Os dados são dos relatórios de violência contra os povos indígenas elaborados pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que lançou seu levantamento relativo ao ano passado na última quarta-feira (26/7). Nesses oito anos, 2022 teve o maior número de registros, com 40 óbitos -um a mais que o número de 2021, até então o maior.
A reportagem comparou os dados do governo Bolsonaro com os quatro anos anteriores.
O relatório reúne registros de diversos tipos de violência contra indígenas, distribuídos em três principais categorias. Todas apresentaram crescimento na comparação com o ciclo anterior: contra o patrimônio (alta de 40%), contra a pessoa (64%) e por omissão do Estado (65%).
É neste último grupo, o que mais cresceu, que estão compilados os casos de morte por desassistência, que foram 25 nas gestões Dilma e Temer e saltaram 380%, para 120, com Bolsonaro.
O aumento só não foi maior que o de casos de conflito por terras indígenas, que subiu 567% (de 61 para mais de 400).
"O sistema da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] não foi desativado, mas foi objeto de omissão: funcionários demitidos, medicamentos que não chegavam nas áreas, destruição de postos de saúde", afirma Lucia Rangel, coordenadora da pesquisa do Cimi.
A precarização da saúde indígena teve consequências especialmente graves na Terra Indígena Yanomami, que viu uma explosão de casos de malária, gripes e desnutrição, associados ao garimpo ilegal que tomou a região.
Relatórios revelados pela Folha de S.Paulo mostram que a estrutura de assistência à população foi precarizada durante o governo Bolsonaro.
Nas vistorias realizadas nos polos de saúde do território entre os dias 15 e 25 de janeiro, a equipe da Sesai encontrou remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
O relatório ainda mostra a explosão dos casos de malária durante o governo Bolsonaro: foram registrados 9.928 casos da doença na região da terra yanomami em 2018, número que passou para 20.393 em 2021.
O documento ainda aponta que 30% dos casos ocorreu na faixa etária de 0 a 9 anos e que o local de provável infecção que mais cresceu no período foi justamente em áreas de garimpo.
Durante a visita da equipe de saúde ao polo de Surucucu (na terra yanomami), no início do ano, foram registrados relatos de alimentos roubados. No local, faltavam frutas e verduras desde julho de 2022, sem reabastecimento e foi identificada escassez de panelas, copos, pratos e a ausência de botijão de gás.
O relatório também cita falta de medicamentos e relatos de extravio de remédios de malária.
Quando o grupo visitou a Casai (Casa de Saúde Indígena) de Boa Vista (RR), o banheiro estava com as portas quebradas e as malocas estavam sujas e com fezes. Esgoto a céu aberto, falta de alimentos e e um extintor de incêndio vencido desde 2014 foram outros problemas observados.
Em razão da insegurança trazida pelo garimpo ilegal, que atua fortemente armado e ligado ao crime organizado, sete unidades de saúde dentro do território indígena acabaram fechadas durante o governo Bolsonaro.
"A omissão foi muito grande neste campo e as consequências foram severas, sobretudo porque ela atingiu as crianças principalmente, que registraram uma mortalidade muito alta nesses quatro anos", comenta Rangel.
O ano de 2022, de acordo com dados da Sesai apresentados no relatório, foi o que mais registrou mortes de indígenas de até quatro anos: 965 (contra 835 em 2021 e 917 em 2020) -anos em que a pandemia aumentou o número de óbitos em geral dos povos.
"Nos últimos anos, houve a fragilização das equipes que prestam serviço de atenção básica nas comunidades. Elas passaram a não mais visitar e permanecer nas áreas, passaram a atuar de forma rotativa, sem fazer monitoramento de mulheres grávidas, crianças, das doenças verminoses ou respiratórias. A atenção primária foi muito fragilizada", diz Roberto Liebgott, também coordenador do Cimi.
Também os casos de desassistência na área de saúde como um todo cresceram, segundo o relatório, passando de 180 entre 2015 e 2018 para 361 no governo Bolsonaro.
Os registros de "desassistência em geral" subiram 43% na comparação e os de disseminação de bebida alcoólica e outras drogas cresceram 69%.
Dentro da categoria de omissão do Estado, o único registro que não aumentou no governo Bolsonaro com relação ao ciclo anterior foi o de desassistência na educação, que se manteve em patamar similar: 161 contra 156 casos.
"Além da omissão, você teve, por parte do Estado, por vários meios, um incentivo à invasão de terras indígenas", completa Rangel.