Às vésperas do final da gestão da ministra Rosa Weber, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) formou maioria na terça-feira (19) —8 votos a 5— para rejeitar a criação de uma resolução que pretendia dar mais transparência à atividade dos juízes e permitir maior controle sobre a participação de magistrados em eventos patrocinados por entidades privadas.
Em sessão anterior, o relator, Luiz Philippe Vieira de Mello, havia apresentado ao plenário uma minuta de resolução. O corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, pediu vista. O julgamento foi retomado, e ele apresentou o voto, abrindo a divergência. Foi acompanhado por outros sete conselheiros. Só falta a manifestação de Rosa, presidente do órgão, cujo voto é insuficiente para reverter o resultado.
A proposta de resolução alvo do julgamento estabelece, entre outras obrigações, que os magistrados deverão manter agenda pública, disponibilizada em meio virtual pelos tribunais, e informar anualmente variações patrimoniais que extrapolem 40% da remuneração no exercício anterior.
Leia Mais
CNJ afasta juiz que participava de grupo golpista nas redes sociaisCNJ adia julgamento sobre juízas na segunda instânciaMoro rebate acusações do CNJ: 'Sem base em fatos'No final da última sessão, o tema acabou ofuscado pela discussão sobre a política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário, depois das homenagens a Rosa por sua atuação no STF (Supremo Tribunal Federal) e no CNJ.
A ministra não frequenta seminários patrocinados por grupos privados. Salomão é presidente do Conselho Editorial da revista "Justiça & Cidadania", que organiza eventos de magistrados em resorts e hotéis de luxo no país e no exterior.
Salomão divergiu do relator, Vieira de Mello, por entender que já há normativos suficientes para exercer esse controle. "Não podemos criar causas de impedimento e suspeição, além das que existem em lei", disse.
Vieira de Mello sustentou que "os normativos não são suficientes para garantir a credibilidade do Poder Judiciário". Citou reportagens que tratam desses eventos.
"No momento em que eu participo de uma atividade que é financiada por uma empresa privada, estou tendo oportunidade de estar próximo da parte, que a outra parte não terá", disse o relator.
Segundo ele, informar aos tribunais "quem paga as passagens, as hospedagens em hotéis de luxo e outras tantas coisas mais", é uma proteção para evitar dúvidas sobre os procedimentos do magistrado.
Salomão disse que o Judiciário era considerado uma "caixa-preta". Segundo ele, "hoje, os juízes se abriram para a participação em eventos acadêmicos, o que é também um item a ser considerado no sentido da transparência".
"A participação nossa em eventos diz respeito exclusivamente a matérias institucionais e científicas."
"Penso que devem ser afastados na resolução termos como 'conflitos de interesse'", disse o corregedor. "Se o magistrado não receber remuneração pela participação no evento, não há que falar em incentivo para proferir decisões direcionadas a beneficiar quem quer que seja."
Vieira de Mello afirmou que "o conceito de conflito de interesses foi extraído dos Princípios de Bangalore ". Disse que, em muitos países, as pessoas estavam perdendo a confiança no Judiciário.
O relator acolheu sugestões de associações dos magistrados, mas lembrou que a Constituição veda ao juiz receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas. A única exceção para remuneração dos juízes, além da atividade judicante, é o cargo de professor.
Segundo ele, não é o caso dos cursinhos pela internet, alguns com a participação de parentes do magistrado, "uma forma de trazer renda".
"O que é acadêmico?", perguntou. "Como conselheiro, essa situação me trouxe uma grande angústia". O relator disse que foi diretor de uma escola nacional da magistratura, e "que essas escolas têm verba própria para patrocinar os melhores professores".
Salomão votou para rejeitar da minuta de resolução, deixando aberta a possibilidade de que a Comissão de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas do CNJ formule nova proposição.
Acompanharam Salomão os conselheiros Mauro Martins, Richard Pae Kim, Márcio Freitas, João Paulo Schoucair, Marcos Vinicius Jardim, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho.
Acompanharam Vieira de Mello os conselheiros Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Giovanni Olsson e Mário Goulart Maia.
Mauro Martins disse ter receio da "burocratização". Acha que não há uma generalização do problema dos eventos. Bandeira de Mello afirmou que a resolução "avança na criação de suspeição e impedimentos".
"Não acho que o financiamento de um evento gera suspeita", disse.
Giovanni Olsson confirmou a necessidade da publicidade de ganhos e vantagens dos eventos promovidos por entidades privadas. "Não estamos tratando de questões processuais, mas de ética. O ponto aqui não é o controle, mas a transparência", disse.
Márcio Freitas disse que via com "estranheza" a resolução. Para ele, receber presentes "é um tema quase abstrato", e receber convites para eventos é algo distante para um juiz na primeira instância.
Após anunciar o resultado da votação, Rosa suspendeu o julgamento. "O julgamento continuará com o meu voto, ou com o voto do presidente. O tema é muito relevante."