A Polícia Federal investiga o caso de uma indígena de 21 anos que estaria sendo mantida em condições análogas à escravidão em Sorocaba (a 99 km de São Paulo). A jovem trabalharia como babá da filha de nove anos de um casal. Um inquérito foi instaurado e os suspeitos, que estão em liberdade, ainda serão ouvidos pela PF.
A polícia não informou oficialmente o nome do casal nem de seu advogado de defesa. A reportagem, no entanto, obteve o contato do suspeito e o procurou por telefone. O homem disse apenas que não se manifestaria e desligou.
Segundo o chefe regional de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, Ubiratan Vieira, o casal confessou aos fiscais do órgão que a jovem trabalhava sem descanso com acomodação precária e descontos no salário.
Eles assinaram um termo de ajustamento de conduta. Entre os itens acordados, estão o pagamento inicial de R$ 20 mil à vítima, em dez dias, pelos direitos trabalhistas.
A advogada Emanuela Barros, que representa a indígena, obteve na Justiça uma medida protetiva de urgência para que o casal não se aproxime da jovem, que por ora foi acolhida por uma ONG.
À reportagem, por telefone, a indígena disse que dormia em um colchão no chão em um quarto com brinquedos e que fazia jornadas sem folga. Ela diz ter sido impedida pelo casal de iniciar um estágio em um curso na área de enfermagem frequentado por ela.
Ela afirma que a mulher havia lhe dito que pagaria R$ 700 por mês.
A jovem vivia na aldeia indígena Cartucho, no Amazonas. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, ao buscar trabalho na cidade de São Gabriel da Cachoeira, soube por meio de um anúncio no Facebook uma pessoa buscando uma funcionária sem experiência.
Ela foi a Manaus e de lá voou para Campinas, onde foi recebida pelo casal. Os custos da viagem foram pagos pelos patrões.
Ainda segundo o órgão, o combinado seria a jovem receber um salário mínimo pelo trabalho de babá, mas, desde a chegada, foram descontadas as despesas da viagem. Depois, R$ 350 foram deduzidos do pagamento, sob a justificativa de o casal ter comprado um celular para a babá.
Depois que a indígena começou a fazer o curso da área de enfermagem, pago pelos patrões, ela diz que passou a receber apenas R$ 5 (resultado do desconto das mensalidades).
A jovem trabalhou na casa sem registro e sem nenhum recolhimento de previdência social desde 14 de agosto de 2021, segundo o órgão.
O delegado Márcio Magno disse que foi determinada a instauração do inquérito policial e nos próximos dias o casal suspeito deve ser ouvido.
Além das irregularidades trabalhistas, a indígena afirmou à reportagem também ter sido vítima de assédio por parte do empregador, e disse que era vigiada por câmeras.
Uma amiga da jovem fez a denúncia da situação ao Conselho Tutelar, que acionou o Ministério do Trabalho e Emprego. No dia 10, fiscais do órgão estiveram no imóvel do casal para intimá-los.
A advogada da jovem disse que ela só teve dimensão das condições em que vivia depois que começou a estudar, e que ela não seria a primeira indígena que o casal suspeito contratou.
"A mulher investigada é da mesma região do Amazonas. Não é a primeira pessoa que eles contratam para trabalhar nessa situação. É um casal que tem bom nível social e que trabalha em áreas em que é necessário conhecimento. Não poderiam agir de forma como se desconhecessem a lei", disse Barros.
Segundo Ubiratan Vieira, do ministério, deverá ser investigada a possibilidade de tráfico de pessoas.
"Falta de registro de empregados, o não-pagamento de pelo menos um salário mínimo integral, trabalho análogo à escravidão, assim como tráfico de pessoas. Se condenados, a pena pode chegar a até oito anos de reclusão em regime fechado", afirma Vieira.
Ainda de acordo com o chefe de fiscalização, este é o primeiro caso registrado em Sorocaba de trabalho análogo à escravidão envolvendo indígenas. Ele suspeita que a prática seja comum e que pode estar se repetindo em condomínios da cidade.
"Oficializamos à Polícia Federal para que eles tomem as providências na área penal com relação a esse caso, que é gravíssimo. Vamos fazer mais campanhas para que mais pessoas denunciem. Já é de conhecimento da gente que em muitos condomínios de alto padrão existem outras indígenas que foram trazidas para trabalhar", disse.