Dois anos depois, ela está de volta, mas para morar.
A jovem de 28 anos é uma das centenas de desabrigados pelas chuvas que atingiram a cidade na região serrana do Rio na noite de 15 de fevereiro. De acordo com a Prefeitura, quase mil estão vivendo em abrigos improvisados como é o caso de Yasmin.
Ela estava fora de casa quando o temporal caiu e só conseguiu chegar até lá casa dois dias depois, porque a sua rua ruiu.
"Minha casa ainda está inteira, só caiu o muro. Mas abriram três crateras em volta dela, e caiu uma barreira na casa do meu vizinho de cima, e ela pode vir para cima da minha", explicou Yasmin sobre a decisão de procurar abrigo na escola onde um dia trabalhou.
"Não tem como voltar, é muito assustador."
Apesar da situação, ela encontra forças para dizer em tom de brincadeira que a moradia improvisada está "até melhor" do que antes. "Estou comendo presunto e queijo todo dia, teve pizza no jantar de ontem. Quem diria eu jantando pizza…"
A vida já andava apertada antes do desastre, porque as festas que ela organizava minguaram com a pandemia, e os bicos de faxineira são muito inconstantes. Sem casa e trabalho, Yasmin volta à dura realidade quando a reportagem pergunta se ela já tinha alguma ideia do que faria para sair dali.
"Não tinha pensado nisso ainda", disse ela, olhando em seguida para frente, em silêncio. Depois de alguns segundos, ela respondeu: "Vou ter que voltar a me prostituir…".
"Se eu perdi tudo, é porque eu tinha alguma coisa. Não cheguei aqui à toa. Foi com muito trabalho e esforço, passei poucas e boas, então, vou conseguir de novo."
Por enquanto, Yasmin segue morando em uma das salas de aula que um dia já limpou e, agora, divide com mais cinco famílias. Ela passa o dia circulando para cima e para baixo da escola com um carrinho de supermercado carregando cobertores, roupas e outros produtos para ajudar os outros desabrigados que estão ali.
A Dr. Rubens Castro foi uma das 19 escolas da cidade transformadas em pontos de apoio para as vítimas do desastre. Elas conseguem ali roupas, refeições, alimentos, produtos essenciais e, para quem perdeu a casa, um teto.
No momento da visita da BBC News Brasil, havia 180 pessoas abrigadas na escola. Entre elas, estavam mais de 50 crianças, e algumas delas sozinhas, porque tinham perdido os pais na tragédia.
Os quatro netos da costureira Silvia Regina Bernardo, de 47 anos, estão morando ali desde a madrugada de quarta-feira, junto com a avó, a mãe, o pai e dois tios. A família inteira agora divide uma sala de aula com outras 13 pessoas no segundo andar da escola.
'Parecia um campo minado'
Silvia conta que eles decidiram abandonar sua casa depois que um deslizamento derrubou a parede do quarto, e o lugar começou a ser tomado por lama.
Ela relata que eles precisaram arrombar o basculante do banheiro para escapar para o terreno vizinho. Foi quando caiu a segunda barreira, que atingiu um barracão e desceu destruindo tudo.
"Ficamos encurralados", lembrou Silvia. No sufoco, eles conseguiram passar. E, então, aconteceu o terceiro deslizamento.
Ela conta que ainda houve um quarto, um quinto e, talvez, um sexto. "Parecia um campo minado."
Até que, finalmente, a família conseguiu chegar à escola para se abrigar.
Silvia lembra que, em 2013, houve deslizamentos onde ela mora e que ela chegou a ser cadastrada para ganhar um auxílio financeiro e se mudar dali.
"Mas nunca recebi o aluguel social, e não tinha como pagar aluguel em outro lugar", diz ela, explicando porque continuou na casa que ela tinha comprado.
"Agora, nem se quiser eu posso voltar. A casa ficou toda arrebentada, e tem uma tela de uma obra de contenção que, se romper, morre todo mundo. Só volto para casa se quiser morrer."
Mas a costureira também não sabe até quanto vai ficar na escola nem para onde todos irão. "Onde vou encontrar uma casa? Está tudo destruído…"
Anderson Ventura, de 40 anos, também não tem mais para onde voltar. A casa onde ele vivia foi soterrada por um deslizamento de terra. "Não tem como eu ir para lá", lamenta.
Ele estava ali na tempestade, mas decidiu sair depois que uma vizinha pediu ajuda porque onde ela morava estava sendo inundado.
Anderson conta que quebrou uma parede para escoar a água e, depois, foi ajudar uma outra vizinha mais velha que vivia mais para baixo.
"Mas ela não quis sair de casa e disse para eu ir me abrigar que ela estava em um lugar alto", disse ele.
Anderson lembra que uma barreira caiu bem atrás dele quando estava voltando para casa.
Chegando lá, ele subiu na laje e ouviu um estrondo. A vizinha que ele tinha ajudado gritou: "Sai daí, tá descendo tudo!".
"Eu nem pensei na hora, pulei e saí correndo, sentindo muita dor, com lama até o peito, mas consegui chegar em um lugar seguro", disse.
Ao receber atendimento médico, Anderson descobriu que tinha quebrado as duas pernas.
Agora, ele se recupera na escola, onde circula em uma cadeira de rodas e ficou conhecido pela ajuda que prestou aos vizinhos.
Em meio a tanta tragédia, esse é o seu consolo. "Fui um herói", disse ele com orgulho.
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