Moradores de comunidades com maior ocorrência de operações policiais no Rio de Janeiro têm mais chances de desenvolver depressão, ansiedade e hipertensão. É o que mostra o relatório do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania), lançado nesta quarta-feira (9) e que mensura os impactos da violência na saúde.
A pesquisa ouviu 1.500 moradores de seis comunidades do Rio que têm o mesmo perfil socioeconômico, mas expostas a diferentes graus de violência armada. O relatório apontou que as áreas mais afetadas por operações policiais são aquelas onde mais se adoece.
Segundo o CESeC, esses moradores têm 62% chance a mais de desenvolver depressão se comparado com os residentes das comunidades menos expostas a esses episódios. A possibilidade de ter insônia também é 73% maior para o primeiro grupo.
Esse mesmo fenômeno é também visto nas chances de desenvolver hipertensão e ansiedade. Moradores das comunidades mais expostas têm uma chance 42% maior de ter pressão alta do que aqueles que moram em lugares com menos tiroteios. No caso da ansiedade, a probabilidade dos residentes do primeiro grupo apresentarem sintomas da doença é duas vezes maior.
O estudo identificou as três regiões mais expostas a tiroteios com a presença de agentes do Estado em 2019, e as três que tiveram menos registros desses episódios no mesmo período.
As comunidades mais afetadas escolhidas foram Nova Holanda, no Complexo da Maré, CHP-2, em Manguinhos, e Vidigal. As duas primeiras ficam na zona norte da cidade, e a terceira, na zona sul.
Já as menos afetadas foram Parque Proletário dos Bancários, na Ilha do Governador, na zona norte; Parque Conquista, no Caju, zona portuária, e Jardim Moriçaba, em Campo Grande, na zona oeste.
O estudo levou em conta as ocorrências de confrontos envolvendo policiais registradas na plataforma Fogo Cruzado a um raio de 400 metros das unidades de saúde municipais do Rio. O ano de 2019 foi escolhido por ser o período mais recente antes da pandemia da Covid-19.
O CESeC também optou por escolher apenas unidades municipais, para que pudesse comparar o atendimento entre as comunidades. "A despeito da existência de dados de tiroteios em toda a Região Metropolitana, a comparação entre unidades de saúde dos demais municípios seria potencialmente prejudicada pela adoção de diferentes políticas de atenção primária", explica o relatório.
O relatório é o terceiro do projeto "Drogas: Quanto Custa Proibir", do próprio CESeC, que procura medir o impacto da guerra às drogas. Na primeira pesquisa, o centro de pesquisa indicou que a lei antidrogas consumiu, em apenas um ano, R$ 5,2 bilhões em São Paulo e no Rio.
Já o segundo estudo da série foi voltado aos impactos da violência na educação. Segundo o levantamento, três de cada quatro escolas públicas do Rio foram afetadas por tiroteio em 2019.
A nova pesquisa mostra que cerca de 51% dos moradores de áreas mais expostas a tiroteios envolvendo policiais sofrem com sintomas de hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão. Em comparação, esse percentual em áreas não afetadas por esses casos é de 35,9%.
"Todas essas comorbidades estão ligadas a fatores emocionais e são influenciados por essa vivência na linha de tiro, que causa medo, apreensão, estresse", diz a coordenadora da pesquisa, Mariana Siracusa.
"Esses dados desfazem a tese de que moradores de favela têm resiliência e se acostumaram a rotinas de violência. Isso não é verdade."
ACESSO À SAÚDE
Segundo o relatório, as ações policiais com registro de tiroteios também limitam o acesso aos serviços de saúde nas áreas mais conflagradas.
A maioria, isto é 59%, dos moradores de comunidades sujeitas a tiroteios com participação de agentes do Estado disse que a unidade de saúde já havia sido fechada como resultado da violência. Nas comunidades menos expostas esse índice cai para 13%.
O documento aponta ainda que a interrupção de atendimentos e consultas médicas não é o único fator que dificulta o acesso à saúde nessas áreas. Os confrontos também impedem que médicos, enfermeiros e demais agentes da saúde cheguem ao seu local de trabalho.
Segundo a pesquisa, 32% dos moradores das comunidades com maior recorrência de tiroteio disseram conhecer algum episódio em que profissionais de saúde não foram trabalhar por conta dos conflitos armados. Em comparação, nas áreas menos expostas esse número foi de 12,1%.
Outro cenário é quando os moradores não conseguem ir até as unidades de saúde por causa dos tiroteios. Nas comunidades mais afetadas, 26% dos entrevistados disseram já ter adiado a procura por um serviço de saúde ou algum outro tipo de assistência por causa da violência. Nos locais menos expostos, apenas 5,9% dos moradores afirmaram ter feito isso.
IMPACTO FINANCEIRO
O estudo do CESeC também analisou o impacto financeiro dos problemas na área da saúde causados pela violência, seja para o próprio morador quanto para a prefeitura do Rio, que gere as unidades de saúde municipais.
Segundo a pesquisa, 6,8% de quem mora nas comunidades mais conflagradas ficaram impedidos de, por pelo menos um dia, não ir trabalhar por questões de saúde. Nas áreas menos afetadas, esse percentual foi de 4,8%.
Fazendo uma média, o relatório diz que essa falta representa uma perda de R$ 22,11 mensais na renda do morador das comunidades mais expostas. A maioria dos residentes dessas áreas tem um rendimento per capita de até um salário mínimo. No Vidigal, esse percentual é de 68%, enquanto na Nova Holanda é de 76% e na CHP-2, 82%.
O estudo também apontou as perdas estimadas de quando uma unidade de saúde não abre por causa dos confrontos. Segundo Siracusa, porém, os números estão subestimados pois a prefeitura informou apenas o total de vezes que os postos foram fechados em 2019: 356.
Pelas entrevistas, o CESeC chegou a uma média, com base no dado informado pela prefeitura, de que as unidades de saúde da comunidade mais expostas fecharam três dias a mais do que as que ficam nas áreas com menos tiroteios.
Um dia de fechamento da unidade, segundo a pesquisa, custa em média R$ 35 mil em serviços que deixaram de ser prestados. Juntando as três comunidades analisadas, a média dessa despesa foi de mais de R$ 316 mil.
"É um dado que a gente sabe que está subestimado, mas que só essa diferença de três dias já gera esse custo", afirma a coordenadora da pesquisa, que completa: "O estado que deveria oferecer o serviço de saúde, sofre essa perda também com fechamento das unidades".