A combinação do recorde de calor nos oceanos registrado em agosto com a provável continuidade do El Niño até março de 2024 aponta para um verão com máximas inéditas pelo Brasil.
Mas o tempo quente não demora até o início da estação, em 22 de dezembro, para chegar ao país. Além de ondas de calor que começaram nesta última semana de inverno, prognósticos de meteorologia, como os do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), indicam que recordes de temperatura podem ser registrados já na primavera.
Ainda, especialistas dizem que as chuvas que atingem o Sul devem ganhar força com o El Niño, especialmente em dezembro, o que também levará tempo mais quente e seco ao Norte e ao Nordeste. A incerteza recai sobre o Sudeste, sem sinais claros de mais ou menos chuva e calor.
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"De outubro em diante, até fevereiro de 2024, no Brasil, a gente vai ver temperaturas acima da média e precipitação abaixo da média, com exceção do Sul. E já tivemos o agosto mais quente da história na América do Sul desde 1910."
Ele cita dados publicados nesta terça (19) pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês) dos EUA, que consideram as anomalias de temperatura em relação às médias de agosto de cada ano.
A anomalia é uma variação —positiva ou negativa— de uma temperatura em relação à linha de base. Segundo a NOAA, essa linha é uma média de 30 anos ou mais de dados de temperatura.
Segundo a meteorologista do Inmet Adriana Ramos, as previsões meteorológicas do instituto vão até a primavera —com tendências de mais calor. "O prognóstico climático que temos é de setembro a novembro, e indica que as temperaturas devem ficar acima da média. Ainda não temos verão, mas sabemos que o El Niño vai atuar, com pico de dezembro a janeiro."
As chuvas também devem aumentar no Sul, segundo nota técnica do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). De acordo com o órgão, as frentes frias tendem a ficar estacionadas na região.
"Em geral, o El Niño favorece a atuação de sistemas frontais no Sul do Brasil. O quanto esses sistemas vão se propagar mais até o Sudeste é o que não está tão claro", diz o meteorologista e conselheiro do Crea-SP Carlo Raupp. Ele ressalta que a primavera tradicionalmente concentra as máximas de temperatura.
Para Paulo Artaxo, físico e professor da USP, há um grau de imprevisibilidade em fenômenos como o El Niño, especialmente por causa dos impactos do aquecimento global. "É um sistema complexo e nunca tivemos um El Niño forte como o deste ano, somado ao agravamento das mudanças climáticas globais."
A última formação do fenômeno foi entre 2015 e 2016, que foi caracterizado como um super El Niño. Agora, oceanos mais quentes, segundo o recorde registrado em agosto, devem acentuar seus efeitos. "Isso porque o El Niño é exatamente produzido por um aquecimento anormal do oceano Pacífico tropical."
A partir do aquecimento dessas águas, há mudanças na circulação dos ventos alísios, que vão de leste a oeste, levando umidade e águas mais quentes da costa das Américas para Ásia e Oceania. Os efeitos provocam secas e inundações em diferentes locais do mundo.
Por outro lado, segundo Aquino, o fenômeno vai encontrar águas mais quentes. O aumento de temperatura causado pela emissão de gases de efeito estufa é lentamente absorvido pelos oceanos. "Durante a ação humana de aquecimento global, de atmosfera e oceano, fomos estocando a maior parte do aquecimento no oceano, que tem mais massa."
É neste cenário de águas aquecidas que o efeito do El Niño pode potencializar temperaturas acima da média. "É uma área de água quente de grande extensão no Pacífico que vai perturbar a atmosfera tropical do planeta. Toda a circulação, para dois hemisférios, vai se adaptar a esse sinal vindo da ‘piscina de água quente’ do Pacífico tropical", afirma o pesquisador.
De acordo com Aquino, o fenômeno, uma variabilidade natural e histórica do aquecimento do Pacífico perto do equador e a alteração da circulação de ventos funcionam como um sinal.
"A atmosfera entende ‘vamos nos ajustar’. Mas o que aconteceu nos últimos cem anos? Esses eventos, dos anos 1960 para cá, passaram a ter mais intensidade porque o oceano ficou mais quente."