Rio de Janeiro - "Tão bom cantarolar porque o mundo renasceu". O verso que abre a parte final do último samba a ecoar na Marquês de Sapucaí neste carnaval resume o arrastão de sorrisos visto durante o desfile da Vila Isabel no início da manhã deste domingo (24/4). A homenagem a Martinho da Vila rendeu uma catarse popular - a ponto de foliões tomarem a passarela nos instantes finais da apresentação.
Antes da festa da Vila Isabel, a Grande Rio atravessou a pista cantando Exu, o orixá, em apresentação que impressionou pelas imponentes alegorias. Ao fim de dois dias de folia, as agremiações despontam como duas das favoritas a vencer o carnaval do Rio de Janeiro (RJ).
Dono de canções como "Canta, canta, minha gente", "Mulheres" e "Disritmia", Martinho foi posto como o "Negro Rei" da Vila já na abertura do desfile. Ele participou da comissão de frente, onde uma coroa se abria para torná-lo a majestade.
A corte da escola ficou completa com Sabrina Sato, rainha da bateria, que veio de jatinho de São Paulo (SP), onde, horas antes, desfilou pela Gaviões da Fiel. "Minha equipe cronometrou o tempo e deu tudo certo", disse, aliviada, momentos antes de pisar na Sapucaí.
O samba de enredo, além de falar dos sucessos musicais de Martinho, relembrou outras fases da vida dele. Os diferentes momentos foram vistos, também, nas alegorias e nas fantasias. André Diniz, um dos compositores da canção, é parceiro recorrente do homenageado em outras letras.
"Saber onde o coração dele ia ser tocado foi fundamental. Falar da família, da mãe, da liderança comunitária no morro, do dono do palco e, principalmente, sem perder a simplicidade: o chinelo de dedo", afirmou, ao Estado de Minas. "O segredo do samba da Vila é a emoção de uma criança que queria, um dia, sentar à mesa de um bar e trocar ideia com seu mestre", emendou.
O chinelo de dedo citado por Diniz marca todas as apresentações musicais de Martinho. Em um tributo a ele, os intérpretes da Vila passaram pela avenida calçando sandálias.
Um deles, Gera, nutre relação de décadas com o "Negro Rei". "Martinho é meu amigo e foi quem me trouxe, de Pernambuco, para a Vila. Acho o maior barato ele ser homenageado em vida", comemorou o cantor, que em 1988, ano do primeiro título azul e branco, já empunhava o microfone da escola.
Orixás em destaque
Após o vice-campeonato de 2020, a Grande Rio, da rainha Paolla Oliveira, incendiou o público com um samba repleto de expressões afro. Parte da história contada se relacionou a uma catadora de lixo chamada Estamira, que trabalhava em um aterro do Rio. Ela dizia ser capaz de estabelecer conexões com Exu, o orixá homenageado pela escola de Caxias.
Embora desfile no Grupo Especial desde a década de 1990, a Grande Rio ainda persegue o primeiro campeonato. Os componentes deixaram a avenida confiantes. "Vamos em busca de um título que estamos perseguindo há muitos anos", garantiu Milton Perácio, o presidente, no discurso que antecedeu a apresentação da agremiação.
Na Mocidade Independente de Padre Miguel, outro orixá foi homenageado: Oxóssi, o padroeiro da escola. Embora o desfile tenha sido permeado por erros que devem tirar a alviverde da briga pela taça, como clarões formados por dificuldades na evolução, o enredo serviu para lembrar grandes mestres da bateria da escola, como André, o inventor das paradinhas, Jorjão e Coé.
O tema foi essencial, também, pararesgatar o cantor e compositor Dudu Nobre, torcedor da escola.
"Fiquei cinco anos distante da Mocidade. Neste ano, com a homenagem a bateria, e sou cria da bateria, a diretoria da escola me convidou. Vim participar", contou.
Portela lembra baluartes
Segunda escola a desfilar de ontem para hoje, a Portela escolheu um enredo sobre baobá, árvore tida como imortal e sagrada. Mote perfeito para estabelecer paralelos a grandes baluartes da escola, como Monarco, presidente de honra, que morreu no ano passado. O rosto dele pôde ser visto na decoração dos instrumentos dos ritmistas e em camisas de diretores.
"É uma homenagem justa. é um grande ícone da escola - não só ele, como outros. A Portela tem grandes nomes e vários baobás", pontuou Gilsinho, cantor responsável por puxar o samba de enredo.
Por causa de alegoria, mulher sai ferida da Sapucaí
Passaram pela Sapucaí, ainda, a Unidos da Tijuca, com um enredo sobre a lenda indígena do guaraná, o fruto, e o Paraíso do Tuiuti, contando histórias de luta e superação do povo preto
Embora tenha homenageado, inclusive, Chadwick Boseman, o Pantera Negra dos cinemas,
o Tuiuti precisou lidar com um acidente na dispersão. Alba Regina acabou prensada por um carro e foi encaminhada a um hospital. Com curativos, recebeu alta ainda durante a madrugada.
Neste carnaval, Raquel Antunes da Silva, de 11 anos, morreu após ser atingida por uma alegoria da Em Cima da Hora, da segunda divisão. Há cinco anos, uma radialista foi vítima de acidente similar envolvendo o mesmo Tuiuti.
A apuração está agendada para terça-feira (26), às 16h. Nove quesitos serão julgados: samba de enredo, bateria, harmonia, evolução, enredo, alegorias e adereços, fantasias, mestre-sala e porta-bandeira, além de comissão de frente.
Além do título, estão em jogo as vagas para o Desfile das Campeãs, no sábado que vem (30), quando as seis melhores agremiações retornam. A última colocada será rebaixada ao Grupo de Acesso.
Ontem, na primeira noite, o destaque foram as homenagens póstumas feitas por Imperatriz Leopoldinense, Mangueira e São Clemente.