Jornal Estado de Minas

Economia

Colheita de uva no RS era feita em regime de trabalho análogo à escravidão


Resgatados em uma operação mobilizada por MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), MPT-RS (Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal na noite de quarta-feira (22/2), os homens que trabalhavam na colheita da uva em Bento Gonçalves (RS) em regime análogo à escravidão relatam ter sido enganados e submetidos a uma rotina de exploração e horrores.





Desde o resgate pelas autoridades, eles foram alojados no ginásio municipal da cidade turística da serra gaúcha, onde seriam identificados para, segundo o MTE, receberem o pagamento da empresa que os contratou, os respectivos valores referentes a direitos trabalhistas e transporte de volta para casa. Eles também receberão três parcelas do seguro desemprego.


A maior parte dos homens eram conhecidos uns dos outros e moravam em Salvador (BA). Segundo o MPT-RS, foram 192 homens resgatados com idades entre 18 e 57 anos e tinham, a maioria, entre 20 e 39 anos.


No ginásio, eles relataram terem sido ludibriados com propostas de emprego temporário com pagamento de R$ 4 mil, alojamento e refeições. Alguns receberam a proposta encaminhada por redes sociais por parentes e conhecidos. Outros teriam sido aliciados.





Desde a chegada, no início de fevereiro, eles se viram alojados em quartos apertados em uma pousada no bairro Borgo e submetidos a uma rotina de trabalho diário das 5h às 20h na colheita da uva, com folgas somente aos sábados.


Os trabalhadores relataram ser vigiados e intimidados por seguranças armados, o que incluía serem retirados da cama com uma arma de choque e constantemente xingados por serem baianos. Eles contaram ainda que a comida oferecida era estragada e, caso quisessem comprar outros alimentos, só poderiam fazê-lo em um mercadinho a poucos metros dali, que praticava preços superfaturados. Nesse caso, o valor seria descontado do valor da remuneração ao final do trabalho.


Caso quisessem deixar o local, eram impedidos pelos seguranças por estarem em dívida com o empregador pelo alojamento e pelo transporte. O somatório das práticas levou o MPT-RS a classificar a prática como um caso análogo à escravidão e a operação que as interrompeu como um resgate.





O caso foi descoberto quando seis homens conseguiram fugir. Três foram a Caxias do Sul e três para Porto Alegre, cidades em que procuraram a Polícia Rodoviária Federal e denunciaram o caso.


O empresário Pedro Augusto Oliveira Santa, responsável pelas empresas Fênix Serviços de Apoio Administrativo e Oliveira & Santana, foi preso e libertado mediante pagamento de fiança de R$ 39.060.


Conforme os trabalhadores relataram aos investigadores, eles prestaram serviços a três vinícolas locais: Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. Conforme o MPT-RS, após o pagamentos aos trabalhadores das verbas rescisórias e do transporte para a cidade de origem, a instituição vai trabalhar na responsabilização da cadeia produtiva.


Em nota de esclarecimento à imprensa, a Fênix declarou que "os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial".


A vinícola Aurora, também por meio de nota à imprensa, disse que "se solidariza com os trabalhadores e reforça que não compactua" ao que eles foram submetidos. Segundo o texto divulgado, a vinícola contrata, no período sazonal da colheita, "trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão de obra na região" e que repassava R$ 6.500 à terceirizada por mês por cada trabalhador.





A Cooperativa Garibaldi, em nota, disse que desconhecia a situação relatada e que, diante do apurado, encerrou o contrato com a empresa para a prestação de serviço de descarregamento de caminhões, mas que "seguia todas as exigências contidas na legislação vigente".


O texto diz ainda que a cooperativa "reitera seu compromisso com o respeito aos direitos –tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos".


Já a Salton, também em nota, disse que "a empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos manejados por equipe própria", mas que tinha contrato com sete trabalhadores da empresa em cada turno para o descarregamento de carga. Diante do relatado pela imprensa, disse que "não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo".


O caso em Bento Gonçalves levou a Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura) a emitir nota dizendo não tolerar, "sob qualquer circunstância, as condições de trabalho e de habitação oferecidas por esta empresa prestadora de serviço".


A entidade admitiu que, embora as vinícolas não fossem as empresas empregadoras, "existe amplo consentimento de que a cadeia vitivinícola deve ser mais vigilante e austera com relação à contratação de serviços terceirizados." A Uvibra também se colocou à disposição para participar de um colegiado com autoridades e sindicatos para fiscalizar a questão dos serviços temporários.