Jornal Estado de Minas

VIRALIZOU NAS REDES

Famílias suspeitam de tráfico humano de jovens brasileiras nos EUA

Por Bruno Luis Barros

Diante das incertezas do que aconteceu com as brasileiras Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, e Desirrê Freitas, de idade desconhecida, pais, familiares e amigos travam uma batalha em busca de respostas. Elas desapareceram após envolvimento com a influenciadora digital Kat Torres, popularmente conhecida como Kate A Luz. 




 
As jovens se mudaram para os Estados Unidos para fazer au pair – programa de intercâmbio onde a pessoa faz parte de uma família anfitriã norte-americana, por um ano, cuidando de seus filhos, e recebe em troca acomodação, refeições, remuneração semanal e a oportunidade de viagens e estudos. No entanto, após conhecerem Kat, ambas cortaram laços com os familiares.

Devido à pressão popular nas redes, Kat declarou na sexta-feira (14/10) que tanto Letícia quanto Desirrê estão bem, sendo que elas não falam com suas famílias em decorrência de relacionamentos abusivos. As jovens, posteriormente, gravaram vídeos reforçando as falas de Kat. Letícia, especificamente, chegou a aparecer em uma live com a guru. 

Também na última sexta-feira, o pai de Letícia, Cleider Castro Alvarenga, que mora em Perdões, no Sul de Minas Gerais, publicou um relato no Instagram afirmando que ela está desaparecida deste abril deste ano. Segundo ele, a filha estava na cidade de Leander, no Texas. “Estamos desesperados. Se alguém tiver alguma notícia, nos avise. Peço também que compartilhem com outros grupos e pessoas que possam nos ajudar”, escreveu. 




 

Em outra publicação nas redes sociais, Cleider suspeita que Letícia tenha sido vítima de tráfico humano. Nos comentários, internautas afirmaram ter visto a foto da jovem em sites de prostituição. Nesse sentido, a reportagem localizou imagens de Letícia em um site que oferece o serviço de acompanhante da jovem em Austin, capital do Texas. 
 
Site de prostituição oferece o serviço de acompanhante de Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, em Austin, capital do Texas (foto: Reprodução)

Após grande repercussão, a jovem confrontou sua família em vídeos publicados no Instagram e acusou o próprio pai de abuso sexual. “Quando eu era criança fui abusada pelo meu pai. Minha mãe sempre ia para a roça e eu ficava com meu pai. Então, era nesse tempo que tudo acontecia. Ele abusava de mim sexualmente. Minha mãe chegava em casa, eu falava o que aconteceu e ela deixava para lá”, afirmou a jovem, acrescentando que encontrou apoio em Kat para lidar com a situação. 

“Fui crescendo e ele fazia coisas absurdas comigo. Já com 15 anos, ele ainda continuava fazendo tudo isso. Foi aí que comecei a fazer consultas com a Kat. Ela foi a única pessoa para quem contei essa história e ela me falou que eu deveria ir para os Estados Unidos”. Segundo a jovem, Kat a orientou a fazer au pair. 





Vale mencionar que as publicações com ataques à família não convenceram a maioria dos internautas. Nos comentários, muitas pessoas acreditam que Letícia foi coagida, de alguma forma, a gravar os vídeos. Em relação às postagens em texto, foi levantada a suspeita de que as mensagens tenham sido escritas por Kat. 

Caso Desirrê Freitas

Neste domingo (16/10), a página no Instagram intitulada Searching Desirrê – criada para tentar obter respostas sobre o paradeiro da jovem e divulgar o caso – fez uma publicação, em nome da família, na qual afirma que a jovem não aparece em público desde 19 de setembro. 

“Muita gente está acompanhando as lives que estão surgindo, todas com narrativas deturpadas – o padrão da falsa guru para desviar o foco dela. Quem conhece as meninas não compactua com as inverdades levantadas. Nos vídeos é possível ver nitidamente que existe uma prisão para além da física, que é a prisão emocional: manipulação, ameaças, culpabilização da vítima e falsas promessas”, destacou um trecho da nota. 




 
“Independente se estão fazendo algo em sã consciência ou não, usar a vulnerabilidade de mulheres brasileiras com a falsa promessa de riqueza, e induzi-las a prostituição na ilegalidade é crime.”
 
Ainda conforme os comunicados, os seguidores norte-americanos da página são convocados para denunciar o caso às autoridades do país. “A falsa guru nem se deu ao trabalho de tentar provar que ela está bem. Desirrê nunca teve desejo de viver ilegalmente. Era totalmente contra isso, cheia de sonhos e com uma carreira linda pra construir. Quem a conhece na intimidade, conhece a verdadeira essência dela, uma pessoa doce, alegre e extremamente boa.” 

Em 2021, Kat teria dito como "salvou" Desirrê

Em outra postagem, a página Searching Desirrê, qualificando Kat como “falsa guru”, afirma que ela “criou uma narrativa convencendo Desirrê que o marido estava fazendo magia negra com ela e a incentivou a pedir o divórcio”. A publicação segue dizendo que elas fizeram live juntas em 2021, na qual Kat diz como salvou a jovem de um relacionamento abusivo e que agora estava ajudando ela a encontrar o homem perfeito. 
 
A “Searching Desirrê” pontua também que em março deste ano houve uma briga entre as duas. “Após se recuperar do surto, a falsa guru fez as pazes com Desirré e a convenceu a ir trabalhar com ela nos EUA. A falsa guru, então, anuncia em suas redes que Desirré irá começar a fazer consulta com outras meninas. A partir dai, Desirré some das redes sociais e se afasta 100% de sua família e amigos. Nessa mesma época, a falsa guru excluiu todo conteúdo em que aparecia Desirré em suas redes.”



Rapaz que se identifica como colega de escola traz revelações sobre Desirrê


No Twitter, um rapaz que se identifica como Matheus Rego diz que foi colega de escola da jovem e – em conjunto com outros estudantes – se envolveu nas buscas por notícias dela. “Enquanto pesquisamos sobre Kat, descobrimos que Desirrê era uma seguidora fiel da coach. Ela aparecia em comentários, conversando com outros seguidores, também postando em seu Instagram como a Kat fez diferença em sua vida”, iniciou. 
 
Nesse sentido, em 5 de setembro de 2021, segundo Matheus, Desirrê, inclusive, apareceu em uma live contando como sua vida havia melhorado após iniciar uma série de consultas com Kat. “O problema para nós surgiu quando nos deparamos com alguns vídeos estranhos da Kat”, observou. 
 
Nas imagens divulgadas por Matlheus, a coach Kat Torres diz que cobra U$ 8 mil para “fazer energia”. Segundo ela, o procedimento serve para que as pessoas consigam visto de trabalho ou permanente e, deste modo, possam ficar nos EUA. “Assim, elas poderão fazer 'business' comigo, eu mesma, em pessoa, e elas ficarem milionárias aqui. Eu sei que é um plano de mestre, e ninguém quis ter o estresse de fazer”, disse, destacando que o projeto é comandando por ela, Letícia, Desirrê e “algumas outras duas bruxas”. 




 
Na sequência de publicações feitas por Matheus há, ainda, um vídeo de Kat relatando o motivo de Desirrê ter sido bloqueada nas redes sociais por ela. Conforme a coach, a jovem era uma “arrogante”, pois estava exigindo que ela seguisse dando as consultas. Kat alegou que havia interrompido o trabalho porque estava com câncer. 
 
Em outros tuítes, Matheus também conta que muitos dos amigos da jovem no Brasil não tinham contato com ela desde janeiro deste ano. Aqueles que tinham, segundo ele, relataram que Desirrê estava “viciada” em fazer consultas com Kat. 
 
A coach, em 17 de setembro de 2022, enviou um vídeo para a página Searching Desirre no qual a jovem pede para que as pessoas parem de procurá-la. No dia 18 do mesmo mês, Letícia também divulgou um vídeo no qual, de forma bem agressiva, reforça não querer contato com familiares. 




 
“A Desirrê apareceu em 19/09 e escrevia igual a Kat nos posts. Nesse dia, ela reativou o WhatsApp e chamou alguns amigos ‘ordenando’ que parassem as buscas, muito diferente de como age, pois ela sempre fala por áudios”, escreveu Matheus. 

Em nota à reportagem, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que “há registro de desaparecimento de Letícia, de 21 anos, cujos fatos relatados na ocorrência estão sendo apurados pela Delegacia de Polícia Civil em Perdões”. 

À reportagem, a Polícia Federal informou nesta segunda-feira (17/10) que "não chegou nenhum registro oficial do caso para a PF", reforçando que a investigação está a cargo da Polícia Civil mineira.