O governo Lula (PT) declarou emergência em saúde pública no último dia 20, após o presidente receber imagens de indígenas com quadro de desnutrição grave. Ele fez uma visita a Roraima no dia seguinte, o que deu visibilidade à explosão de casos de desnutrição, doenças associadas à fome (como diarreia e infecções respiratórias) e malária.
Um comitê de coordenação para enfrentamento à desassistência sanitária na terra yanomami passou a funcionar, com convocação de profissionais da Força Nacional do SUS, voos diários da FAB (Força Aérea Brasileira) à região mais afetada -Surucucu, onde há um PEF (Pelotão Especial de Fronteira) do Exército- e ampliação do atendimento médico na unidade de saúde em Surucucu.
Nada disso intimidou a ação dos garimpeiros. São mais de 20 mil invasores, cuja presença foi estimulada e tolerada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) e por seu entorno militar. O governo Lula prometeu operações para a retirada dos garimpeiros, que operam a exploração de ouro com maquinário caro e pesado e com uma frota de aviões e helicópteros clandestinos.
Voos do garimpo
Segundo técnicos do governo federal que estão na terra indígena para ações voltadas aos yanomamis, todos os dias há 40 voos do garimpo, avistados a partir da região de Surucucu.
Além disso, equipes da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde, constataram a continuidade da operação dos garimpos e da cooptação de indígenas em algumas aldeias.
Em uma comunidade, onde a população e o garimpo já se confundem, técnicos da Funai constataram a ausência de crianças yanomamis, o que fez surgir a suspeita de que garimpeiros esconderam as crianças.
Também há relatos de abordagens de garimpeiros armados em unidades de saúde voltadas à saúde indígena. Eles buscam medicamentos que devem ser destinados aos yanomamis.
Em visita ao Hospital da Criança Santo Antônio em Boa Vista neste sábado (28), a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), presidente designada da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), ouviu relatos de profissionais de saúde sobre crianças levadas ao hospital por garimpeiros, o que demonstra o grau de cooptação em algumas comunidades.
A reportagem ouviu os mesmos relatos. Segundo esses relatos, garimpeiros levaram ao hospital, há poucos dias, duas crianças com malária. Eles deixaram os indígenas na unidade e fugiram do local.
Já o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami, responsável pelo transporte de pacientes da terra indígena a Boa Vista, já recebeu ligações de socorro feitas por indígenas de dentro de garimpos, com o uso da internet clandestina instalada por garimpeiros.
E também já foi necessário o pouso de aviões do distrito em áreas de garimpo de ouro, para socorro de indígenas. O entendimento de profissionais de saúde envolvidos é que a desistência do transporte, por se tratar de uma área de cometimento de crime, poderia configurar omissão de socorro.
Áreas garimpadas
Esses profissionais constataram um avanço expressivo das áreas garimpadas e uma maior quantidade de indígenas associada a esses garimpos, com impacto direto no modo de vida das comunidades.
Rios estão poluídos e têm uma água barrenta, viscosa, o que impede a pesca. As áreas de plantações são cada vez menores, o que alterou os hábitos alimentares e fez diminuir a disponibilidade de alimentos.
Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomamis morreram em 2022 em decorrência dos impactos do garimpo ilegal. As mortes ocorreram por desnutrição, diarreia, pneumonia e outras doenças, conforme a pasta. As crianças tinham entre um e quatro anos de idade.
Em menos de dois anos, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem 28 mil indígenas. Mais da metade das crianças está desnutrida, conforme o MPF (Ministério Público Federal). Em comunidades mais isoladas, o índice chega a 80%.