Isabela Bernardes
Um dia depois de anunciar o contingenciamento de R$ 328,5 milhões para as universidades e institutos públicos federais, o Ministério da Educação (MEC) voltou atrás ontem. A decisão foi anunciada pelo ministro Victor Godoy por meio de vídeo postado durante a tarde em suas redes sociais. Sem ter recebido comunicado oficial do órgão e já em dificuldades em função de outros cortes de verbas, representantes de instituições de ensino superior mineiras, entretanto, continuavam receosos quanto à situação financeira das unidades que administram. Na quinta-feira, tanto o ministro quanto o presidente Jair Bolsonaro bateram na tecla de que o contingenciamento era provisório e que representava um adiamento mas não um corte de verbas.
As universidades federais de Minas Gerais (UFMG), Ouro Preto (Ufop), Juiz de Fora (UFJF) e São João del-Rei (UFSJ) disseram ao Estado de Minas que só souberam do recuo por meio do vídeo postado pelo ministro e ainda aguardavam um documento que oficializasse a revogação do contingenciamento. Na UFJF, o bloqueio que havia sido anunciado pelo MEC foi tema de reunião extraordinária do Conselho Superior da universidade na tarde de ontem e, segundo o reitor da instituição, Marcus David, o vídeo gravado pelo ministro não foi suficiente para dissipar as preocupações dos conselheiros.
Em vídeo sobre o tema, o reitor cita dois motivos para a persistência dos temores: que o recuo seja apenas temporário e o fato de as universidades, independentemente da medida, já estarem atravessando uma situação muito grave . “Duas preocupações restam para o Conselho Superior. A primeira é que essa decisão (de suspender o bloqueio) não seja apenas um adiamento de uma medida que pode ser muito dura e trazer fortes consequências para as universidades e institutos federais. É importante que esse contingenciamento não volte a ocorrer em hipótese alguma”, disse o reitor em trecho da gravação.
David ressaltou também que é necessário recompor os cortes sofridos pelas universidades em 2022, para que não haja fechamento negativo. “Outra preocupação é que mesmo com o recuo do contingenciamento, a situação orçamentária das universidades continua muito grave. É necessário uma recomposição das perdas que tivemos em 2022, para que possamos fechar este ano sem prejuízos acadêmicos para as nossas instituições. As universidades federais continuarão lutando pela recomposição de seus orçamentos”, finalizou.
De acordo com a Ufop, a suspensão do bloqueio ainda não constava na tarde de ontem no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do governo federal, que informa sobre os limites orçamentários.
"Na segunda-feira, teremos dimensão melhor da situação. Ocorrendo o desbloqueio, conforme anunciado pelo ministro em suas redes sociais, o quadro será amenizado até o final do ano, mas a medida não reverterá a situação provocada pelo corte de 7,32% realizado em agosto, que significou para a Ufop uma redução de R$ 4,5 milhões em seu orçamento.
A UFSJ demonstrou a mesma preocupação. “Não há ainda liberação efetiva no sistema e, mesmo quando concretizada, o problema está longe de ser resolvido: falta, para o sistema federal de ensino superior, a recomposição de mais de R$ 433 milhões no orçamento de 2022, além da luta pela volta do orçamento pelo menos aos níveis de 2019, corrigido pela inflação (conforme previsto na Lei de Teto de Gastos). Ou seja: a situação continua ruim. Com a liberação anunciada, e ainda não concretizada, a UFSJ chega a dezembro”, afirma a universidade, por meio de nota.
A UFMG, por sua vez, informou que não recebeu nenhum comunicado oficial da pasta e aguardava o documento para se pronunciar. Em entrevista ao Estado de Minas na quinta-feira, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida afirmou que não tem orçamento para “mais nada” e que o novo contingenciamento já ocorreria em cima de um corte de R$ 16 milhões, ocorrido em maio. “Hoje, não tenho verba para absolutamente mais nada”, disse.
HISTÓRICO A notícia de um novo contingenciamento assombrou ainda mais os reitores, calejados por sucessivos bloqueios de verbas. Embora o MEC tenha afirmado que havia previsão de liberação dos valores em dezembro, os prazos expressos na medida preocuparam, já que restariam menos de quatro semanas para tentar equacionar a questão financeira a ser administrada a partir deste mês.
Ontem, o ministro Victor Godoy disse que a decisão foi repensada e os limites serão disponibilizados. Mas não deu nenhum detalhe sobre quando isso ocorrerá. ". Conversei com o ministro Guedes (Paulo Guedes, da Economia) e ele foi sensível. Agora, estamos fazendo uma liberação para facilitar e agilizar a vida de todo mundo. Este movimento está sendo feito pelo Ministério da Economia, mantendo a responsabilidade fiscal", disse Godoy nas redes sociais.
Desde o início do governo Bolsonaro, a educação tem sido alvo de “contingenciamentos” ou retenção de gastos. Em maio de 2019, o MEC anunciou corte de 30% nas instituições da rede federal de ensino. Em Minas Gerais, o valor chegou a R$ 328 milhões, resultando em demissão de pessoal de segurança e limpeza. Algumas universidades não conseguiram pagar as contas de água e energia elétrica.
Já em 2020, 40% dos recursos da Lei de Orçamento Anual (LOA) foram alocados como programações condicionadas e desbloqueados ao longo do ano; os outros 60% foram liberados para empenho pelo MEC. Cerca de um ano depois,em maio de 2021, universidades federais em Minas denunciaram perda de quase 40% de seus recursos em relação a 2020, um total de R$ 73 milhões a menos em caixa. Neste ano, além do decreto para contingenciar orçamento do MEC em 5,8%, também houve corte de 14,5% na verba das universidades em maio.