“'O feminicida não é só o que mata, o estuprador não é só o que estupra. Esses crimes tem co-autores, e eles são vocês, que não escutam as mulheres enquanto elas estão vivas, e falam por elas quando já estão mortas.” Isabella C., conhecida nas redes sociais como @afeminisa, tem 28 anos, é comunicadora, empreendedora, formadora de opinião, promove discussões sobre violência doméstica nas redes sociais há seis anos, e é estudante de Investigação Forense e Perícia Criminal.
Ela acusa um ex-namorado de estupro de vulnerável, estupro, perseguição, difamação, calúnia, violência psicológica, descumprimento de medida protetiva de urgência e coação no curso do processo. Mas a história de Isabella evidencia outras violências para além das praticadas pelo autor: o questionamento à palavra da vítima, a disseminação de boatos, a rede de apoio ao agressor, o despreparo para o atendimento à mulher por parte das instituições e a revitimização praticada pelo estado. Diante tudo isso, ela precisou mudar de cidade para tentar frear as agressões e sobreviver.
Isabella divide com seu público, desde o início, a jornada de uma sobrevivente que busca por Justiça. Mas, por conta do sigilo processual, nunca revelou a identidade ou qualquer informação sobre seu agressor. “É importante que as vítimas saibam que expor a identidade do agressor nas redes sociais pode configurar alguns crimes. No fim das contas, as vítimas acabam como rés. É preciso ter frieza, formalizar a queixa e aguardar o trânsito do processo para poder revelar”, alerta.
O fotógrafo de surfe Mateus Prior Barbosa é autor de diversas postagens com imagens, marcações e mensagens direcionadas à Isabella, que circularam em grupos do WhatsApp compostos por suas seguidoras. Também é autor de boatos sobre a saúde mental de Isabella e uma suposta armação que ela teria realizado para prendê-lo, que foram confirmados por diversas pessoas da comunidade onde moravam.
Mateus também não escondeu de seus seguidores no Instagram que usava uma tornozeleira eletrônica, na mesma época em que corriam os boatos sobre a vítima ser responsável pelo monitoramento eletrônico de um ex-namorado. Os inquéritos, processos e ações penais correm sob segredo de Justiça e, por isso, detalhes sobre as investigações e autos, não serão mencionados nesta reportagem
O fotógrafo de surfe Mateus Prior Barbosa é autor de diversas postagens com imagens, marcações e mensagens direcionadas à Isabella, que circularam em grupos do WhatsApp compostos por suas seguidoras. Também é autor de boatos sobre a saúde mental de Isabella e uma suposta armação que ela teria realizado para prendê-lo, que foram confirmados por diversas pessoas da comunidade onde moravam.
Mateus também não escondeu de seus seguidores no Instagram que usava uma tornozeleira eletrônica, na mesma época em que corriam os boatos sobre a vítima ser responsável pelo monitoramento eletrônico de um ex-namorado. Os inquéritos, processos e ações penais correm sob segredo de Justiça e, por isso, detalhes sobre as investigações e autos, não serão mencionados nesta reportagem
Após Isabella determinar o fim da relação, motivado pelos diversos sintomas somáticos que desenvolveu após os episódios de estupro, passou a ser perseguida pelo ex-namorado. Ela conta que ele saiu às escondidas com outra mulher enquanto ainda tinha a intenção de reatar o relacionamento com ela, e foi visto por uma conhecida em comum. Segundo ela, após este episódio, foram ao menos 14 tentativas de contato por parte dele.
Ela contou que em algumas delas ele usou como desculpa problemas de saúde, em outras pediu para que pessoas mentissem para Isabella, chegando a dizer que ela poderia estar grávida - ciente de que na semana anterior ela havia realizado dois testes que resultaram negativo -, e que estava "surtada", sugerindo aos terceiros que a mentira seria o melhor para preservar sua saúde mental.
Por temer pela sua própria segurança e evitar ser reinserida no ciclo da violência, a vítima solicitou uma medida protetiva de urgência contra o acusado. A Lei 14.188 de 2021, conhecida como Lei Sinal Vermelho, além de tipificar a conduta da violência psicológica, reconheceu a necessidade de que medidas protetivas de urgência sejam deferidas em casos como o de Isabella, para que agressores sejam impedidos de continuar manipulando as vítimas, mantendo-as no ciclo da violência.
Ela contou que em algumas delas ele usou como desculpa problemas de saúde, em outras pediu para que pessoas mentissem para Isabella, chegando a dizer que ela poderia estar grávida - ciente de que na semana anterior ela havia realizado dois testes que resultaram negativo -, e que estava "surtada", sugerindo aos terceiros que a mentira seria o melhor para preservar sua saúde mental.
Por temer pela sua própria segurança e evitar ser reinserida no ciclo da violência, a vítima solicitou uma medida protetiva de urgência contra o acusado. A Lei 14.188 de 2021, conhecida como Lei Sinal Vermelho, além de tipificar a conduta da violência psicológica, reconheceu a necessidade de que medidas protetivas de urgência sejam deferidas em casos como o de Isabella, para que agressores sejam impedidos de continuar manipulando as vítimas, mantendo-as no ciclo da violência.
O INÍCIO DAS VIOLÊNCIAS
“Ele começou uma grande campanha de difamação. Quando ele soube que eu iria pedir a medida, construiu toda uma narrativa de que eu era ‘louca’ a partir dos meus sintomas de estresse pós-traumático (TEPT) provocados pela violência sexual. Minhas próprias amigas ficaram sabendo que eu estava vomitando com frequência e com pensamentos de morte por ele, antes de saberem por mim.”
Isabella conta que trata sintomas do TEPT devido aos traumas causados pelas violências sexuais e psicológicas, além da perseguição. Ela convive com amnésia, dificuldade de concentração e foco, crises de ansiedade, sensação de paralisia, enjôo, crises de pânico, anorexia secundária, pensamentos de morte, ideação suicida, náuseas, amenorréia e vômitos.
O TEPT foi comprovado por meio de dois laudos, um psicológico e outro psiquiátrico, e ambos foram apresentados às autoridades. São justamente estes os sintomas apontados pelo ex-namorado como supostos indícios de "loucura", usados para descredibilizar a denúncia.
Segundo ele, Isabella “surtou” e traçou um plano de vingança motivado por “ciúmes”. Além dos laudos que comprovam o trauma, Isabella também precisou apresentar em laudo psiquiátrico a confirmação de que ela não possui nenhum tipo de transtorno mental ou qualquer indicativo de que seria capaz de inventar fatos para prejudicar o ex-companheiro.
"Eu tive que provar por meio de parecer técnico que não sou 'louca', mas esse tipo de informação não chega em quem está adorando opinar sobre meu caso", relata. O relatório psicológico confirma que ela já havia falado sobre o primeiro estupro em sessão, ná época do fato, meses antes de existir qualquer conflito que pudesse gerar alguma crise por "ciúmes".
O TEPT foi comprovado por meio de dois laudos, um psicológico e outro psiquiátrico, e ambos foram apresentados às autoridades. São justamente estes os sintomas apontados pelo ex-namorado como supostos indícios de "loucura", usados para descredibilizar a denúncia.
Segundo ele, Isabella “surtou” e traçou um plano de vingança motivado por “ciúmes”. Além dos laudos que comprovam o trauma, Isabella também precisou apresentar em laudo psiquiátrico a confirmação de que ela não possui nenhum tipo de transtorno mental ou qualquer indicativo de que seria capaz de inventar fatos para prejudicar o ex-companheiro.
"Eu tive que provar por meio de parecer técnico que não sou 'louca', mas esse tipo de informação não chega em quem está adorando opinar sobre meu caso", relata. O relatório psicológico confirma que ela já havia falado sobre o primeiro estupro em sessão, ná época do fato, meses antes de existir qualquer conflito que pudesse gerar alguma crise por "ciúmes".
O sentimento de medo do agressor por parte da vítima, o receio de ela ser desacreditada e questionada pelas autoridades e a vergonha e a culpa de admitir que foi violentada atravessam muitas das vítimas no momento de pedir ajuda. Ao chegar a uma delegacia para registrar o boletim de ocorrência, geralmente a mulher precisa aguardar horas para ser atendida e narrar um fato que a deixa muito desconfortável. E tem ainda o exame de corpo de delito que ela tem que se submeter no Instituto Médico-Legal (IML).
Mesmo assim, a sociedade busca “justificativas” para culpar a vítima e desresponsabilizar o agressor, seja por conta de comportamentos, caráter ou roupas. Quando Isabella foi até a Delegacia de Proteção a Criança, Adolescente, Mulher e Idoso registrar o Boletim de Ocorrência do Estupro de Vulnerável, o policial a questionou sobre quais seriam os seus argumentos de defesa - mesmo ela sendo a vítima - se o autor era, na época dos fatos, seu namorado. “Eu tive que passar uma hora explicando para ele o que é um estupro. Uma mulher que chegue ali sem o mesmo respaldo teórico, social e político feminista que eu, sai sem o registro".
A PALAVRA DA VÍTIMA EM XEQUE
A PALAVRA DA VÍTIMA EM XEQUE
Fora da delegacia, as especulações rondavam."Tenho observado que é muito mais confortável para o público – que é como chamo quem assiste a experiência mais traumática da minha vida como se fosse um espetáculo – acreditar na possibilidade de eu ter realmente traçado um plano de vingança contra um homem que tem menos dinheiro e menos poder político do que eu, com quem eu tentava terminar o relacionamento há meses, do que aceitar que todo homem é um potencial estuprador. Se um cara bonito, carismático, de classe média, que tem amigos, tem família e é um excelente profissional, pode ter feito todas essas coisas, então que homem não poderia?", questiona.
"Isso abre uma ferida que demandaria um compromisso com a luta das mulheres que nossa sociedade tem preguiça de assumir. O argumento de quem o defende para acreditar em sua palavra é o de que ele é um cara legal e simpático. Eu sei melhor do que ninguém o quanto ele é carismático e carinhoso, ele era meu namorado, pra mim era o cara mais legal do mundo. Isso não quer dizer que ele não seja um estuprador. Mas e a minha palavra? A palavra de uma mulher que carrega há anos uma luta comprometida pela vida das mulheres, vale o quê?" aponta Isabella.
"Isso abre uma ferida que demandaria um compromisso com a luta das mulheres que nossa sociedade tem preguiça de assumir. O argumento de quem o defende para acreditar em sua palavra é o de que ele é um cara legal e simpático. Eu sei melhor do que ninguém o quanto ele é carismático e carinhoso, ele era meu namorado, pra mim era o cara mais legal do mundo. Isso não quer dizer que ele não seja um estuprador. Mas e a minha palavra? A palavra de uma mulher que carrega há anos uma luta comprometida pela vida das mulheres, vale o quê?" aponta Isabella.
Cinco dias após a medida ser concedida à Isabella, Mateus foi preso em flagrante pelo descumprimento. Na ocasião, ela estava em uma praia com uma amiga que postou nas redes sociais a localização onde estavam. Cerca de uma hora após visualizar a postagem, ele chegou ao local.
"Eu pedi para um garçom o avisar que se ele não fosse embora eu iria chamar a polícia. Ele não apenas desrespeitou meu pedido, como se aproximou ainda mais de mim. Liguei para o 190 da areia da praia. A caminho da delegacia, ele postou vídeos filmados de dentro da viatura e expôs a minha identidade, como se o fato de tudo isso ter acontecido em local público não fosse exposição o suficiente. Descobri que ele tinha divulgado o momento por uma amiga e um seguidor que viram, porque ele apagou o post antes de colocarem ele na cela, quando ainda estávamos na delegacia".
"Eu pedi para um garçom o avisar que se ele não fosse embora eu iria chamar a polícia. Ele não apenas desrespeitou meu pedido, como se aproximou ainda mais de mim. Liguei para o 190 da areia da praia. A caminho da delegacia, ele postou vídeos filmados de dentro da viatura e expôs a minha identidade, como se o fato de tudo isso ter acontecido em local público não fosse exposição o suficiente. Descobri que ele tinha divulgado o momento por uma amiga e um seguidor que viram, porque ele apagou o post antes de colocarem ele na cela, quando ainda estávamos na delegacia".
Isabella relata que os funcionários do restaurante, onde estavam no momento em que tudo aconteceu, não apenas se omitiram, como também ofereceram apoio ao agressor. Não suficiente, ela foi mandada embora três vezes, e contou que foi insultada pelo funcionário que a atendia. Ainda, ao pagar a conta no caixa, a vítima foi mais uma vez hostilizada por um funcionário, que recusou-se a atendê-la, acusando-a de ter feito uma denuncia falsa. “O feminicídio nunca acontece sem que existam co-autores indiretos. Eu podia ter sido agredida, podia ter morrido nesse dia. Qualquer coisa poderia ter acontecido’’, afirma Isabella.
No dia seguinte, foi concedida liberdade provisória ao preso, mediante o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica. O delito de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência - que é incluso pelo artigo 24%u200B%u200B-A da Lei Maria da Penha - prevê pena de detenção de 3 meses a 2 anos. Isabella ainda aguarda a Audiência de Instrução, que está marcada para junho.
A jovem relata que após a soltura o autor passou a realizar diversas postagens nas redes sociais dizendo que ele foi injustiçado e que Isabella era uma pessoa "desequilibrada".
“Ele passou a agir como se a liberdade provisória fosse uma prova de que ele é inocente, quando é exatamente o contrário. As pessoas ao meu redor disseram que eu ‘peguei pesado’ por ter chamado a polícia, e ficaram do lado dele. Ninguém me perguntou como eu me senti diante de toda essa situação, como me senti sendo perseguida, monitorada e desrespeitada dessa forma, depois de ter sido estuprada e enganada por aquele que eu considerava ser o meu melhor amigo, um cara pra quem eu sempre fiz o bem. Doeu muito, deu medo, mas ninguém se importou o suficiente para perguntar. Naquele dia eu tive certeza de que nunca mais teria paz, e não tive mesmo. Até hoje, das pessoas que faziam parte do nosso círculo de convívio, ninguém me perguntou como foi pra mim viver isso. Só conseguiram me julgar e ficar com pena dele”.
“Ele passou a agir como se a liberdade provisória fosse uma prova de que ele é inocente, quando é exatamente o contrário. As pessoas ao meu redor disseram que eu ‘peguei pesado’ por ter chamado a polícia, e ficaram do lado dele. Ninguém me perguntou como eu me senti diante de toda essa situação, como me senti sendo perseguida, monitorada e desrespeitada dessa forma, depois de ter sido estuprada e enganada por aquele que eu considerava ser o meu melhor amigo, um cara pra quem eu sempre fiz o bem. Doeu muito, deu medo, mas ninguém se importou o suficiente para perguntar. Naquele dia eu tive certeza de que nunca mais teria paz, e não tive mesmo. Até hoje, das pessoas que faziam parte do nosso círculo de convívio, ninguém me perguntou como foi pra mim viver isso. Só conseguiram me julgar e ficar com pena dele”.
A Medida Protetiva existe para prestar assistência e prevenir violências contra a mulher, em caráter preventivo e assistencial. São vários os tipos de medidas que podem ser solicitadas, entre elas: o limite mínimo de distância entre a vítima e o agressor. A medida é concedida após a análise de um juiz sobre a situação e a conclusão deste pela necessidade da intervenção, para conter as ações do agressor. De acordo com a própria lei, as medidas protetivas têm como finalidade preservar a integridade e saúde física, mental e psicológica da vítima.
O advogado da defesa propôs à advogada que acompanhou o início do caso de Isabella que a situação fosse ‘resolvida de outra forma’, "ele propôs que eu retirasse as queixas em troca de uma 'prova social' do respeito do agressor por mim - seja lá o que isso significa - e, depois que eu neguei, tudo o que ele fez foi me perseguir mais ainda. Se ele é inocente, quiseram me convencer dessa forma a retirar as queixas por quê? ", questiona.
O APOIO DAS MULHERES AO HOMEM
Isabella conta que no momento da prisão do ex-companheiro, um grupo de mulheres chegou no local e se juntou a ele. "Elas deram risada e fizeram dancinhas. Enquanto eu estava no chão, por ter perdido a força nas pernas, elas passaram me encarando, como se a criminosa fosse eu", relata.
No dia seguinte à soltura dele, o encontrou novamente em um restaurante. Ela foi surpreendida ao perceber que na mesa, sentada com ele, estava uma mulher que fazia parte de seu grupo de amigas. Na semana seguinte, o encontrou novamente em outro restaurante, dessa vez na companhia de outra amiga íntima de Isabella, que frequentava sua casa - essa última veio a se tornar testemunha na defesa do réu.
No dia seguinte à soltura dele, o encontrou novamente em um restaurante. Ela foi surpreendida ao perceber que na mesa, sentada com ele, estava uma mulher que fazia parte de seu grupo de amigas. Na semana seguinte, o encontrou novamente em outro restaurante, dessa vez na companhia de outra amiga íntima de Isabella, que frequentava sua casa - essa última veio a se tornar testemunha na defesa do réu.
Durante o curso do processo, Isabella relata que teve mensagens íntimas, onde relatava seu medo e desespero, vazadas por uma integrante de um grupo do WhatsApp, formado por mulheres autodeclaradas feministas. A mulher responsável era amiga da mulher que mantinha um relacionamento com Mateus, poucos dias após o término de seu relacionamento com a vítima.
"Enquanto eu estava isolada em outro estado, num endereço que nem minhas advogadas conheciam, enviando petições que somam mais de cem páginas relatando tudo o que ele estava fazendo na época, uma amiga da ficante dele assistia a minha desgraça e ainda postou uma foto com ele nas redes sociais, sorrindo, em uma festa. Ela compartilhou capturas de tela, de mensagens onde pedi socorro, pelo medo de ele divulgar fotos íntimas, com essa amiga que se relacionava com ele - enquanto ainda usava a tornozeleira - e ela obviamente compartilhou com ele. Isso fez ele perseguir mais uma amiga minha, e me violentar de novo. Eu já havia comentado no grupo que sabia que alguém estava vazando informações sobre mim para ele, mas só quando uma outra integrante me enviou a foto deles juntos eu entendi que essa pessoa estava ali dentro", relata.
"Enquanto eu estava isolada em outro estado, num endereço que nem minhas advogadas conheciam, enviando petições que somam mais de cem páginas relatando tudo o que ele estava fazendo na época, uma amiga da ficante dele assistia a minha desgraça e ainda postou uma foto com ele nas redes sociais, sorrindo, em uma festa. Ela compartilhou capturas de tela, de mensagens onde pedi socorro, pelo medo de ele divulgar fotos íntimas, com essa amiga que se relacionava com ele - enquanto ainda usava a tornozeleira - e ela obviamente compartilhou com ele. Isso fez ele perseguir mais uma amiga minha, e me violentar de novo. Eu já havia comentado no grupo que sabia que alguém estava vazando informações sobre mim para ele, mas só quando uma outra integrante me enviou a foto deles juntos eu entendi que essa pessoa estava ali dentro", relata.
O caso tomou novas proporções. “Ele tornou o circo público. Saiu desfilando com a tornozeleira em tudo que era canto e contando pra todo mundo a história dele de que armei a prisão’’, lembrou.
Como influenciadora nas redes sociais, ela possui uma imagem pública e, portanto, cria-se um espaço fértil para especulações a partir da narrativa criada pelo ex-namorado.
“É muito fácil difamar uma mulher e colocá-la no centro de um caso de violência doméstica e sexual, quando este deveria ser o próprio agressor. Se essa mulher tem uma vida pública, e você uma vida que não interessa a ninguém, nem precisa se esforçar. As pessoas ficam curiosas, querem competir para ver quem tem a informação mais verdadeira, ficam brincando de detetives. Fiquei um bom tempo sem sair de casa e, nas poucas vezes em que fui até algum bar com amigas, todo mundo na calçada virava pra mim quando eu chegava e começavam a comentar com outras pessoas nas rodas, na minha frente, na minha cara, parecia cena de filme de high school. Essas pessoas fofocam, mas não vem até mim perguntar nada”.
Como influenciadora nas redes sociais, ela possui uma imagem pública e, portanto, cria-se um espaço fértil para especulações a partir da narrativa criada pelo ex-namorado.
“É muito fácil difamar uma mulher e colocá-la no centro de um caso de violência doméstica e sexual, quando este deveria ser o próprio agressor. Se essa mulher tem uma vida pública, e você uma vida que não interessa a ninguém, nem precisa se esforçar. As pessoas ficam curiosas, querem competir para ver quem tem a informação mais verdadeira, ficam brincando de detetives. Fiquei um bom tempo sem sair de casa e, nas poucas vezes em que fui até algum bar com amigas, todo mundo na calçada virava pra mim quando eu chegava e começavam a comentar com outras pessoas nas rodas, na minha frente, na minha cara, parecia cena de filme de high school. Essas pessoas fofocam, mas não vem até mim perguntar nada”.
O fator sintomático do relato, que revela o poder da automisoginia das mulheres no processo de retraumatização de uma vítima, é que as autoras dos atos mais invasivos, difamatórios e violentos foram justamente as mulheres.
“Algumas vezes se aproximaram pedindo satisfações, cheguei a ser puxada pelo braço por uma vizinha dele. Outras vezes fui literalmente seguida dentro de bares e festas por amigas dele, que faziam questão de se sentarem ao meu lado, me empurrarem ou se aproximarem de quem quer que estivesse conversando comigo. Parei de postar fotos com as minhas amigas, para que elas não fossem perseguidas também. E se elas postavam fotos comigo, recebiam mensagens de outras amigas delas, dizendo que eu era a mulher que armou para prender o ex-namorado", contou.
“Algumas vezes se aproximaram pedindo satisfações, cheguei a ser puxada pelo braço por uma vizinha dele. Outras vezes fui literalmente seguida dentro de bares e festas por amigas dele, que faziam questão de se sentarem ao meu lado, me empurrarem ou se aproximarem de quem quer que estivesse conversando comigo. Parei de postar fotos com as minhas amigas, para que elas não fossem perseguidas também. E se elas postavam fotos comigo, recebiam mensagens de outras amigas delas, dizendo que eu era a mulher que armou para prender o ex-namorado", contou.
Ela conta que até mesmo mulheres que se diziam feministas viraram as costas para ela. E quem ficou do lado dela foi questionado. ‘’Uma amiga minha me disse: ‘Eu não aguento mais os olhares e o julgamento das pessoas por eu ter ficado do seu lado. Eu sei que é o lado certo, mas eu não aguento mais’ e, assim, ela cortou relações comigo. Essa amiga era a minha principal testemunha’’, acrescentou.
Assim, a violência contra a vítima passou a ter outras autoras, além do próprio acusado. “Uma ex-namorada dele começou a me difamar dizendo que eu sou ‘louca’ e quero ‘palco’, constrangeu uma testemunha exigindo que ela deixasse de acreditar em mim. Tive que denunciá-la por coação no curso do processo”.
A situação ficou ainda mais grave quando, segundo a jovem, outra familiar do ex-companheiro fez postagens nas redes sociais a insultando com palavrões misóginos e sugerindo que seus seguidores a agredissem. ‘’Eu precisei ficar um mês fora da cidade por conta de toda a situação. Quando eu voltei para onde eu morava, ela publicou ‘a demônia vagabund* está de volta, quem ver ela na rua, chuta que é macumba’’. A Lei Maria da Penha expressa que uma mulher pode ser autora de violência doméstica, desde que possua ou tenha possuído relação íntima de afeto com a vítima.
Isabella conta que Mateus teve autorizada a remoção antecipada da cautelar - monitoramento por tornozeleira eletrônica - para viajar à uma ilha no continente asiático à trabalho. "O suposto "bom comportamento" que viram nele significa que ele, durante o período pelo qual foi monitorado, não adentrou o perímetro determinado pelo juíz ao redor da minha casa. Isso não quer dizer que ele tenha se comportado bem! Ele não deixou de me violentar pela internet ou por meio de terceiros em nenhum momento. Quem ficou em prisão domiciliar fui eu", relata Isabella.
Assim que a tornozeleira foi removida, quando Mateus já havia embarcado para fora do Brasil, com a medida protetiva em vigência, mesmo tendo sido advertido anteriormente sobre uma medida protetiva que o proíbe, especificamente, de utilizar imagens de Isabella, ele colocou em seu perfil em rede social foto em que aparecia metade do rosto da jovem. “Não foi a primeira vez, no dia do meu aniversário ele postou três fotos com partes do meu corpo. Eu tenho 20 tatuagens", relata Isabella.
Assim que a tornozeleira foi removida, quando Mateus já havia embarcado para fora do Brasil, com a medida protetiva em vigência, mesmo tendo sido advertido anteriormente sobre uma medida protetiva que o proíbe, especificamente, de utilizar imagens de Isabella, ele colocou em seu perfil em rede social foto em que aparecia metade do rosto da jovem. “Não foi a primeira vez, no dia do meu aniversário ele postou três fotos com partes do meu corpo. Eu tenho 20 tatuagens", relata Isabella.
AS CONSEQUÊNCIAS
Isabella precisou encerrar as atividades de sua empresa, desistiu das duas graduações que cursava, mudou de casa e ficou longe da cidade por um mês. “Eu estava totalmente presa, já que não era possível mensurar o tamanho da difamação promovida por ele e seus aliados. Evitava frequentar locais públicos, como ir a certas praias, ou postar qualquer sugestão da minha localização. Tinha medo de ir ao mercado e ele ou a mãe dele me atropelarem na rua. Tinha medo de tudo, nem na festa de aniversário de uma das minhas melhores amigas eu fui’’, relatou.
Isso tudo refletiu no corpo dela. Isabella que tem 1,74m de altura, pesava 62 quilos, mas chegou a pesar 54 quilos. Ela tenta se recuperar da anorexia como sintoma secundário do trauma desencadeado pelos episódios de estupro. “Mudei de endereço e não informei no processo, para ele não saber. Comprei um colchão novo, porque não conseguia mais dormir naquele onde fui estuprada”.
Isso tudo refletiu no corpo dela. Isabella que tem 1,74m de altura, pesava 62 quilos, mas chegou a pesar 54 quilos. Ela tenta se recuperar da anorexia como sintoma secundário do trauma desencadeado pelos episódios de estupro. “Mudei de endereço e não informei no processo, para ele não saber. Comprei um colchão novo, porque não conseguia mais dormir naquele onde fui estuprada”.
Os danos cerebrais causados pela violência também foram constatados. “Até hoje tenho falhas frequentes na memória. Isso atrapalha não só o meu trabalho, mas também as minhas relações íntimas, porque esqueço de conversas que tive com pessoas que eu amo. Também fiquei muito tempo sem conseguir ler, porque não associava as palavras e frases”, conta.
Os boatos criados por Mateus chegaram até o público de Isabella, que a alertou: ”Isso prejudica meu trabalho. Mulheres que acompanhavam a minha atuação política no combate a violência sentiram-se traídas ao ouvirem que eu era uma fraude. Isso faz as mulheres perderem a fé”.
Segundo Isabella, as provas que constam desde o início nos autos são mais do que suficientes para comprovar os crimes: “eu filmei do momento em que ele chegou até ser colocado dentro da viatura, não tem como dizer que não aconteceu o descumprimento. E sobre os outros crimes, a mesma coisa. Tem áudios, mensagens, laudos. As advogadas que consultei disseram nunca terem visto um caso de violência sexual com tantas provas”. No entanto, o réu sabe que, por conta do sigilo processual, ela não as pode divulgar, então aproveita a brecha para colocar sua palavra em descrédito.
As violências não cessaram até que a vítima finalmente decidisse mudar de estado. “Desde que tudo começou eu tenho sonhos. Tudo o que ele faz nos meus sonhos acaba acontecendo de verdade poucos dias depois. No último sonho ele vinha me matar, três dias depois vi o carro dele na rua ao lado da minha casa. Nós pedimos a prisão preventiva de novo, pedimos aumento da distância, e isso foi negado. Fiquei alguns dias na casa de amigas. Quando voltei para pegar mudas de roupa, tranquei a casa e liguei o alarme para poder tomar banho mais tranquila. Não dormia mais sozinha em casa, todo dia alguma amiga ia dormir comigo. Não tive outra opção além de tentar reconstruir minha vida em outro lugar. Fui embora e não voltei nunca mais para a cidade onde morava, nem para buscar minhas coisas”, relata."
Ainda assim, ao saber que a vítima havia se mudado, o agressor em poucos dias foi até a cidade onde ela hoje reside, e chegou a intimidar uma das testemunhas pelas redes sociais.
Não satisfeito, passou a enviar mensagens privadas para seguidoras de Isabella, que compartilharam assustadas as capturas de tela em grupos no Whatsapp.
ATAQUE NAS REDES SOCIAIS
Ainda assim, ao saber que a vítima havia se mudado, o agressor em poucos dias foi até a cidade onde ela hoje reside, e chegou a intimidar uma das testemunhas pelas redes sociais.
Não satisfeito, passou a enviar mensagens privadas para seguidoras de Isabella, que compartilharam assustadas as capturas de tela em grupos no Whatsapp.
ATAQUE NAS REDES SOCIAIS
Em uma era digital, sequer o deslocamento geográfico é capaz de proteger a vítima de ataques do agressor. Mudar de estado não é barreira suficiente para impedir que as violências continuem sendo praticadas via internet.
“Logo nos primeiros dias depois da mudança, recebi a notícia de que a mesma página no Instagram que foi responsável por criar todas as fake news que circulam sobre Mariana Ferrer, estava postando mentiras sobre mim. Vasculharam meu Twitter tentando encontrar qualquer coisa para me descredibilizar, falaram dos meus relacionamentos passados… foi um ataque muito insistente e agressivo", disse.
Isabella contou que se atentou a um detalhe: em uma das postagens, elas mencionaram que o agressor dormiu após o estupro. "Eu nunca falei sobre isso com ninguém, o único lugar onde constava essa informação era o inquérito, foi quando comecei a pensar que havia algo suspeito. Quem perderia tanto tempo fazendo uma varredura na vida de uma mulher para atacá-la, cometendo os crimes de calúnia, injúria e difamação, a troco de nada?", questionou.
“Logo nos primeiros dias depois da mudança, recebi a notícia de que a mesma página no Instagram que foi responsável por criar todas as fake news que circulam sobre Mariana Ferrer, estava postando mentiras sobre mim. Vasculharam meu Twitter tentando encontrar qualquer coisa para me descredibilizar, falaram dos meus relacionamentos passados… foi um ataque muito insistente e agressivo", disse.
Isabella contou que se atentou a um detalhe: em uma das postagens, elas mencionaram que o agressor dormiu após o estupro. "Eu nunca falei sobre isso com ninguém, o único lugar onde constava essa informação era o inquérito, foi quando comecei a pensar que havia algo suspeito. Quem perderia tanto tempo fazendo uma varredura na vida de uma mulher para atacá-la, cometendo os crimes de calúnia, injúria e difamação, a troco de nada?", questionou.
Há quem insista que a solução para a vítima é seguir em frente e esquecer o passado, mas, para a mulher que é obrigada a conviver com o fantasma do ex-companheiro, isso não é uma tarefa simples. “Depois de muito tempo sentindo pavor de qualquer toque físico, iniciei um novo relacionamento com uma pessoa que esperei nove anos para reencontrar. Foi tudo perfeito e maravilhoso, foi reconfortante saber que, apesar de tudo, não perdi a capacidade de amar e me relacionar de forma saudável, que ainda sou capaz de ter uma vida sexual sem gatilhos. Isso durou até eu descobrir que a família dele temia que meu agressor pudesse fazer algo contra nós dois, por vingança. Eu não pude garantir que isso não aconteceria - considerando o histórico. Além disso, passei a temer que, caso acontecesse, a família do novo companheiro fizesse algo contra mim”.
COMPORTAMENTO VASCULHADO
A história de Isabella demonstra o quanto é comum que a sociedade busque encontrar no comportamento da vítima as justificativas para a violência. “Eles vasculharam a minha vida inteira, minhas amizades, minhas fotos, tentando encontrar qualquer coisa que me responsabilizasse pelas violências das quais fui vítima. Mesmo que a pessoa com quem me relacionei não concorde em nada com isso, me senti humilhada e ainda mais vulnerável, com medo de ser abandonada e jogada na fogueira, mais uma vez, por pessoas da minha intimidade. Por isso, preferi não continuar o relacionamento. Já é difícil que mulheres sobreviventes de violência sejam consideradas dignas de serem amadas, mais difícil ainda é confiarmos em alguém depois da violência. Eu estava feliz, vivendo a minha vida, e mais uma vez as escolhas dele mudaram meus planos. Não tem como medir nem descrever o quanto isso me deixa triste até hoje”.
Isabella convive com os traumas que, ao contrário do que muitos dizem, não são superados, e sim, vivenciados diariamente. No entanto, também divide as violências sofridas para conscientizar outras mulheres. Sabendo que sua vivência não se trata de uma mera experiência individual, a jovem quer elaborar políticas públicas a partir do caso.
“Ele conseguiu acabar com a minha vida mesmo antes da conclusão do inquérito. Agora, com a Lei Mariana Ferrer, ao menos a defesa terá de inventar alguma outra tese, que não envolva a minha suposta loucura - ou ‘desequilíbrio’, como eles dizem. O que me impressiona é eu não ter de fato enlouquecido com tudo isso. Eu não temo que ele não seja condenado, confio muito que vai ser, porque há até um excesso de provas. Mas vai ser tarde. A difamação já foi tanta - os diagnósticos fictícios da defesa sobre minha saúde mental, as histórias distorcidas sobre o que realmente aconteceu, os boatos sobre um suposto ‘modus operandi’ meu - que, mesmo com as condenações, ainda irão acreditar que sou louca e fiz denúncias falsas. A minha pena eu já estou cumprindo, e pouco me interessa qual vai ser a dele, desde que sirva de exemplo para outros agressores. O que eu quero saber é como essas pessoas que foram partícipes em todos os atos de revitimização serão responsabilizadas. Precisamos de políticas públicas que protejam a vítima desde a fase inicial, porque a Justiça é muito lenta. Se você for esperar a condenação, ela já estará morta, ainda que subjetivamente”, aponta.
“Ele conseguiu acabar com a minha vida mesmo antes da conclusão do inquérito. Agora, com a Lei Mariana Ferrer, ao menos a defesa terá de inventar alguma outra tese, que não envolva a minha suposta loucura - ou ‘desequilíbrio’, como eles dizem. O que me impressiona é eu não ter de fato enlouquecido com tudo isso. Eu não temo que ele não seja condenado, confio muito que vai ser, porque há até um excesso de provas. Mas vai ser tarde. A difamação já foi tanta - os diagnósticos fictícios da defesa sobre minha saúde mental, as histórias distorcidas sobre o que realmente aconteceu, os boatos sobre um suposto ‘modus operandi’ meu - que, mesmo com as condenações, ainda irão acreditar que sou louca e fiz denúncias falsas. A minha pena eu já estou cumprindo, e pouco me interessa qual vai ser a dele, desde que sirva de exemplo para outros agressores. O que eu quero saber é como essas pessoas que foram partícipes em todos os atos de revitimização serão responsabilizadas. Precisamos de políticas públicas que protejam a vítima desde a fase inicial, porque a Justiça é muito lenta. Se você for esperar a condenação, ela já estará morta, ainda que subjetivamente”, aponta.
Outro lado
Na última sexta-feira (26/3), a reportagem entrou em contato com o advogado do acusado e não obteve resposta. Na segunda-feira (28/3), o Estado de Minas fez um novo contato por meio do advogado. Por meio de nota, o defensor informou que ‘’o processo tramita sob segredo de Justiça e meu cliente não autorizou a defesa fazer pronunciamentos fora do processo. O que eu posso te dizer é que tais acusações são falsas, de modo que é o meu cliente quem está sofrendo com tudo isso.”