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Quando foi abordado por policiais federais argentinos, numa rua do balneário de Mar del Plata, um ex-estudante de medicina de 24 anos usou seu nome falso. Com esse nome falso, ele tinha morado num hostel e conseguido trabalho, primeiro, em um restaurante do badalado bairro de Palermo, em Buenos Aires, e depois, ainda em fuga da polícia do Brasil e da Interpol, como garçom em Mar del Plata.
Nos seus dias na capital argentina, ele desfrutou dos parques da cidade e da conhecida Plaza Serrano, fez registros da sua nova vida nas redes sociais, deixando pistas para os investigadores, apesar do nome inventado. O ex-estudante de medicina já tinha sido procurado no Brasil, em Portugal e na Espanha, até que surgiram os "indícios cibernéticos" de que ele estaria em terras portenhas.
"Fizemos diligência em ambiente cibernético (rede social), cruzamos informações e aí pegamos indícios de que ele poderia estar em Buenos Aires", contou o superintendente de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí, Matheus Lima Zanatta. A investigação iniciada no Piauí incluiu a Interpol no Brasil e, na sequência, a Polícia Federal e a Interpol na Argentina.
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Na busca pelos rastros do ex-estudante, os policiais argentinos tinham encontrado, há dois meses, em Palermo, um brasileiro com as características que tinham sido enviadas do Brasil. Mas o nome do rapaz localizado era diferente - o nome falso que ele usava. Quando soube que tinha sido descoberto e que seu nome tinha aparecido na imprensa no Brasil, o ex-estudante fugiu para Mar del Plata. "Depois de Palermo, tivemos que recomeçar a investigação praticamente do zero", disse Zanatta. As investigações, incluindo o acompanhamento nas redes sociais, foram, então, intensificadas.
Na tarde de terça-feira (17/01), ao ser abordado numa via pública, perto de um shopping de Mar del Plata, o ex-estudante de medicina insistiu em usar o nome falso. Mas até que "caiu em contradição", como contaram os policiais. Ele admitiu ter sido estudante de medicina em Manaus, no Brasil, e confessou seu nome verdadeiro, e disse que era ex-morador de Teresina, no Piauí.Cabeludo, mais magro e com a barba crescida, o ex-estudante foi preso e levado para a delegacia da Polícia Federal da cidade. Ele deverá continuar preso até ser extraditado para o Brasil e levado pelos policiais federais brasileiros para a capital piauiense.
Ele não resistiu ao admitir ser quem de fato era e ao ser preso, segundo o delegado da Polícia Federal do balneário, Damián Stagliano. O delegado da Interpol Argentina, Diego Verdum, da divisão de fugitivos e extradições, disse que foram vários dias seguindo os passos do ex-estudante - e numa época em que Mar del Plata costuma estar lotada de turistas em busca de sol e de mar.
Num comunicado da Interpol, afirma-se que ele foi preso a pedido das autoridades judiciais brasileiras por "abuso de menores".
Abusos
A história que o envolve poderia até ter caído no esquecimento se "não fosse a decisão das mães das vítimas" de levar o caso adiante, como comentaram autoridades policiais do Piauí. Além da pressão quase diária pela solução do caso junto às autoridades de Segurança do Piauí, elas recorreram à imprensa do Estado e a veículos nacionais que informaram que o ex-estudante estava foragido.
O ex-estudante foi acusado de estupro de vulneráveis (crianças) contra duas irmãs suas - por parte de seu pai - e contra uma prima delas. As três ainda eram pequenas quando os episódios teriam começado e foram revelados quando a mais velha das três, que é a prima, tentou o suicídio, segundo disse em entrevista telefônica o advogado assistente de acusação Rodrigo Araújo, falando de Teresina.
"Ela, então, contou para a mãe que a primeira vez foi numa viagem da família ao Chile e que ela deveria ter cinco anos. Ela disse à mãe que sofreu os abusos durante mais de cinco anos. A mãe ligou [para o ex-estudante] em Manaus e ele respondeu no WhatsApp que era verdade e que se desculpava. Nós temos todas essas conversas", disse Araújo. Pouco depois, veio à tona que as irmãs dele - uma delas quase bebê - também foram abusadas. E, novamente, disse o advogado, [o ex-estudante] contou que tinha pedido desculpas e "que faria tudo para consertar o que fez".
As crianças passaram por exames psicológicos que confirmaram os abusos. Os abusos incluíram uma criança de três anos de idade, disse o advogado. Os atos eram praticados nos encontros familiares, quando o ex-estudante ainda morava com o pai e a mulher dele (mãe das duas irmãs dele), ou em eventos da família.
Ele foi condenado a 33 anos de prisão pelo abuso de uma das suas irmãs, que tinha nove anos quando a denúncia foi feita, e da prima, que tinha doze anos na época.
"Ele foi condenado, mas em primeira instância. E está recorrendo e nós vamos recorrer também. Essa história ainda não terminou, até porque queremos levar adiante o caso da criança (irmã menor dele) que sofreu os abusos quando tinha três anos", disse.
Em julho de 2021, as mães denunciaram o então estudante de medicina, que morava, na época em Manaus, na Delegacia de Proteção à Criança e à Adolescente (DPCA) do Piauí. Três meses depois, em outubro, a Justiça do Piauí determinou a prisão preventiva dele, após a ausência em várias audiências, segundo o superintendente de operações integradas da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, Zanatta.
Estima-se que, então, há pouco mais de um ano, ele tenha fugido logo depois e por terra, longe de controles limítrofes. "Nós, da nossa equipe, com Anchiêta Nery e Yan Rêgo Brayner (diretores das áreas de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Piauí), rastreamos como ele poderia ter saído do Brasil. Como o nome dele não apareceu nos controles da Polícia Federal de saída do país, começamos a desconfiar que ele poderia ter saído pela fronteira seca, passando pelo Paraguai para chegar a Argentina", disse.
Os passos seguintes foram "os indícios" que ele deixou nas redes sociais.
Assim que saiu a informação, nesta quinta-feira, sobre a prisão do ex-estudante, os portais de notícias da Argentina, a partir dos detalhes dos comunicados da Polícia Federal e da Interpol, passaram a chamá-lo de "depredador" e "monstro" em seus títulos.
Procurado pela reportagem, o advogado de defesa Samuel Castelo Branco disse que não poderia fazer comentários sobre a prisão do ex-estudante porque ainda não tinha entrado em contato com ele. "Qualquer declaração será após o encontro", disse.