O terreno escolhido pela Força fica a 1 km de distância do Parque Nacional de Brasília --área de conservação ambiental de 42 mil hectares e próxima do centro da capital federal.
A região é considerada estratégica pelo Exército. Ela fica ao lado do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda, a quatro minutos do Setor Militar Urbano e no meio de um futuro bairro que o Governo do Distrito Federal e a Força pretendem levantar nos próximos anos.
A reportagem da Folha teve acesso aos documentos internos do Exército. O estudo de viabilidade técnica, de 30 de abril de 2021, mostra que uma das linhas de ação possíveis para a construção do hospital pode evitar o processo de licenciamento ambiental.
"A lei complementar nº 140 preconiza que empreendimentos/atividades de caráter militar previstos para o preparo e o emprego das Forças Armadas serão excetuados do processo de licenciamento ambiental", diz o documento.A Força parte do princípio de que a construção do novo hospital tem ligação direta com o preparo ou emprego dos militares. Com essa diretriz, o Departamento-Geral do Pessoal definiu que caberia ao Comando Militar do Planalto discutir a dispensa do procedimento.
"Em coordenação com o Departamento de Engenharia e Construção (DEC), efetuar a gestão ambiental do empreendimento, a fim de realizar a homologação junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) a isenção do licenciamento ambiental."
O estudo de viabilidade ressalta que a isenção do licenciamento ambiental "não afasta a obrigatoriedade da adoção de medidas de controle e proteção ambiental". Ele ainda diz que autorizações específicas, como para o uso de água e exploração de jazidas, precisam ser concedidas após a identificação dos possíveis impactos ambientais das obras.
O Exército afirma que o novo hospital deve ter como diretriz a "promoção da sustentabilidade", com a instalação de "depósito para resíduos de serviços de saúde [...] e uma central de controle de combate a incêndio".
O Ibama, em nota, destaca que a isenção está prevista em lei e não depende de "análise técnica ou ato autorizativo" do instituto. Não cabe ainda ao órgão questionar se o hospital serve efetivamente para o preparo ou emprego da Força.
"Em termos práticos, as Forças Armadas fazem a sua própria regulação ambiental para o licenciamento ambiental, mas ficam obrigadas a cumprir todas as normas ambientais vigentes, e em caso de descumprimento dessas normas, podem ser fiscalizadas, multadas ou mesmo embargadas pelos órgãos de fiscalização ambiental", destaca o Ibama.
O pedido de isenção ainda não foi formalizado. "O projeto ainda se encontra na fase de estudos e planejamento, não tendo sido realizado nenhum ato de contratação para a referida obra", completa o Exército.
O plano de construir o hospital começou a ser desenvolvido formalmente em 2021. Apesar dos anseios de levantar o empreendimento nos próximos anos, a Força esbarra em questões orçamentárias para viabilizar o novo centro de saúde.
O custo total é estimado em R$ 202 milhões. O Estado-Maior do Exército decidiu que o aporte financeiro será todo feito por meio de uma permuta de terrenos que a Força possui na região da antiga rodoferroviária de Brasília.
Em 2006, o Governo do Distrito Federal cedeu uma área de 4,3 km² para o Exército. A Força pretende realizar o loteamento das áreas nos próximos meses e, por permuta, ceder o espaço para que empreiteiras construam cerca de 20 mil imóveis residenciais para abrigar até 70 mil pessoas.
Os recursos conquistados com a especulação imobiliária, na casa dos bilhões, vão ser revertidos em investimento em novos empreendimentos para o Exército --como o novo Hospital Militar de Área de Brasília e a futura Escola de Sargentos do Exército, em Recife (PE).
O loteamento deveria ter sido feito em 2021, mas segue travado. "Estamos aguardando a aprovação dos projetos urbanísticos", disse o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), à Folha de S.Paulo.
Ainda há no Exército uma série de incertezas sobre os trâmites burocráticos para a manobra patrimonial, e não se sabe quando os recursos estarão no caixa da Força. Tampouco se tem certeza se o investimento ficará sujeito ou não às regras do novo arcabouço fiscal.
Mesmo com o cenário irresoluto, a Força decidiu contratar empresas de arquitetura para deixar pronto o projeto de construção do novo hospital.
Já foram gastos R$ 3,8 milhões com a contratação de empresa para desenvolver o projeto arquitetônico e outros R$ 18,6 mil para criação de uma maquete do novo hospital. Não foi iniciada a licitação para definir que empresa fará as obras.
Inicialmente, o hospital deverá ter ao menos 60 leitos de internação, 20 de UTI, seis salas cirúrgicas e 60 consultórios ambulatoriais, entre outras exigências do Exército. O atendimento será exclusivo a militares da ativa, inativos, pensionistas de militares, servidores civis da Força e familiares.
No último 21 de junho, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, participou com outros quatro estrelas do lançamento da pedra fundamental do novo hospital. O evento ocorreu no terreno de mais de 100 mil metros quadrados, área já desmatada cercada por cerrado.
"Esse projeto é fundamental para a nossa gente e é um sinal de que temos dado atenção a uma das questões prioritárias do Exército: a família militar", disse Tomás.
O Exército já possui um Hospital Militar de Área de Brasília (HMAB, como é conhecido), no Setor Militar Urbano. Generais que têm acompanhado as discussões disseram à reportagem, porém, que a unidade funciona atualmente como uma policlínica, por não ter capacidade adequada de internação nem atender a resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Nos documentos internos, a Força ainda demonstra preocupação com uma possível interdição do hospital atual por problemas elétricos, estruturais e de inadequação a normas legais.
"Possibilidade de intervenção de órgãos como CBMDF (Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal), Anvisa e outras agências reguladoras/fiscalizadoras", destaca trecho do parecer técnico.
O HMAB dispõe somente de dez leitos de enfermaria e outros dez de UTI. A maioria dos casos complexos é enviada ao Hospital das Forças Armadas ou centros privados, cujo custo de tratamento chega a ser três vezes maior que nas unidades militares.
Para justificar o investimento, os fardados afirmam que não é possível ampliar o espaço do hospital militar já instalado, porque ele está cercado por outros prédios. O estudo de viabilidade técnica ainda defende que reformar a atual infraestrutura sairia cerca de R$ 50 milhões mais caro que levantar um novo prédio.