O Brasil é um dos países com leis sobre aborto legal com mais limitações. Poucos são os casos permitidos pelo Código Penal e, mesmo nessas situações autorizadas, especialistas afirmam que situações de desrespeito à legislação são recorrentes. Conversamos com especialistas #PraEntender em que casos o aborto é permitido no Brasil e o que ocorren na prática quando uma mulher que tem direito a essa procedimento procura uma unidade de saúde.
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Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que em casos de anencefalia, quando o feto tem malfarmações na calota craniana ou no cérebro, a mulher também poderia interromper a gravidez. À época, os ministros entenderam que um feto com anencefalia é natimorto e, portanto, a interrupção da gravidez nesses casos não é comparada ao aborto.
O que acontece na prática
A advogada e coordenadora do projeto Viva, Rebeca Mendes, explica o que ocorre quando uma mulher ou menina que está grávida e tem direito à interrupção da gravidez procura um centro de saúde para realizar o aborto.
"Quando essa mulher chega aos serviços de saúde, eles dizem 'não, o seu caso nós não atendemos'. Muitas vezes é orientado que essa mulher procure a defensoria pública, porque estamos falando de mulheres que além dessa vulnerabilidade social elas estão vulneráveis financeiramente", explica Rebeca.
"O papel da defensoria é ajudar da forma que eles podem, através da judicialização. Quando judicializa e há uma negativa, cria-se uma jurisprudência. A juíza de Santa Catarina, por exemplo, disse não. O juiz da Bahia que receber um caso semelhante, vai olhar o que os colegas estão falando e o que vai sentenciar? Ele vai negar aquele aborto, porque se cria uma jurisprudência", comenta a advogada.
"Quando essa mulher chega aos serviços de saúde, eles dizem 'não, o seu caso nós não atendemos'. Muitas vezes é orientado que essa mulher procure a defensoria pública, porque estamos falando de mulheres que além dessa vulnerabilidade social elas estão vulneráveis financeiramente", explica Rebeca.
"O papel da defensoria é ajudar da forma que eles podem, através da judicialização. Quando judicializa e há uma negativa, cria-se uma jurisprudência. A juíza de Santa Catarina, por exemplo, disse não. O juiz da Bahia que receber um caso semelhante, vai olhar o que os colegas estão falando e o que vai sentenciar? Ele vai negar aquele aborto, porque se cria uma jurisprudência", comenta a advogada.
A Pesquisa Nacional do Aborto mostra que 50% das mulheres que fazem ilegalmente o procedimento precisam ser internadas. O estudo mostra também que a maioria das mulheres que fazem abortos clandestinos e morrem por conta disso são pretas, indígenas, de baixa escolaridade e estão em duas faixas etárias: menos de 14 e mais de 40 anos. Segundo a pesquisa, elas moravam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e não tinham companheiros.
Quando o aborto é crime?
Desde o Código Penal de 1940, o aborto no Brasil é crime, com execessão em dois casos: gravidez em decorrência de estupro e quando traz riscos de vida à gestante. A terceira forma de aborto legal no Brasil foi garantida pela decisão do STF.
Fazer um aborto ilegal no Brasil pode acarretar em prisão de um a três anos para a mãe ou quem deu permissão para o ato. A pessoa que realizou o procedimento pode pegar de um a quatro anos de prisão.
Cartilha do Ministério da Saúde
Em junho de 2022, a Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde colocou uma cartilha que dizia que "não existe aborto legal". O documento, com o título "Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento", continha orientações para as equipes médicas em casos de aborto. O texto afirmava que não existe aborto legal e que, portanto "todo aborto é crime, mas quando comprovado o excludente de licitude, após uma investigação policial, deixa de ser punido".
O texto ainda indicava que depois de 21 semanas e seis dias de gestação, "a conduta recomendada é manter a gravidez com eventual doação do bebê após o nascimento."
Além de trechos como esse, o documento ainda citava a portaria n°2561/ 2020 que pedia que fossem preservados "evidências materiais do crime de estupro" para serem entregues à autoridades policiais para que pudessem ser feitos exames genéticos para identificar o autor do crime. O que entidades médicas e de defesa das mulheres disseram na ocasião foi que essa portaria era uma violação ética e de direitos humanos, já que não pode haver a coleta de material biológico sem o sentimento expresso da pessoa. Após a repercussão negativa, o documento foi retirado do ar.
O texto ainda indicava que depois de 21 semanas e seis dias de gestação, "a conduta recomendada é manter a gravidez com eventual doação do bebê após o nascimento."
Além de trechos como esse, o documento ainda citava a portaria n°2561/ 2020 que pedia que fossem preservados "evidências materiais do crime de estupro" para serem entregues à autoridades policiais para que pudessem ser feitos exames genéticos para identificar o autor do crime. O que entidades médicas e de defesa das mulheres disseram na ocasião foi que essa portaria era uma violação ética e de direitos humanos, já que não pode haver a coleta de material biológico sem o sentimento expresso da pessoa. Após a repercussão negativa, o documento foi retirado do ar.
A professora da Universidade Federal de Goiás Mariana Prandini, explica que o documento não pode se sobrepor à Constituição. "Qualquer documento emitido pelo Ministério da Saúde não pode significar jamais a perda de direitos e esse documento jamais terá validade acima da lei. Ou seja, um documento que viole a legislação, que crie barreiras, impedimentos não tem qualquer validade legal. Trata-se simplesmente de uma guia, que profissionais de saúde estão autorizados a não observar porque é um documento que viola a legislação", explica a professora.