cesariana que, em muitos casos, são necessárias. Questionável é o uso indiscriminado do método.
Número de cesárias no Brasil
Dados do Painel de Indicadores de Atenção Materna e Neonatal, feito pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, mostram que dos 287.166 partos realizados por planos de saúde privados em 2019, 84,76% foram por cesariana.Diversos fatores colaboram para que isso ocorra. Desde a falta de informação à cultura de autoridade inquestionável de profissionais da medicina.
''Você só vai saber o que pode e o que não pode se você tiver a liberdade de questionar. Culturalmente, a gente não questiona o médico. Não questionar obstétrica fica muito pior porque você pode ser facilmente enganada e cair na cesariana em situação desnecessária", completou o médico.
O que é o plano de parto?
O Plano de Parto pode ajudar a esclarecer as preferências da gestante. Trata-se de um texto, escrito pela mulher explicitando suas preferências de forma clara sobre o que gostaria e o que não gostaria que acontecesse durante o parto, pós-parto e cuidados com o bebê. Isto inclui escolher onde a mulher quer ter seu bebê, a posição que gostaria de adotar, quem vai estar presente, quais são os procedimentos médicos que a mulher aceita e quais prefere evitar, entre outros.O que fazer se for vítima de violência obstétrica?
Práticas consideradas abusivas podem ser penalizadas com base nos nossos códigos civil e penal ou pelo Conselho de Medicina."E como a gente identifica se uma violência obstétrica foi criminosa ou não? Eu vou dar alguns exemplos que podem facilitar. Quando você tenta protocolar o seu plano de parto numa maternidade e eles recusam, você está diante de uma violência obstétrica, mas não está diante de um crime. É algo que você precisa resolver na área cível", aponta a advogada, Fernanda.
Mas um médico que faz uma cesárea que você não consentiu e não era necessária, comete um crime de lesão corporal. "Uma coisa que muita gente não sabe: qualquer cirurgia é uma lesão. Quando você faz uma cirurgia necessária, quando consegue comprovar que você precisava daquele procedimento, e você consentiu é uma lesão que é ok. Agora, o médico faz uma cesárea que você não queria, ume episiotomia que você não queria, ele comete uma lesão corporal", finalizou.
Mas um médico que faz uma cesárea que você não consentiu e não era necessária, comete um crime de lesão corporal. "Uma coisa que muita gente não sabe: qualquer cirurgia é uma lesão. Quando você faz uma cirurgia necessária, quando consegue comprovar que você precisava daquele procedimento, e você consentiu é uma lesão que é ok. Agora, o médico faz uma cesárea que você não queria, ume episiotomia que você não queria, ele comete uma lesão corporal", finalizou.
A denúncia pode ser feita no próprio hospital, clínica ou maternidade em que a vítima foi atendida. Também é possível ligar para o disque 180 ou para 08007019656 da Agência Nacional de Saúde Suplementar para denunciar o atendimento do plano de saúde.
A vítima também pode acionar o Conselho Regional de Medicina ou o Conselho Regional de Enfermagem e até a Defensoria Pública ou Advogado particular em caso de ação judicial de reparação por danos morais e/ou materiais.
A vítima também pode acionar o Conselho Regional de Medicina ou o Conselho Regional de Enfermagem e até a Defensoria Pública ou Advogado particular em caso de ação judicial de reparação por danos morais e/ou materiais.
E, para apurar a existência de crime, como lesão corporal ou homicídio, por exemplo, a vítima deve procurar a polícia ou o Ministério Público.