O levantamento, que teve como base boletins de ocorrência registrados em todas as 27 unidades federativas do país, aponta que os adolescentes são o principal grupo entre os desaparecidos, correspondendo a 29,3% dos casos. Em seguida vêm os adultos de 30 a 39 anos (18%) e os jovens de 25 a 29 anos (14,3%).
Dados sobre o perfil dos desaparecidos mostra ainda que a maioria é homem (62,8%) e negra (54,3%). Chama a atenção, entretanto, que em 26% das ocorrências os dados de raça/cor não foram preenchidos, informação considerada primordial para o processo de busca.
Segundo o estudo, apesar dos números, o assunto ainda recebe pouca atenção do poder público, e a falta de um banco de dados unificado dificulta o trabalho de investigação. Em geral, as polícias civis priorizam casos envolvendo crianças e pessoas com questões de saúde mental, ou quando há indícios de outros crimes envolvidos.
Até 2019, não existia no Brasil uma definição jurídica para pessoa desaparecida. Isso mudou com a aprovação da lei 13.812, que criou a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, definindo dessa maneira "todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas".
A legislação, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), também prevê a criação de um cadastro nacional com o compartilhamento de informações detalhadas sobre desaparecidos entre os órgãos públicos. Esse banco de dados, entretanto, até hoje não saiu do papel.
A lei também prevê que as autoridades estaduais devem produzir relatórios anuais sobre pessoas desaparecidas, o que ainda não se concretizou. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o programa também não recebeu vinculação de recursos da União.
Questionado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública não respondeu se tem prazo para implementação do cadastro.
Atualmente, as autoridades dispõe de informações contidas no Sistema Nacional de Localização e Identificação de Desaparecidos, banco de dados mantido pelo Conselho Nacional do Ministério Público e do qual fazem parte 21 estados brasileiros. As informações, no entanto, não são compartilhadas entre estados e não são passíveis de cruzamento a nível nacional, o que torna a política limitada.
Como o sistema não se comunica, se uma pessoa que desapareceu no Nordeste dá entrada em algum serviço de assistência na região Sul, por exemplo, ela não é prontamente identificada. "As autoridades policiais das delegacias especializadas se comunicam informalmente, muitas vezes via grupos de WhatsApp", diz o estudo, que se baseou também em entrevistas com policiais civis, peritos e promotores de Justiça com expertise no assunto.
A falta de manuais para investigações também dificulta a localização de desaparecidos. De acordo com o estudo, o Paraná é o único estado brasileiro com procedimento padrão para esse tipo de investigação, mas somente para casos de crianças desaparecidas. Apesar de corresponderem a quase um terço dos registros, casos envolvendo adolescentes geralmente são tratados como "problemas de família" e não levam a investigação policial.
EFEITO DA PANDEMIA
O levantamento identificou ainda que os registros de desaparecidos tiveram queda significativa no período da pandemia de Covid-19. Se em março de 2019 o país registrou 6.509 desaparecimentos, no mesmo mês de 2020, quando teve início a emergência sanitária no país, o número praticamente caiu pela metade, com 3.447 ocorrências.
Embora os registros tenham caído entre todas as idades, isso não se aplica a adultos entre 40 a 49 anos.
Uma das hipóteses levantadas na pesquisa é o crescimento do desemprego, que atingiu patamar recorde no primeiro ano da pandemia.
"Adultos acometidos pelo desemprego e sem perspectivas de reinserção no mercado de trabalho, dado o contexto dos primeiros meses de pandemia, podem somar às estatísticas dos desaparecimentos voluntários: sem renda, isolados pelo vírus e impossibilitados de pagar o aluguel, a única alternativa, para muitos, pode ter sido as ruas", disse o estudo.