Crianças brincam na porta da Escola Municipal Henrique Tavares de Jesus, em São Sebastião, na noite de sábado (25). Em um cartaz nas paredes do local, os horários das refeições são claros: café da manhã às 7h, almoço às 12h, café às 15h e jantar às 19h.
Ao lado, folhas de papel sulfite dividem as salas de aula. Na sala 8, são 19 pessoas e dois cachorros; na sala 5, são 11, mais um cachorro e um gato; na sala de vídeo, 17 pessoas. É ali que cerca de 200 pessoas desabrigadas devido às fortes chuvas da semana passada no litoral norte paulista se refugiam.
Nas salas de aula, famílias ficam juntas a outras, com crianças e animais de estimação. Na escola, há ainda um posto de saúde para a população e refeições. Em colchões no chão, as pessoas se alojam, e as carteiras são usadas para as famílias guardarem o pouco que restou do desastre.
Enquanto alguns aproveitam a noite para jantar, outros descansam ou carregam seus telefones celulares. Pais pedem que os filhos tomem banho e coloquem um pijama. A trágica noite que matou ao menos 65 pessoas e o desenrolar dos acontecimentos permeiam as rodas de conversas.
Quando a reportagem esteve no local, voluntários passavam nos quartos para oferecer roupas íntimas para os desalojados, que podiam escolher por tamanho e cores diferentes. Enquanto isso, outra pessoa passava pelas salas para fazer a contagem dos presentes no local.
Aos 19 anos, a empregada doméstica Camile Eduarda estava na casa da tia. No meio da noite, ela lembra que foi acordada pelo estrondo da casa vizinha que desabou durante as fortes chuvas. Ela conseguiu salvar alguns itens que a água não levou, como fogão, máquina de lavar e televisão.
Agora divide a sala com outras 19 pessoas. "A gente arrumou hoje de manhã, mas tá tudo bagunçado, nem parece que arrumamos", comenta. Ela afirma que os últimos dias "tem sido caóticos, com muita briga e nervoso". "Mas, conseguimos abaixar um pouco a poeira e as coisas estão mais tranquilas."
Mãe de uma menina de três anos, ela está no mesmo quarto que os primos, o irmão e o pai. A filha, porém, foi para Boraceia junto com a avó para passar uns dias. "Ela estava morrendo de medo, pulou da cama comigo [no dia da tragédia]. Começamos a chorar e gritar muito e ela ficou com medo. Por isso, mandei ela um pouco para lá para distrair a mente."
Nos próximos dias, a filha deve voltar para ficar com a mãe no alojamento. "Ela volta e fica comigo até arrumarmos um lugar para ir", diz Camile, ainda sem saber deve firmar residência depois que sair do alojamento. "Não sabemos para onde vamos e é sobre isso. Talvez para São Paulo, Bahia, vamos ver."
Na sala ao lado, a aposentada Maria Aparecida dos Santos, 57, fuma um cigarro ao lado da gata de estimação. "A mesma água que matou o neto da minha vizinha e era para levar a gente foi o que nos salvou e nos puxou para uma área protegida", rememora Maria, que estava dormindo durante a chuva e tem vagas lembranças da noite, como um clarão, pessoas pedindo socorro e troncos de árvores.
Maria não conseguiu salvar nem os documentos. "Eu pensei 'que se vá', não tenho nem saúde mesmo. Só me restou a vida, graças a Deus", afirma ela, que tem um filho que também conseguiu ser socorrido. Quando conseguiu sair da Vila do Sahy, o filho de Maria Aparecida perguntou: "E para onde é que a gente vai?. Ela respondeu: "E eu que sei? Achei que tivesse sonhando com o que aconteceu".
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No mesmo colchão, o vizinho e ajudante de obras Josimar Germano de Oliveira, 32, afirma que demoraram alguns dias para ele entender que o desastre era real. Durante as fortes chuvas, ele tentou ajudar a resgatar pessoas e acabou ferindo o pé. "Parece história de filme. Tenho certeza que só estamos vivos porque Deus nos permitiu."
Ele afirma que demorou alguns dias para entender e absorver tudo que tinha acontecido com sua vida. "Levantava na loucura achando que era um sonho", lembra ele, que retornou algumas vezes até sua casa para ver como ficou. "Não dá para dizer que aqui está ruim. Temos tudo aqui, mas o que seria bom mesmo era ter a minha casa."
As buscas na Vila Sahy foram interrompidas na tarde deste domingo (26), após a equipe de resgate encontrar o 65º corpo de uma mulher que estava sob os escombros. Ela era a última pessoa considerada desaparecida e, ao menos por enquanto, as buscas na Barra do Sahy foram encerradas.
O grupo de resgatistas passou sete dias cavando na lama, que destruiu casas e invadiu ruas após a chuva histórica. Segundo os bombeiros que atuam na região, buscas também foram encerradas em Juquehy, mas continuam na região da Baleia Verde.
Pelo último balanço do governo do estado, há 1.090 desalojados e 1.172 desabrigados.