As chuvas de mais de 600 milímetros em apenas 24 horas que atingiram São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, levaram embora não somente casas, móveis e carros, mas também sonhos de famílias como a de Wagner de Oliveira, 30.
Morador da Vila Sahy, que fica na costa sul e foi um dos locais mais atingidos pelo temporal, Oliveira perdeu um filho de oito meses, que foi levado pela força da água. Sua outra filha, de 9 anos, está internada no Hospital Regional do Litoral Norte, em Caraguatatuba.
A mãe de Oliveira também sofreu ferimentos, assim como a sua esposa, que se encontra na Vila Sahy, ajudando no resgate de outras pessoas.
Oliveira, que conversou com a reportagem no entorno do hospital para onde os familiares estão se deslocando para reconhecer os corpos das vítimas, conta que tudo começou por volta das 17h de sábado (18), com tempo feio, mas a chuva mesmo teve início às 20h.
Leia Mais
Chuvas em SP: Bolsa Família será pago de forma unificada a vítimasTelefonema acorda e salva família de temporal em São PauloSão Sebastião, litoral de SP, tem ao menos 40 desaparecidos, diz TarcísioLitoral norte de SP: governo pede para que turistas deixem a regiãoCidade atingida por chuva transfere ossadas para abrir vagas em cemitério Mortes no litoral de SP chegam a 44 e buscas por sobreviventes continuamSP: repórter da Globo chora ao relatar ganância em tragédia do litoralMas foi na madrugada de domingo (19), por volta das 2h, que a história da vida da família mudou. A mãe de Oliveira o chamou novamente e disse que uma casa na vizinhança tinha caído.
"Quando me dei conta, nossa casa estava balançando e minha esposa gritava muito. Foi tudo muito rápido. Eu consegui pegar meu filho de 8 meses e entregar para a minha mãe, mas veio muita água e a lama. Ela não conseguiu segurar. Uma árvore atingiu a nossa e fez um buraco no quarto da minha outra filha. Foi por lá que eu consegui retirá-la."
Chorando, ele contou à reportagem a conversa que teve com a esposa em meio ao caos. "Minha esposa me disse que já tinha perdido um filho e não queria perder outro . Conseguimos salvá-la, mas ver meu filho de 8 meses morto em meus braços foi muito difícil."
Oliveira, que estava acompanhado de uma psicóloga que prestava assistência para as famílias das vítimas das chuvas, disse que o número de mortos ainda vai crescer muito em São Sebastião. "Perto de casa, tinha uma residência com mais ou menos 30 pessoas. A casa estava alugada para o Carnaval. Falam em 37 mortos , mas esse número é só na Vila Sahy", afirmou.
Para se deslocar até o hospital, usou helicóptero, único meio em que era possível sair do local no momento.
Mesmo tendo perdido o filho, ele ainda teve forças para auxiliar nos trabalhos de buscas após conseguir salvar a filha, a mãe e a esposa.
"Nessa casa que estava alugada, eu escutei uma mulher pedindo socorro, mas não consegui chegar muito perto. Estava escuro e tinha muita lama. Tem muita gente embaixo dos escombros", afirmou.
Nas proximidades do hospital, a cena comum é de encontrar muitas pessoas chorando. São familiares que perderam parentes durante as chuvas ou pessoas buscando por pessoas desaparecidas.
BLOQUEIO
Chegar até o local em que estão sendo reconhecidos os corpos não é uma tarefa fácil. Havia bloqueios em todas as ruas próximas ao hospital, na região central do município, na tarde desta segunda-feira (20).
Só estão autorizados familiares das vítimas, carros oficiais e autoridades. O tempo nublado e o barulho dos helicópteros deixam o clima ainda mais tenso.
Há grande movimentação também no cemitério municipal, a cerca de 300 m do hospital.
São Sebastião vive uma tragédia ainda sem precedentes. Além de 45 mortes já confirmadas, há dezenas de desaparecidos.
A Prefeitura de São Sebastião decretou luto oficial de sete dias em razão das fortes chuvas que atingiram o município no último final de semana. A programação de Carnaval foi cancelada.
Na manhã desta segunda, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), para tratar da situação. Lula pediu o fim de construções em encostas de morros.
Além do bairro em que Oliveira morava, Juquehy foi muito afetada e a região ficou isolada devido a quedas de barreiras e deslizamentos na Rio-Santos, única via de acesso.
Os serviços de água, luz e telefonia estão comprometidos em razão de queda de postes, além do carreamento de sedimentos para estações de tratamento de água, comprometendo sua qualidade.