Uma jiboia de 2,4 metros que foi brutalmente agredida com pauladas na cabeça vem se recuperando com sucesso e virou símbolo contra a estigmatização das serpentes como animais perigosos.
'Santinha' foi encontrada pelo biólogo Izar Aximoff e por bombeiros em uma via pública perto do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, e levada às pressas para Instituto Vida Livre, uma ONG que atua na reabilitação e soltura de animais em situação de risco no Rio de Janeiro, onde recebeu cuidados médicos e continua a ser tratada.
Segundo o diretor do Vida Livre, Roched Seba, a serpente chegou com diversas fraturas e ferimentos na cabeça e em estado grave.
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Ela foi medicada para reduzir sua dor extrema e os danos do ferimento, estabilizada e seguiu para uma rotina de exames radiograficos, para a posterior imobilização de sua mandíbula.
"'Santinha' foi o nome que escolhemos que dialoga com o preconceito com as serpentes que em muitos casos tem origens em crendices e preceitos religiosos", diz Roched Seba.
"Todo preconceito é imediatamente burro porque inviabiliza a troca e o crescimento", acrescenta Seba.
Tratamento e recuperação
Durante os últimos três meses, Santinha passou por um longo processo de recuperação que incluiu uma série de cuidados, como medicação diária, limpeza da cavidade bucal, hidratação, alimentação forçada, aquecimento e exames constantes.
Ela também teve sua cabeça e mandíbula imobilizadas. Tratamentos alternativos que ajudam na cicatrização e reversão dos processos inflamatórios como o laser e a moxaterapia (técnica de acupuntura com calor), também foram usados.
Por muito tempo, seu quadro permaneceu "gravíssimo", mas a equipe do Vida Livre se manteve firme e esperançosa com sua recuperação.
Veterinários do instituto colhiam seu sangue e faziam a limpeza diária de sua cavidade bucal, que acumulava muco naturalmente devido à imobilização.
Uma das preocupações era saber se havia comida em processo de digestão no estômago da serpente, porque, como explica Seba, as jiboias têm uma "digestão lenta e não comem mais do que podem digerir no seu tempo, de modo que nossa aflição em imaginá-la com fome poderia nos inclinar a alimentá-la por sonda".
"Correríamos o risco de Santinha regurgitar, podendo aspirar o alimento e complicando bastante o quadro dela que segue preocupante, porém estável".
A alimentação de Santinha era feita periodicamente a partir da inserção de uma sonda até a cavidade estomacal com uma fórmula pastosa hipercalórica e hiperproteica.
Outros dois procedimentos fundamentais para seu tratamento era a coleta de sangue, para saber como está a saúde da cobra, e a hidratação forçada, já que o animal estava com a boca imobilizada e não podia beber água sozinho, bem como não podia ficar imerso em nenhum recipiente com água (serpentes se hidratam pela pele e pela cloaca) pelo risco de molhar a cabeça e estragar a imobilização.
O banho de sol também era muito importante, pois, como diz Seba, "esse é um recurso importante para fixação do cálcio, produção de vitamina D, regulação térmica e saúde da pele".
Depois de três meses, a serpente agora está livre de sua imobilização bucal. Uma série de exames e acompanhamento clínico para analisar a cicatrização e o estado da lesão farão parte de sua rotina de reabilitação.
Seba diz ainda não saber se Santinha poderá retornar a seu habitat natural.
"A soltura ainda vai demorar muito ainda, mas ainda não sabemos se isso será viável. De qualquer forma, se isso não for possível, pelo menos ela terá uma vida em paz".
Ele acrescenta que a recuperação de Santinha, acompanhada por milhares de seguidores do Vida Livre nas redes sociais, ajudou a romper o estigma que muitos têm sobre as serpentes como animais perigosos.
"É muito impressionante o impacto que ela teve em muitas pessoas que hoje dizem que não vão mais matar cobras e serpentes e reviram seu comportamento com esses animais", diz.
"Nosso trabalho consiste não apenas na reabilitação dos animais, mas também na reabilitação do pensamento", conclui.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63793785