“Suportaria ficar mais um pouquinho?”, foi a frase dita pela juíza catarinense Joana Ribeiro Zimmer a uma criança de 11 anos, grávida de 29 semanas após ser vítima de um estupro. A menina está sendo mantida pela justiça de Santa Catarina em um abrigo, longe da família, há mais de um mês, para evitar que faça um aborto legal. O caso foi revelado pelo jornal The Intercept, em parceria com o Portal Catarinas.
Segundo a investigação, dois dias após a descoberta da gravidez, em maio deste ano, a criança - à época com 10 anos - foi levada pela mãe ao hospital para realizar o aborto. No Brasil, o Código Penal permite o procedimento em casos de violência sexual, sem qualquer limitação de tempode gestação e sem a exigência de autorização judicial.
A equipe médica, no entanto, se recusou a fazer o procedimento. De acordo com o hospital, as normas internas permitem o aborto até 20 semanas de gestação, enquanto a criança estava na 22ª semana.
A reportagem revelou que a ida ao abrigo foi afirmada pela juíza em despacho em 1º de junho. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”, justificou a juíza. Inicialmente, ela chegou a afirmar que a decisão era para proteger a criança de seu agressor.
Direito ao aborto
A mãe, junto à criança, procurou o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na ocasião, a mãe e a menina afirmaram à psicóloga do hospital que não queriam manter a gravidez, segundo laudo da profissional exposto pelo The Intercept.
Dois dias depois, a promotora Mirela Dutra Albertanon, ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da criança. No documento, a promotora reconheceu que a gravidez era de “alto risco”. Contudo, repetiu a avaliação médica feita em 5 de maio, em que não foi considerado risco de morte materna. No texto, Mirela comparou a proteção da saúde da criança à proteção do feto.
Em 9 de maio, em audiência, a juíza responsável e a promotora propuseram que a criança mantivesse a gravidez por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar as chances de sobrevivência do feto.
A reportagem revela o relato da psicóloga Thais Micheli Setti à justiça. Segundo ela, a menina não entende o que está acontecendo e que “apresentou e expressou medo e cansaço por conta da quantidade de consultas médicas e questionamentos, além do expresso desejo de voltar para casa com a mãe”.
Ao ser questionada pela juíza, a criança respondeu que não desejava ter o bebê. A magistrada insistiu, ainda, sobre o fato de o pai do bebê - o estuprador - concordaria com uma possível entrega para a adoção.
Menina é mantida em abrigo
Em 13 de maio, o alvará foi cassado, como resposta à petição feita pelo Ministério Público sob alegação de que o caso já era acompanhado pelas varas da Infância e pela Vara Criminal da Comarca de Tijucas. No dia 14, foi expedida uma autorização para uma cesariana antecipada “de modo a salvaguardar a sua vida [da menina] e a do concepto”. O documento foi obtido pelo The Intercept.
Em nova audiência, em 23 de maio, a juíza Ribeiro nomeou um advogado como curador do feto, a fim de garantir que a criança não acessasse o direito ao aborto legal.
O processo segue em tramitação na justiça. Em 3 de junho, uma decisão autorizou que a menina e a mãe ficassem em um abrigo para vítimas de violência. No entanto, a determinação só foi cumprida na última sexta-feira (17/6).
*Estagiária sob supervisão