Todas as sextas-feiras por volta das 13h o salão principal da Mesquita Hamza se enche de homens para o Salat al-Jummah, a oração obrigatória realizada no dia mais sagrado da semana para o Islã.
Localizada na rua Cônego Eugênio Leite, no coração do bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a mesquita fundada em 2010 foi aberta para atender aos muitos lojistas muçulmanos que têm negócios na região, em especial na rua Teodoro Sampaio, uma de suas principais vias.
O local recebe seus membros ao menos cinco vezes todos os dias para as orações coletivas. Às sextas-feiras, na oração congregacional, o quórum chega a mais de 50 pessoas.
Mas os responsáveis pelo templo já não sabem por quanto tempo poderão continuar a receber os fiéis na mesquita.
O prédio que abriga o centro religioso foi vendido a uma incorporadora para a construção de um empreendimento residencial e os responsáveis pela mesquita já receberam notificações para desocupar o local.
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Ao redor da mesquita, outros edifícios adquiridos pela incorporadora já foram demolidos para a construção do novo empreendimento. Um tapume metálico cerca o prédio.
"Temos muito carinho por esse lugar, onde construímos nossa história de forma colaborativa e com muito amor", diz o xeque Kamal Chahin.
"Gostamos muito de nossa localização atual, pois além de atendermos aos lojistas muçulmanos da região, também recebemos muitos turistas árabes que se hospedam na região", afirma o libanês, que conduz visitas semanais pela mesquita para apresentar e desmistificar o Islã aos interessados.
"Vamos continuar nosso trabalho onde for, mas sem dúvidas o ponto em uma região central facilitava muito."
A diretoria da mesquita lamenta também perder os investimentos feitos há menos de três anos em uma reforma, que praticamente dobrou o espaço útil do templo e renovou a fachada.
Os responsáveis já estão em busca de um novo imóvel para se instalar, mas a procura tem caminhado lentamente, especialmente por conta da especulação imobiliária que atinge o bairro de Pinheiros.
"Queremos nos manter na região, mas os valores por metro quadrado em Pinheiros não param de subir e estamos com dificuldades para achar um espaço", diz Taha.
Entre os frequentadores da mesquita, a notícia sobre a mudança foi recebida com apreensão.
"Moro a poucas quadras e vou até a mesquita a pé quase todos os dias. Um local mais distante vai prejudicar bastante o deslocamento", diz o paquistanês Muhamad Aslam, de 30 anos, que vive em Pinheiros há cerca de um ano, desde que chegou ao Brasil para trabalhar.
"Todos da minha família gostam muito dessa mesquita, do ambiente e da comunidade formada aqui. Ficamos tristes com a notícia", comenta Muhamad Ali Hindi, lojista de 24 anos e ascendência libanesa.
A situação vivenciada pela mesquita vem se repetindo com frequência no bairro.
Desde 2019, a cidade de São Paulo experimenta um novo boom imobiliário. Pinheiros, em particular, virou um grande canteiro de obras. Cada vez mais os prédios baixos e as casas geminadas do bairro têm dado lugar a tapumes de empreendimentos imobiliários de alto padrão.
A região da subprefeitura de Pinheiros é a que concentra maior número de alvarás de demolição na cidade nos últimos dois anos, como mostram os dados da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) levantados a pedido da reportagem da BBC News Brasil.
Só em 2021, dos 602 emitidos no município de São Paulo, 133, ou 22%, se concentraram nesta que é apenas uma entre as 32 subprefeituras da capital paulista.
Em 2020, houve uma explosão ainda maior de expedição de alvarás: foram 382 demolições autorizadas.
A incorporadora responsável pelo edifício residencial que ocupará o terreno onde hoje fica a Mesquita Hamza, a One Innovation, está construindo ou lançou recentemente 25 novos empreendimentos em São Paulo, três deles em Pinheiros.
O projeto para as ruas Cônego Eugênio Leite e Teodoro Sampaio ainda não foi divulgado publicamente.
Um dos empreendimentos da One Innovation em Pinheiros está sendo construído onde antes ficava a Sinagoga Beth Jacob, também conhecida como Sinagoga de Pinheiros.
O edifício que abrigava o centro religioso estava localizado na rua Artur de Azevedo, a cerca de sete quadras da mesquita com que divide o bairro, mas foi demolido há alguns meses para a construção do novo projeto residencial.
A sinagoga, fundada por judeus poloneses, russos e romenos, estava no prédio desde sua inauguração em 1937.
Mas após receberem uma oferta da incorporadora em meados do ano passado, a diretoria do templo judaico decidiu vender o imóvel.
"A empresa de construção comprou todos os imóveis ao nosso redor até a esquina e vimos que ficaríamos isolados ali, cercados por prédios altos pelos dois lados", relata o presidente da sinagoga, Mauro Sankowski.
Segundo o rabino Levi Rabinowicz, a preocupação com a segurança foi o principal fator que influenciou a decisão de vender. "O prédio da sinagoga era muito antigo e demandava muita manutenção. A estrutura poderia correr riscos durante a construção dos novos empreendimentos e, ao mesmo tempo, as reformas necessárias seriam muito custosas", diz.
Mas a comunidade da sinagoga nunca pensou em fechar suas portas permanentemente.
Pouco após a venda, em agosto de 2021, a diretoria alugou uma casa em Pinheiros para continuar suas atividades, ainda que temporariamente.
"Na sinagoga antiga conseguíamos fazer eventos de até 200 pessoas, enquanto o imóvel atual comporta até 50 e não tem a disposição mais apropriada", explica o rabino Levi.
"Pretendemos adquirir algo mais permanente e apropriado no futuro", diz Sankowski.
O diretor, porém, lamenta a mudança de local. "Meu pai e tio participaram da fundação da sinagoga e eu cresci naquele espaço. Havia um vínculo afetivo", diz.
Segundo Rabinowicz, alguns frequentadores mais antigos deixaram de visitar a sinagoga com a mudança. "Algumas famílias tinham sua história enraizada ali e ficaram chateadas com a transferência", afirma.
O rabino também relata novas preocupações com segurança. "Na antiga sinagoga tínhamos um muro blindado. Na nova tivemos que nos adaptar com o que tínhamos e instalamos apenas uma porta à prova de balas e um sistema de câmeras."
A administração do templo, porém, tem feito o possível para manter o quórum e relembrar as raízes. "Guardamos e trouxemos alguns móveis antigos, para manter uma lembrança do passado", conta.
"Não é fácil mudar, mas estamos tentando renascer das cinzas e fazer acontecer de novo", resume Rabinowicz.
Em nota enviada à reportagem, a incorporadora One Innovation afirmou que "não possui interesse algum em destruir os templos religiosos da cidade para empreender" e que os imóveis estão sendo vendidos por vontade própria dos proprietários.
A empresa afirmou que a Sinagoga Beth Jacob poderia ser mantida sem qualquer perturbação no seu local original caso fosse do interesse do proprietário e que a One inclusive permitiu que o templo permanecesse no local por mais um ano após a venda.
Sobre a Mesquita Hamza, a incorporadora afirmou que o imóvel onde ela se mantinha era alugado para fins comerciais e não religiosos, desrespeitando o contrato de locação. Por esse motivo, não se aplicam os termos de estabilidade previstos para entidades religiosas na cidade de São Paulo.
"A proprietária do imóvel e locadora também era proprietária de outros lotes vizinhos e sua intenção era vender todos os lotes, mesmo porque estão cadastrado em única transcrição, tornando-se impossível, registrariamente, de serem vendidos de forma isolada", diz a nota enviada pela One Innovation.
- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61933753
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