Enganoso: É enganoso um post que insinua que o cantor Zeca Pagodinho apoia o PT porque teria recebido milhões de reais captados por meio da Lei Rouanet. A postagem traz uma imagem com informações sobre o projeto “Zeca Pagodinho - Uma história de amor ao samba”, uma peça de teatro musical que recebeu o incentivo fiscal. O nome do cantor e o valor captado aparecem circulados. Mas Zeca não esteve envolvido diretamente com a produção, e tampouco declarou apoio ao PT abertamente, embora tenha uma relação amistosa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conteúdo investigado: Post no Facebook traz uma imagem com informações sobre o projeto “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba”, peça de teatro musical financiada pela Lei Rouanet. O nome do cantor e o valor captado através da legislação aparecem circulados. Também foram inseridos sobre a imagem um emoji de polegar para cima e a sigla “PT”. O conteúdo é acompanhado da legenda “Acabou a mamata”.
Onde foi publicado: Facebook.
Conclusão do Comprova: É enganoso um post que insinua que o cantor Zeca Pagodinho apoia o PT porque teria recebido milhões de reais captados via Lei Rouanet. A postagem traz uma imagem com informações sobre o projeto “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba”, uma peça de teatro musical que recebeu o incentivo fiscal. O nome do cantor, no título da peça, e o valor captado (R$ 2.197.000,00) aparecem circulados. Também foram inseridos sobre a imagem um emoji de polegar para cima e a sigla “PT”. O conteúdo é acompanhado da legenda “Acabou a mamata”.
Uma consulta ao portal VerSalic, que permite a visualização dos projetos vinculados às Leis de Incentivo à Cultura, confirma que as informações da imagem são verdadeiras. Mas isso não significa que Zeca Pagodinho tenha recebido milhões de reais captados pela Lei Rouanet. Embora leve o seu nome e tenha sido inspirada na sua vida e obra, a peça “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba” não contou com envolvimento direto do artista na produção, na direção e nem no elenco.
Procurada pelo Comprova, a assessoria de imprensa de Zeca Pagodinho afirmou que o cantor só recebeu pagamentos relativos aos direitos autorais de suas músicas, mas não soube informar o valor exato. No site VerSalic, está discriminado um valor de R$ 16.394,30 executado com direitos autorais. “Não foi só ele que deve ter recebido algum valor, mas todos os compositores que tiveram suas músicas executadas no espetáculo, como é de praxe”, disse a assessoria. “E ele, na verdade, não assinava a maioria delas”.
Quanto à insinuação de que Zeca apoia o PT, a assessoria afirmou que o cantor “nunca declarou seu voto, seja para o Lula, ou para outro político”, mas “sempre declarou sua simpatia, pela pessoa, pelo jeito de ser” do ex-presidente. Em março, Zeca esteve entre um grupo de artistas que se reuniu com Lula no Rio de Janeiro e gravou um vídeo com cantos de apoio ao petista, pré-candidato à Presidência da República em 2022.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. A publicação alcançou 8,4 mil interações, entre comentários, curtidas e compartilhamentos, até o dia 2 de maio.
O que diz o autor da publicação: O Comprova solicitou esclarecimentos ao autor do post no Facebook, mas não obteve resposta até o fechamento desta checagem.
Como verificamos: O primeiro passo foi checar se a imagem da publicação era verdadeira. Para isso, o Comprova consultou o portal VerSalic, que permite a visualização dos projetos vinculados às Leis de Incentivo à Cultura.
Através das informações presentes no próprio portal VerSalic e em matérias da IstoÉ e da Revista Veja São Paulo, verificamos que o post trata de uma peça teatral intitulada “Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba”, que captou recursos por meio da Lei Rouanet.
O Comprova então procurou informações sobre o funcionamento da Lei Rouanet e as mudanças que a legislação sofreu desde 2019 em sites do governo federal (aqui, aqui e aqui) e reportagens jornalísticas.
Após isso, a equipe buscou a assessoria de Zeca Pagodinho para entender se ele esteve envolvido no projeto e se teria recebido algum valor pela produção da peça. Também foi questionado a respeito do posicionamento político do cantor.
Por fim, entramos em contato com o autor do post no Facebook, mas não obtivemos retorno.
Sobre a peça
“Zeca Pagodinho – Uma história de amor ao samba” é um musical roteirizado, dirigido e estrelado por Gustavo Gasparani, com produção de Victoria Dannemann e Sandro Chaim. Inspirada na obra e na vida do cantor, a peça estreou em 2017, no Rio de Janeiro, e no ano seguinte teve temporadas em outras cidades brasileiras, como Salvador, Fortaleza, Recife, São Paulo, entre outras.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Gasparani disse que fez suas primeiras pesquisas sobre Zeca Pagodinho em 2009 e foi convidado a escrever uma peça sobre a sua vida em 2012, mas o projeto não teria deslanchado até 2017.
O artista foi consultado sobre o roteiro, e sua única exigência teria sido a inclusão do personagem Baixinho, caseiro de seu sítio em Xerém, na Baixada Fluminense. Ainda de acordo com o Estadão, o cantor assistiu ao espetáculo quatro vezes durante a temporada no Rio de Janeiro e, em todas as ocasiões, subiu ao palco no final para cantar as músicas “Deixa a vida me levar” e “Vai vadiar”. Questionada pelo Comprova sobre o papel que Zeca teve na produção, sua assessoria respondeu que ele não teve envolvimento e apenas “foi homenageado”.
Por meio do portal VerSalic, verifica-se que o projeto do musical teve uma verba proposta de R$ 3.743.600,00, dos quais R$ 2.197.000,00 foram captados por meio da Lei Rouanet. Nos relatórios fiscais do projeto, consta um valor programado de R$ 45.000,00 em gastos com direitos autorais, dos quais foram executados R$ 16.394,30.
Declarações recentes de Zeca Pagodinho
Em maio de 2020, a equipe de Zeca Pagodinho notificou extrajudicialmente um usuário do Twitter para que apagasse uma foto do cantor com legendas que sugeriam apoio a Bolsonaro. À época, a assessoria do artista afirmou que ele não associa sua imagem a questões políticas.
O cantor publicou nas redes sociais que faz parte do “movimento de compositores que é contra o uso de paródias de suas canções para fins políticos sem autorização”, quando o tema estava sendo discutido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em fevereiro de 2022. Pagodinho assinou um manifesto contrário à possibilidade junto a mais de 350 artistas, como Marisa Monte, Gilberto Gil, Roberto Carlos, entre outros.
Em 24 de abril de 2022, durante um show no Camarote Bar Brahma, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, Zeca Pagodinho afirmou que pensa em sair do Brasil se o país continuar como está. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o cantor teria dito que “o povo precisa se manifestar, mesmo através da música, porque caso contrário o Brasil vai continuar assim, do jeito que está”. Sobre as recentes manifestações políticas que tomaram conta do Carnaval de 2022, Zeca Pagodinho afirmou que cada um utiliza a festa como quiser.
Em março de 2022, o ex-presidente Lula (PT) se encontrou com diversos artistas no Rio de Janeiro, incluindo Zeca Pagodinho, Ludmilla, Martinho da Vila e Gaby Amarantos. O grupo filmou um vídeo em que fazem o símbolo de L (de Lula) com as mãos e cantam uma música de apoio ao petista.
Em entrevista ao F5, em abril deste ano, Zeca Pagodinho disse que só se encontra com Lula em época de eleição: “Eu não tenho o número dele [de Lula].
Também não tenho muito o que falar com ele, a gente gosta de tomar cerveja junto. O Lula ainda não foi ao meu bar, mas disse que quer ir.” Ao Comprova, a assessoria de Zeca disse que o cantor “sempre declarou sua simpatia, pela pessoa, pelo jeito de ser de Luiz Inácio. Além disso, sempre foi muito bem tratado pelo antigo presidente, que já o visitou em [seu sítio em] Xerém e que o convidou com família e equipe para uma apresentação de um de seus DVDs”.
Em redes sociais, o cantor não costuma fazer publicações políticas, tampouco declarou voto em algum pré-candidato à Presidência em 2022. “Mas nada impede que ele o faça até as eleições”, disse sua assessoria.
Sobre a Lei Rouanet
Criada em 23 de dezembro de 1991, a Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, é um mecanismo de incentivo fiscal do Governo Federal que permite que empresas (4%) e pessoas físicas (6%) possam destinar uma porcentagem de seu imposto para iniciativas culturais. O objetivo é estimular e fomentar a produção, preservação e difusão cultural.
Ao invés de seguir para o governo, o valor do imposto é destinado aos programas aprovados pela Secretaria Especial da Cultura, do Ministério da Cidadania. Os principais critérios de avaliação utilizados pela pasta para aprovar um projeto são: a capacidade de ampliar o acesso da população à cultura; compatibilidade de custos e capacidade técnica e operacional do proponente, respectivamente.
Uma vez aprovados, os proponentes dos projetos devem convencer as empresas e pessoas a enviarem seus impostos. Isso significa que nem todas as propostas aprovadas recebem os recursos captados pela Lei Rouanet.
Em fevereiro de 2022, o governo oficializou uma série de mudanças na Lei. Foi reduzido de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão o valor máximo permitido por projeto para captação, com algumas exceções, como restauração de patrimônio tombado. O valor máximo que poderia ser captado por empresa, que também era de R$ 60 milhões, passou para R$ 6 milhões.
E o valor limite para captação por projeto leva em conta o tipo de atividade cultural:
- R$ 500 mil: tipicidade normal – como peças de teatro não musical;
- R$ 4 milhões: tipicidade singular – desfiles festivos, eventos literários, exposições de arte e festivais;
- R$ 6 milhões: tipicidade específica – concertos sinfônicos, museus e memória, óperas, bienais, teatro musical, datas comemorativas (Carnaval, Páscoa, Festas Juninas, Natal e Ano-Novo), inclusão de pessoa com deficiência, projetos educativos e de internacionalização da cultura brasileira.
Quem pode inscrever projetos: pessoas físicas com atuação na área cultural e pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos, com propósito cultural. Microempreendedores individuais (MEIs) ou pessoas físicas podem ter até dois projetos ativos, totalizando R$ 1 milhão; empresas podem ter até cinco projetos ativos, totalizando R$ 4 milhões; sociedades limitadas (Ltda.) e demais pessoas jurídicas podem ter até oito projetos ativos, totalizando R$ 6 milhões.
O prazo máximo para a captação dos recursos passou de 36 meses (3 anos) para 24 meses (2 anos).
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A publicação aqui verificada induz a conclusões enganosas sobre o funcionamento de uma lei de incentivo à cultura e sobre o posicionamento político de uma figura pública, o que pode influenciar na eleição presidencial de 2022.
Comentários no post indicam que muitas pessoas acreditaram que Zeca Pagodinho recebeu os R$ 2 milhões obtidos via Lei Rouanet para o financiamento da peça que leva o seu nome.
Outras checagens sobre o tema: Em verificações anteriores, o Comprova mostrou que o projeto de lei Paulo Gustavo não tentava liberar bilhões de reais da Lei Rouanet e que não houve desvio de orçamento de hospitais a projetos culturais.