Era Natal de 2018 e a influenciadora digital Raylla Fachin da Silva, hoje com 18 anos, passava a data comemorativa em um sítio em São Lourenço do Oeste, no Estado de Santa Catarina, com o ex-namorado e a família dele.
Durante uma brincadeira de tiro ao alvo com um grupo de amigos, a jovem foi atingida no rosto por um disparo acidental feito por seu ex-namorado com uma espingarda de chumbinho – equipamento normalmente usado para caça de pequenos animais ou prática esportiva, com projéteis de chumbo impulsionados por ar comprimido, com venda autorizada no Brasil.
"Na hora eu não percebi que o tiro havia pegado em mim. Senti apenas uma dor de cabeça muito intensa e quando coloquei a mão no meu rosto percebi que meu olho estava sangrando. Deitei no chão e vi que poderia ter acontecido algo mais grave porque foi aquela correria para me levar ao hospital", conta Raylla.
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Ataque de aluno mata professora e deixa cinco feridos em escola de SPVídeo mostra autor de ataque em escola sendo imobilizado por professoraProfessora assassinada era ativista e defensora da ciênciaComo identificar 5 planetas em fenômeno no fim de março'Confusão de sentimentos', diz professora que imobilizou autor de ataqueEstudantes fazem vigília na escola onde professora foi mortaForam 11 dias de internação e Raylla precisou passar por uma cirurgia para a retirada do globo ocular esquerdo.
O projétil ficou alojado na cabeça da jovem e, segundo os médicos, por 2 mm não atingiu as meninges (membranas que revestem o sistema nervoso e a medula), o que teria levado a influenciadora a morte.
"A bala ficou alojada e não é recomendado retirar porque na cirurgia posso ter complicações neurológicas e comprometer funções como a fala e os meus movimentos. Para mim, eu sou um verdadeiro milagre", diz a influenciadora.
Moradora de Santa Isabel do Oeste (PR), a jovem faz tomografia todos os anos para acompanhar a posição do projétil e verificar se ele não está se deslocando.
Prótese ocular
No ano seguinte, como presente de 15 anos, Raylla colocou sua primeira prótese ocular. Feita sob medida, a prótese não faz com que a jovem volte a enxergar do lado esquerdo, mas ajuda em sua autoestima.
"Eu usava tampão encobrindo o olho para sair de casa e as pessoas ficam me olhando. Eu sofri muito preconceito por ter perdido o olho, situações que até hoje eu não gosto de lembrar e comentar", diz.
Por ser monocular (que possui apenas um olho), Raylla diz que precisa tomar alguns cuidados, como higienizar bem a região do olho e evitar ambientes com muita poeira ou areia. No mais, ela diz levar uma vida como qualquer garota da sua idade.
Atualmente, Raylla usa as redes sociais para tentar diminuir o preconceito contra pessoas monoculares. Com vídeos divertidos, ela responde de forma bem-humorada as dúvidas dos seus 2,9 milhões de seguidores no TikTok.
"Muita gente tem curiosidade, então eu faço vídeo tirando a prótese para mostrar que meu rosto é bonito sem ela também. Que apesar de eu não ter um olho, não fica um buraco horrível no rosto, como muita gente pensa. Tento responder de forma divertida para encorajar outras pessoas a se mostrarem também e acabar com o preconceito", diz.
Raylla tem cinco próteses e alterna o uso entre elas. Algumas se assemelham à cor natural do seu olho, já outras são coloridas, o que, segundo ela, chama ainda mais a atenção para o tema.
"As pessoas adoram quando eu uso uma lente diferente e até pedem para que eu use mais. Hoje eu me divirto por ter várias opções de 'olhos', acredito que é uma forma de deixar a situação mais leve", acrescenta.
Como é feita a prótese
A prótese ocular, popularmente conhecida como olho de vidro, é confeccionada em resina acrílica, seguindo o modelo do olho do paciente.
Elas não devolvem a visão, mas são essenciais na recuperação psicológica, da autoestima, e no convívio social de pessoas que nasceram com a deficiência ou que perderam um olho.
"O formato é parecido com uma concha e fica por dentro das pálpebras. Essa pintura é feita à mão e personalizada para que fique o mais similar possível ao outro olho do paciente", explica Murilo Alves Rodrigues, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.
Além das questões estéticas, a ausência do globo ocular causa atrofia da pálpebra, fazendo com que o olho fique cada vez mais fechado e com o tempo perca seu movimento.
Assim, o uso de prótese faz com que a musculatura da pálpebra seja preservada, fazendo com que a pessoa pisque normalmente.
"Apesar de o paciente sentir um leve desconforto inicial, a adaptação à prótese é tranquila e, com o passar dos dias, o usuário praticamente não sente nada. É possível dormir com ela e retirá-la a cada uma ou duas semanas para que possa ser feita a higienização. O uso de colírio lubrificante continuamente também é indicado", acrescenta Rodrigues.
E os cuidados com a prótese, a higienização dela e da área dos olhos são essenciais para evitar alergias e até mesmo infecções.
É necessário que o paciente sempre tome cuidado com a pálpebra e cílios, fazendo a higienização correta deles também. Além de manter o acompanhamento com oftalmologista, principalmente em caso de desconfortos.
"Sempre que precisar retirar a prótese, a pessoa deve lavar bem as mãos e a prótese deve ser lavada com água filtrada e sabão neutro. Deve-se evitar usar água de torneira, que pode ser contaminada", explica o oftalmologista Emerson Fernandes, do Hospital Sírio-Libanês.
"Não deve usar álcool ou produtos de limpeza doméstica que podem prejudicar a prótese. Após a limpeza, deixar secar ao ar livre e evitar secar com toalhas ou tecidos, pois, além da contaminação, podem sobrar pedaços de algodão que vão machucar os olhos".
E se engana quem pensa que as próteses oculares são todas iguais. Segundo os especialistas existem três principais tipos de prótese. Sendo elas:
- Prótese ocular – Recomendadas quando há a retirada integral do globo ocular, com uma grande profundidade para preencher – geralmente ela é feita com 4 ou 5 milímetros de espessura.
- Lente semiescleral – Usada tanto nos casos de remoção completa do globo ocular ou nos que houve atrofia do olho. Essas lentes são menores, mais finas (2 ou 3 mm) e mais leves.
- Lente escleral – Indicada em casos de atrofia ocular, mas o paciente ainda tem a órbita ocular preenchida. Esse tipo de lente é bem fina e ajuda a devolver o volume natural aos olhos.