Reavivado na memória dos brasileiros pelo recente sumiço de duas cápsulas de césio-137 de uma mineradora de Nazareno, na Região do Campo das Vertentes, em Minas Gerais, o maior acidente do planeta com materiais radioativos fora de uma usina nuclear, ocorrido em Goiânia (GO), em setembro de 1987, ainda dá trabalho aos especialistas do setor. Passados quase 36 anos da tragédia, que provocou a morte de quatro pessoas e atingiu outras centenas, toneladas de rejeitos radioativos da mesma substância que sumiu em Minas seguem armazenadas em um depósito mantido sob segurança especial em área de domínio do Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO), no município de Abadia de Goiás, no mesmo estado onde ocorreu o desastre.
O CRCN-CO é uma das unidades técnico-científicas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). No depósito da unidade estão armazenados cerca de 3.500 metros cúbicos (aproximadamente 6 mil toneladas) de rejeitos oriundos do acidente com o césio-137, retirados após a descontaminação de áreas atingidas. O centro de Abadia de Goiás enfrenta dificuldades com a falta de pessoal.
Conforme a Cnen, os materiais são armazenados em tambores em estruturas subterradas. A segurança física é feita pelo Batalhão Ambiental da Polícia Militar de Goiás, enquanto a segurança com relação ao armazenamento do rejeitos é realizada por intermédio de um Programa de Monitoração Ambiental (PMA), que “visa garantir a proteção à saúde do homem e do meio ambiente”, diz o CRCN-CO.
Anualmente, informa a unidade da Cnen em Goiás, é produzido um relatório com os resultados de análise por espectrometria gama de amostras de água de superfície, água subterrânea, sedimento do fundo de rio, solo e vegetação, além da avaliação da taxa de kerma no ar, feita por dosimetria termoluminescente (TLD). “São feitos também cálculos de estimativa de dose efetiva para indivíduos do público circunvizinho às instalações do repositório, levando em consideração as possíveis vias de exposição para esta população”, complementa.
Ainda de acordo com órgão, a estrutura que abriga o césio-137 tem se mostrado segura. “As doses efetivas obtidas a partir dos resultados das análises têm se mostrado abaixo do limite estabelecido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear para impactos dos repositórios nos indivíduos do público, indicando que a instalação vem operando com total segurança, sem causar impacto radiológico ao meio ambiente circunvizinho”.
DÉFICIT DE SERVIDORES A Cnen admite que o centro responsável pelo monitoramento e segurança dos rejeitos sofre com “deficiência de servidores”, mas assegura que suas atividades de controle do material são mantidas. De acordo com a assessoria da direção da Comissão, o CRCN-CO conta atualmente com 17 servidores ativos, tendo como único cargo comissionado o seu coordenador. “Há uma carência de servidores devido à não realização de concursos públicos e às aposentadorias ao longo dos últimos anos. Há necessidade hoje de pelo menos 10 servidores”, informou o órgão federal. “Mesmo com deficiência de servidores, o controle institucional do depósito final de rejeitos radioativos vem sendo devidamente executado, ainda que haja sobrecarga de trabalho dos servidores envolvidos”, ressaltou a Cnen, lembrando que a situação é amenizada com o “aumento da força de trabalho por meio da realização de concursos públicos ou contratação temporária”.
RELEMBRE o episódio Em 13 de setembro de 1987, dois catadores de materiais recicláveis encontraram em Goiânia, aparatos contendo césio-137 de uma máquina de radioterapia que estava localizada no Instituto Goiano de Radioterapia.O material foi levado pelos catadores para casa e teve algumas partes retiradas. O resto foi vendido por eles para um ferro-velho, cujo proprietário se chamava Devair Ferreira. Sem saber do que se tratava, Ferreira desmontou a máquina para tentar reaproveitar o chumbo, material bastante comercializável. Nesse momento, cerca de 19 gramas de cloreto césio-137 ficaram expostos ao ambiente. Um pó branco que, no escuro, emitia uma luz em tons azulados chamou a atenção da vizinhança e foi exibido durante quatro dias. Inclusive, algumas pessoas levaram amostras do material radioativo para a casa.
Aos poucos, o césio-137 foi se espalhando por uma área ainda maior, uma vez que parte do equipamento foi revendido a outro ferro-velho. Com essa dispersão, não demorou muito para que as pessoas apresentassem os primeiros sintomas de intoxicação, após ficaram expostas aos altos níveis de radiação, como diarreia, náuseas, tonturas e vômitos.
Dezesseis dias depois do início do adoecimento das vítimas, parte da máquina foi levada à Vigilância Sanitária e se confirmou que os sintomas eram provocados por contaminação radioativa. Quatro pessoas morreram. Os primeiros óbitos aconteceram na família do dono do ferro-velho. A mulher dele, Maria Gabriela, morreu em 23 de outubro 1987, e a sobrinha, Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, perdeu a vida horas depois da tia. A garotinha foi a vítima que apresentou maior quantidade de radiação, pois ingeriu pequenas porções de césio ao brincar com o material radioativo.
Outros 49 pacientes vítimas da exposição ao césio-137 foram levadas para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro (RJ0. No hospital, que é referência no tratamento de vítimas de acidentes radioativos, 21 pacientes passaram por tratamento intensivo. Estima-se que mais de 112 mil pessoas foram expostas aos efeitos do césio-137 em Goiânia.
Caso mineiro
As duas cápsulas de césio-137 que desapareceram da mineradora AMG Brasil, no município de Nazareno, na Região do Campo das Vertentes, foram encontradas no último dia 10 em uma empresa de coleta e comércio de sucata em São Paulo (SP), a 432 quilômetros do município mineiro. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e Polícia Civil de Minas Gerais estavam empenhadas nas investigações sobre o paradeiro dos equipamentos desde 29 de junho, quando a empresa comunicou às autoridades o misterioso desaparecimento material radioativo. Os dois equipamentos com o produto radioativo foram encontrados aparentemente intactos, sem sinais de tentativa de violação, o que significa que, provavelmente, não houve contaminação de pessoas no percurso das cápsulas. No entanto, o mistério continua: ainda não se sabe quem furtou nem quem vendeu as fontes do césio-137. Também está em aberto como elas foram transportadas até São Paulo. Todas as circunstâncias sobre o extravio, caminho percorrido e venda do material ainda são objeto de investigação por parte da Polícia Civil de Minas Gerais.