Brasília, DF — “Nós somos esquecidos”. Essa frase é de Aliene Barbosa e Silva, 43 anos, presidente da Associação de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia e convidada especial do lançamento da edição de 2023 da campanha “Eu viro Carranca para defender o Velho Chico”, realizada nessa terça-feira (18/4), na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).
O evento teve a participação de membros da Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e representantes dos povos da bacia, além da presença de deputados que farão parte da Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco, que teve sua criação também anunciada nesta terça.
Aliene Silva e os outros representantes dos povos tradicionais da bacia do Rio São Francisco presentes no evento lutam diariamente pela sobrevivência das águas do maior rio inteiramente brasileiro e de suas comunidades.
O evento teve a participação de membros da Diretoria Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e representantes dos povos da bacia, além da presença de deputados que farão parte da Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco, que teve sua criação também anunciada nesta terça.
Aliene Silva e os outros representantes dos povos tradicionais da bacia do Rio São Francisco presentes no evento lutam diariamente pela sobrevivência das águas do maior rio inteiramente brasileiro e de suas comunidades.
O“Velho Chico”, como é carinhosamente chamado o Rio São Francisco, percorre 2.863 km passando pelos estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal. Mas, apesar de sua imponência, a degradação de sua bacia e o descaso com os seus povos tradicionais são motivo de preocupação.
Entre essas comunidades banhadas pelo rio, estão quilombolas, indígenas, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais, ribeirinhos, sertanejos, vazanteiros, caatingueiros, geraizeiros, extrativistas, ciganos e povos de terreiros. Para se ter ideia, nos últimos 30 anos, a bacia federal do rio sofreu diminuição global de 15% na área ocupada por suas águas.
Para auxiliar nessa luta, foi criado em 2001, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), que tem por finalidade realizar a gestão descentralizada e participativa dos recursos hídricos da bacia, na perspectiva de proteger os seus mananciais e contribuir para o seu desenvolvimento sustentável.
Campanha de 2023
A campanha de 2023 tem como principal objetivo dar visibilidade aos povos tradicionais da bacia. O comitê exige a criação de novas políticas públicas para as comunidades tradicionais que, de acordo com o movimento, viveram dentro um processo histórico de condições de desigualdade, isolamento geográfico e/ou cultural, tendo pouco acesso às políticas de cunho universal.
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Ainda segundo ele, a campanha pode representar um avanço na luta pelo rio. “Esperamos que o lançamento dessa campanha, sinalizando a valorização dos povos indígenas e dos povos tradicionais, possibilite a construção dessa política permanente, que possa, de fato, trabalhar na perspectiva de avançar na pauta de empoderar esses povos”.
O representante dos povos indígenas destacou, ainda, que os povos da bacia do Rio São Francisco exercem, por natureza, uma função de preservação ambiental, tendo uma relação de reciprocidade com o “Velho Chico”. “Existe uma relação espiritual com o rio. Nós sabemos que as águas do rio são águas encantadas. Eu sou de um clã que é das águas, então a gente tem relação direta, tem rituais, festejos, voltados a esses encantos das águas. Nossa relação vai além de ter as águas do Rio São Francisco como um meio de sobrevivência. É algo que alimenta a própria etnicidade de cada segmento tradicional que existe ao longo da bacia”, explica.
Busca por recursos
O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Maciel Oliveira, citou alguns dos pontos de atenção nos processos de revitalização do “Velho Chico”. Para ele, o principal é o risco de uma crise hídrica. O saneamento básico também foi apontado como prioridade.
“Mais de 20 milhões de pessoas dependem das águas do rio. Precisamos melhorar, mas para isso precisamos de recursos. O Comitê tem feito sua parte, buscando fazer projetos e ações em toda a sua extensão, mas precisamos de mais. Precisamos que os estados, municípios e Governo Federal façam sua parte”.
“Mais de 20 milhões de pessoas dependem das águas do rio. Precisamos melhorar, mas para isso precisamos de recursos. O Comitê tem feito sua parte, buscando fazer projetos e ações em toda a sua extensão, mas precisamos de mais. Precisamos que os estados, municípios e Governo Federal façam sua parte”.
Segundo Maciel, a escassez de recursos é uma das principais dificuldades enfrentadas pelo CBHSF. Em função disso, o comitê defende a aprovação de um Projeto de Lei que crie uma frente e um fundo permanentes em defesa do Rio São Francisco.
“Nós precisamos ter um programa de revitalização estruturado, com fontes de recursos garantidos, como um projeto de Estado e não como um projeto de governo, para que não haja descontinuidade, para que um governo saia e o outro não deixe de fazer”, opina.
“Nós precisamos ter um programa de revitalização estruturado, com fontes de recursos garantidos, como um projeto de Estado e não como um projeto de governo, para que não haja descontinuidade, para que um governo saia e o outro não deixe de fazer”, opina.
Violência
De acordo com Aliene Barbosa e Silva, “sangue humano tem sido derramado no Oeste da Bahia em nome de um desenvolvimento que está acabando com as comunidades tradicionais”. Ela conta que há um alto índice de violência em sua região desde a chegada do “Matopiba”, que é uma região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, para onde a agricultura se expandiu a partir da segunda metade dos anos 1980.
“Os conflitos são muito grandes na região e as comunidades estão sofrendo muito com isso. O Matopiba quer devastar os últimos cerrados que estão em pé nesta região. É uma agressão muito grande contra nós, povos tradicionais. O Oeste da Bahia é um ponto estratégico, onde tem duas bacias que alimentam o Rio São Francisco”, explicou Aliene.
“Nós somos esquecidos pelos governos. Na região Oeste, é mais vista a questão dos commodities e não as comunidades. Nós vivemos por trás. Com essa Frente Parlamentar nós esperamos que nossas lutas, anseios, o sofrimento das comunidades seja revisto”, desabafou Barbosa e Silva.
Maciel Oliveira reforçou os relatos de violência e condenou os atos praticados contra as comunidades tradicionais. “Lá no Oeste da Bahia está acontecendo um massacre dos povos tradicionais da bacia. A disputa está sendo à mão armada. Quatro representantes foram ‘atirados’ na semana passada. Isso é muito grave”.
Degradação do “Velho Chico”
Apesar da gravidade da situação relatada, a violência não é o único problema de quem lida com o Rio São Francisco. A degradação da bacia prejudica quem depende do rio para os muitos de seus usos, visto que suas águas são utilizadas para abastecimento urbano, para os setores industrial, de geração de energia, irrigação, navegação, pesca e aquicultura, além de turismo e lazer.
O deputado federal Pedro Campos (PSB-PE), que faz parte da Frente Parlamentar em Defesa do Rio São Francisco, apontou a situação do saneamento básico como um dos maiores problemas, tanto na questão ambiental, como social.
“Hoje 40% das pessoas que vivem na bacia do São Francisco ainda não têm acesso ao esgotamento sanitário. Isso faz com que praticamente uma transposição do ‘Velho Chico’ de esgoto não tratado seja jogada dentro do rio. Isso é preciso ser visto para além da saúde do rio, a saúde destas pessoas, que estão lá hoje dependendo desses investimentos”.
“Hoje 40% das pessoas que vivem na bacia do São Francisco ainda não têm acesso ao esgotamento sanitário. Isso faz com que praticamente uma transposição do ‘Velho Chico’ de esgoto não tratado seja jogada dentro do rio. Isso é preciso ser visto para além da saúde do rio, a saúde destas pessoas, que estão lá hoje dependendo desses investimentos”.
Já o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG), ressaltou a necessidade de revitalizar o “Velho Chico”. “Temos que recuperar, melhorar, fortalecer, o que de melhor o rio tem para oferecer. Nós temos condição de produzir mais água. Se a gente recuperar essa estrutura, nós teremos mais outorga, mais produção, mais vida, mais peixe”.
Lucas Ramos (PSB-PE), também deputado federal, afirmou que a luta pela recuperação do “Velho Chico” será prioridade absoluta dos parlamentares envolvidos na Frente. “A preservação do Rio São Francisco passa pela responsabilidade da gente produzir saneamento. De tratarmos a água e o esgoto antes que eles voltem para os nossos mananciais. Eu vou enfrentar, virando carranca, e defendendo os interesses da população”.
Minas Gerais
Altino Rodrigues, 61 anos, é coordenador da Câmara Consultiva Regional do Alto São Francisco, que compreende Minas Gerais, Distrito Federal, Goiás e parte da Bahia, classificou Minas como uma das partes mais importantes da revitalização do rio.
“Ele nasce em Minas e seu maior caudal é oriundo de Minas Gerais, que contribui com cerca de 70% disso. E nós temos parte desse território já comprometido pela grande demanda que existe de pressão econômica do agronegócio e da mineração, além da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em especial, que põe uma pressão em cima do esgotamento sanitário em dois importantes afluentes, que são os Rio das Velhas e Rio Paraopeba”.
“Ele nasce em Minas e seu maior caudal é oriundo de Minas Gerais, que contribui com cerca de 70% disso. E nós temos parte desse território já comprometido pela grande demanda que existe de pressão econômica do agronegócio e da mineração, além da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em especial, que põe uma pressão em cima do esgotamento sanitário em dois importantes afluentes, que são os Rio das Velhas e Rio Paraopeba”.
Ele contou que o Comitê busca resgatar o diálogo com autoridades locais e que este possui um plano diretor que norteia as ações apresentadas. Altino demonstrou otimismo com as parcerias firmadas.
“Hoje nos aproximamos muito do órgão gestor, que é o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), e há uma visão que há a necessidade de integrarmos essas ações, não só com estado de município, como também por parte do Comitê. Hoje estamos conversando com mais afinidade e promovendo essa sinergia nas ações, tanto na área de saneamento, quanto na área de revitalização”.
“Hoje nos aproximamos muito do órgão gestor, que é o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), e há uma visão que há a necessidade de integrarmos essas ações, não só com estado de município, como também por parte do Comitê. Hoje estamos conversando com mais afinidade e promovendo essa sinergia nas ações, tanto na área de saneamento, quanto na área de revitalização”.
O deputado federal Paulo Guedes revelou as negociações que serão realizadas com o governo de Romeu Zema (Novo) em relação a revitalização do Rio São Francisco. “Nós vamos ter esse diálogo e vamos cobrar, na hora que tiver que fazer as cobranças, exigir as contrapartidas, da mesma forma que iremos cobrar aqui do Governo Federal. Esse é um assunto que une a bancada.
Ele contou ainda que haverá movimentações para fazer com que parte do dinheiro do acordo decorrente do rompimento da barragem da Samarco em Mariana seja utilizado na recuperação do “Velho Chico”. “Nós vamos fazer as pressões necessárias para sermos ouvidos, quando se trata principalmente, por exemplo, da questão da utilização dos recursos do desastre de Mariana. Em Brumadinho houve todo esse acordo e pouco se investiu na revitalização do Rio São Francisco. Como esse assunto volta agora para o Governo Federal, nós vamos estar colocando isso na pauta”.
Próximos passos
Os próximos passos da Frente Parlamentar passam pela instalação do grupo de trabalho que, de acordo com o deputado Paulo Guedes, deve ocorrer no início do próximo mês de junho. “Nós estamos juntando uma série de ideias e projetos que vem dos parlamentares de cada estado, para que a gente possa criar um plano de desenvolvimento”.
“O desenvolvimento precisa caminhar com o que pensa toda a população. Não é só o que um segmento quer. A gente tem que ouvir todos os segmentos. Ouvir quem quer investir. Tudo isso tem que ser pensado em um conjunto de ações. Esse conjunto de ações passa por um desenvolvimento, mas passa também por uma política séria de revitalização”, opinou Paulo Guedes.
O deputado federal Pedro Campos também comentou sobre as ações da Frente Parlamentar. Ele afirmou que até a implantação, o espaço será preenchido pelo diálogo. “Os coordenadores regionais vão ajudar com as questões locais do rio, o próprio Comitê tem suas divisões. Isso nos ajuda a olhar o ‘Velho Chico’ com seus desafios que vão mudando ao longo do rio”.
Segundo Campos, essas informações irão, a partir da discussão, virar ações objetivas em prol do Rio São Francisco. Ele ainda citou algumas das ações que já estão em andamento. “A solicitação para retomada do Conselho Gestor do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) e o fortalecimento da participação dos povos e das entidades do Conselho Nacional dos Recursos Hídricos (CNRH) são outras demandas que já podemos ir abraçando como Frente”.