A partir de recursos apresentados pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou ontem (8/6), valendo para todo o Brasil, o enquadramento da prática de qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos - independentemente da duração do ato ou mesmo de sua superficialidade - como estupro de vulnerável, com pena mínima de oito anos de reclusão.
A decisão veio da 3° Seção do STJ, que reúne as duas turmas responsáveis pela matéria penal, a partir de dois recursos de Minas Gerais e de Santa Catarina, sendo inviável agora, o enquadramento da conduta no crime menos grave de importunação ofensiva.
Impactos da decisão
Matheus Herren Falivene é mestre e doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e disse que essa decisão tem um peso muito grande na definição das penas a partir de agora.
"O impacto dessa decisão é fazer com que caso haja uma condenação de um indivíduo acusado de abuso contra uma pessoa menor de 14 anos, faz com que a pena seja maior. Antes, havia uma discussão se os atos em que não há contato sexual, se eles poderiam ser enquadrados como estupro de vulnerável, que é um crime mais grave, ou somente como importunação sexual, que tem uma pena muito menor. A importunação tem pena de 1 a 5 anos, e o estupro de vulnerável tem pena de 8 a 15 anos", explicou.
Ele esclareceu também, sobre casos em que o agressor olha de forma sexual, beija o menor de idade e etc, se eles poderiam ser enquadrados como estupro de vulnerável ou se era simplesmente uma importunação. Agora, todos esses casos, em tese, irão configurar estupro de vulnerável.
O ano de 2020 teve o registro de 60.460 estupros no Brasil. Destes casos, 73,7% das vítimas eram vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir com o ato; 60,6% tinham até 13 anos; 86,9% eram do sexo feminino. Os dados estão no Anuário Brasileiro da Segurança Pública, uma publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os registros mostram que a maior parte dos autores dos crimes são conhecidos das vítimas, em 85,2% dos casos.
Além disso, na terça-feira (7/6), a 5° Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu e reafirmou também que é irrelevante, para a configuração do estupro de vulnerável, a experiência sexual anterior da vítima. A decisão teve como relator o Ministro Jesuíno Rissato.
Para este fato, o advogado conta que realmente a experiência sexual não deve ser considerada. Expôs ainda um caso de 2012 que passou pelo STJ, em que o réu foi absolvido da acusação de estupro de vulnerável, tendo em vista que foi considerado que a vítima já tinha experiência sexual anterior.
"De anos para cá, esse entendimento vem sendo corrigido, dizendo que não. A experiência sexual ou a suposição dela, não serve para afastar o crime, o código penal não faz nenhuma ressalva nesse sentido", disse.
Assédio sexual, importunação sexual estupro e estupro de vulnerável. Qual a diferença ?
O advogado esclarece primeiro a diferença entre assédio sexual e importunação sexual. "O termo assédio não é do direito penal, ele vem de outras áreas, como o (direito) trabalhista. O assédio sexual é um crime cometido nas relações de trabalho/poder. A importunação sexual que é quando um ato libidinoso é praticado com um terceiro, mas sem configurar estupro. Casos como 'passar a mão no ônibus', se encostar, toque não desejado, isso é importunação sexual, que as pessoas popularmente chamam de assédio. Agora se o patrão 'dá em cima' de um empregado, temos assédio sexual."
Agora, para a diferença entre estupro e estupro de vulnerável. "O estupro sem nenhum aditivo, é o ato sexual cometido contra uma pessoa maior de 14 anos contra a vontade dela, ela não consente com o ato sexual praticado. Já o estupro de vulnerável, é aquele cometido contra uma pessoa menor de 14 anos, independentemente do consentimento dela, pois a justiça entende que essa pessoa menor de 14 anos não tem capacidade para entender um ato sexual."
É dúvida de muitos o porquê da justiça colocar como menor de 14 anos para estupro de vulnerável, e maior de 14 anos para estupro, já que em ambos os casos, temos menores de idade. O especialista explica que "a legislação penal não segue o que diz o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente - até 14 anos é criança, até 18 é adolescente. O código penal tem como 14 anos o marco legal para que alguém possa ter relações sexuais", disse.
* Estagiária sob supervisão do subeditor Diogo Finelli