Um comerciante de 34 anos, acusado de tentativa de homicídio em Posse (515 km de Goiânia), foi solto depois de um juiz ler cartas das filhas do réu, de 13 e 4 anos, pedindo como "presente de Natal" a volta do pai para casa.
Uma das cartas ganhou repercussão depois de o magistrado publicá-la em uma rede social, no dia 6 de dezembro, e o caso ter ganhado repercussão.
"Esse foi o melhor Habeas Corpus que já recebi!! Eu sempre digo que não precisa escrever muito!! Prometo que irei olhar com toda atenção e critério com que vejo todos os outros", escreveu o magistrado, em tom de brincadeira.
Dono de uma distribuidora de bebidas, ele foi acusado de tentar matar um homem a tiros por causa de dívida de R$ 600. Segundo o magistrado, contudo, "não há elementos precisos que demonstrem indícios suficientes de autoria ou de participação do acusado" no crime. Cabe recurso.
O comerciante, que nega envolvimento no crime, foi solto no sábado (17), depois de cinco meses preso. Com a decisão, ele não será julgado pelo júri popular.
O Ministério Público disse que irá se pronunciar depois do recesso, assim que os autos judiciais voltarem a tramitar regularmente no estado. Prazos processuais são suspensos durante o recesso.
O advogado Leonardo Magalhães Valente, que defende o acusado, entregou as cartas ao juiz. Em uma delas, a filha mais nova relatou que a casa e a família estavam muito tristes sem o pai. "Meu pai é bom", escreveu a criança, pedindo que o genitor fosse liberado para voltar para casa antes do Natal. Outro trecho da carta sensibilizou o magistrado. "Quando ela escreveu 'Deus te proteja', isso me tocou especialmente, porque naquele momento ela estava desamparada e desprotegida precisando do seu provedor. Imaginei comigo: não posso protegê-la, mas talvez eu possa devolver a ela alguém capaz de fazer isso", afirmou.
Em outra carta, a filha mais velha contou que a prisão do pai abalou o psicológico dela, que passou a sofrer com ansiedade e insônia.
Os nomes das meninas não foram publicados para preservar a integridade delas, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. O nome do réu também não foi revelado.
O comerciante foi preso temporariamente em 21 de julho, 18 dias depois do crime. A pedido da Polícia Civil de Goiás, a Justiça prorrogou a prisão temporária, que foi convertida em preventiva em 18 de setembro.
Além das duas filhas, o comerciante mora com a mulher e outros dois filhos, de 7 e 2 anos. No período em que ficou preso, ele passou os dias do aniversário de três deles na cadeia, longe de toda a família, que o visitava no presídio sempre que possível.
Ainda no presídio, o acusado soube que as filhas haviam escrito cartas ao juiz, que também recebeu abaixo-assinado de moradores da cidade pedindo a soltura.
De acordo com o juiz, a investigação baseou-se principalmente nas declarações da vítima, "as quais se mostraram contraditórias e desarmônicas com os demais elementos probatórios".
Segundo a decisão, a vítima mudou as versões apresentadas na delegacia e no Judiciário, além de apresentar informações diferentes das que foram relatadas por testemunhas.
O delegado Humberto Soares, responsável pela investigação policial, disse que, durante inquérito policial, a vítima afirmou de forma categórica que o suspeito foi até a casa dela e efetuou os disparos.
A vítima relatou à Justiça que estava em casa e escutou um barulho no portão, com alguém anunciando uma entrega. Disse, ainda, que escutou o barulho do portão se abrindo e que também ouviu um barulho de moto antes de sentir dois disparos nas costas.
A vítima também contou à Justiça que o suspeito teria dito "paga meu dinheiro". Por isso, mesmo ferida, teria conseguido se levantar e pegado R$ 600 em sua carteira para entregar ao criminoso.
Também afirmou que "não estava devendo para outra pessoa" além do comerciante, mas que não tinha certeza sobre o autor do crime.
Segundo a investigação, no domingo em que o crime foi praticado, o comerciante saiu de casa à noite no mesmo momento da tentativa de homicídio. Contudo, a defesa sustenta que ele foi para a casa de um colega na região para ajudar a vacinar gado.
"Como juiz, preciso ter certeza de que a pessoa deve ser culpada pelo crime. Sou pautado pelo garantismo penal. Não vou condenar ninguém ou levar alguém a julgamento por crime que não tenho certeza de que aquela pessoa cometeu", afirmou Bonfim.
No total, o magistrado recebeu quatro cartas. Duas com pedido de soltura do pai e outras duas de agradecimento. Nestas últimas, as crianças expressam gratidão ao juiz e disseram estar felizes por ele ter lido as cartas e concedido a soltura.