"Aqui na casa estavam meu padrasto, minha mãe, minha irmã e sobrinha, que um dia antes fez 9 anos", relata o mecânico Allan Bruno Benício de Siqueira, 31. Ele segura um telefone celular e uma carteira de documentos enlameados. Os objetos foram encontrados na viela íngreme no sopé da encosta que desabou sobre a vila do Sahy, em São Sebastião, no último domingo (19). "É ela sim", disse, ao reconhecer a foto que estava na carteira da mãe.
Da casa mencionada pelo mecânico, sobraram as colunas de concreto que sustentavam o portão por onde dezenas de pessoas entravam para retirar lama e entulho em busca de vítimas. Moradores afirmam haver cerca 30 soterrados somente naquele local, incluindo a família de Siqueira, que não havia sido encontrada até a tarde desta quarta-feira (22). "Perdi quatro entes meus aqui."
Siqueira mora no mesmo bairro. Deixou a casa da mãe há pouco tempo, pois cedeu o quarto onde dormia para a irmã. Na noite de sábado (18), véspera da tragédia que provocou dezenas de mortes no litoral norte de SP, ele pretendia ir à residência para alimentar os cães da família.
Leia Mais
Marina pede estado de emergência permanente para litoral norte de SPChuva em SP: Governo de Minas vai enviar 3 mil cestas básicas às vítimasGoverno de SP é autorizado a retirar à força pessoas em áreas de riscoSaiba quem são as vítimas da tragédia no litoral norte de São Paulo"Eles moravam aqui...", disse Siqueira, em voz baixa, fazendo uma pausa antes de prosseguir com o relato.
"Há três dias minha avó sofreu um AVC e socorreram ela para o hospital em São Sebastião. Neste sábado, minha mãe estava vindo de lá, com minha irmã. Minha tia foi para ficar no lugar delas. Era perto das 20h. Já estava chovendo. Eu estava na casa de uns amigos", disse.
"Liguei para minha mãe e falei: estou indo aí para fazer a comida dos bichos. Ela falou que não precisava. Aí eu fiquei em paz", contou. "Como nunca deu problema, a gente não imaginou isso. Nem eles. Acho que nem tentaram sair."
Na manhã seguinte, o mecânico acordou cedo para ver a mãe antes que ela partisse para passar o dia com a avó no hospital. Estranhou mensagens de conhecidos perguntando sobre a família. "Respondi que não sabia de nada."
"Quando cheguei aqui fiquei sabendo que tinha perdido os quatro da minha família. Era para eu estar aqui também. Mudei há pouco tempo. Minha irmã veio ficar no meu lugar, no meu quarto, foi onde eu perdi ela também. É isso."
A tragédia em São Sebastião já deixou mais de 40 mortos, a maioria em São Sebastião. A prefeitura montou uma estrutura no centro histórico do município para a realização de velórios coletivos.