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As redes sociais e as reformas


postado em 14/02/2019 05:05


A derrota de Renan Calheiros na disputa pela presidência do Senado é um turning point do protagonismo das redes sociais. Mais que uma vitória do Palácio do Planalto ou uma rejeição à chamada velha política, a troca de guarda no Senado revelou o medo dos parlamentares de serem cobrados pelos eleitores.

"Temos de pensar no tribunal dos aeroportos", disse o senador Major Olímpio (PSL-SP). Seu colega Jorge Kajuru (PSB-GO) prometeu abrir enquetes na sua página do Facebook para orientá-lo nas votações. Daniela Ribeiro (PP-PB) reclamou dos eleitores que exigiam ver seu voto. "Minha palavra não basta mais?", questionou.

Quem manteve o voto em sigilo na primeira votação, como o estreante Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), recebeu ataque tão intenso que se sentiu obrigado a recuar e se posicionar contra Renan.

As redes sociais ajudaram a eleger Jair Bolsonaro, colocaram dezenas de youtubers no Congresso, derrotaram Renan Calheiros e se tornaram o novo eixo de instabilidade na política.

O Congresso é por natureza poroso às pressões populares. Nos anos 90, os parlamentares temiam estar nos cartazes de "traidores da classe trabalhadora" afixados em outdoors pela CUT. Meses atrás, ameaçados fisicamente nos corredores do Congresso, os deputados igualaram os direitos dos agentes penitenciários aos dos policiais militares no projeto de reforma da Previdência do governo Temer.

Contam-se às dezenas os casos de plenários lotados de corporações que mudaram a decisão de deputados aos berros de "quem vota, não volta". Dessa vez, no entanto, é diferente.

Nas marchas de 2013 ou no processo de impeachment de 2015/16, as redes operavam em paralelo às manifestações de rua. Agora, os manifestantes anti-Renan eram poucas dezenas nas ruas, mas centenas de milhares nas redes. O constrangimento junto aos parlamentares no Twitter e no Facebook foi tamanho que, na prática, superou a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de manter a votação secreta para presidente do Senado.

Emparedados, os senadores passaram a exibir as cédulas aos fotógrafos, declarar o voto no microfone e postar sua posição em suas páginas, a despeito de o Código de Ética interno do Senado prever punição. Os rostos dos senadores transfiguravam um misto de pavor e reverência pela criatura virtual.

É uma boa notícia que parlamentares temam a reação dos eleitores aos seus votos. A repulsa aos políticos e à política, seja no Brasil ou em qualquer outro país, está ligada diretamente à falta da transparência e da prestação de contas dos eleitos. É alvissareiro que os parlamentares queiram tomar o pulso de seus eleitores antes de decidir temas importantes.

Mas em toda transformação há riscos. O mais nefasto é a interferência financeira para influenciar a opinião pública, seja via uso de robôs, seja pelas correntes pagas de WhatsApp. Pesquisa da Dapp-FGV (Diretoria de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas), em outubro, mostrou que mais de 10% das interações sobre os presidenciáveis no segundo turno eram resultado de ações automáticas.

A imprensa, no mesmo período, mostrou a compra de propaganda de postagens de WhatsApp via caixa 2.

O segundo risco é confundir sinais e ruídos. As redes sociais são o campo de batalha de ativistas enfurecidos que não necessariamente refletem a opinião da sociedade. Uma militância digital pode fazer parecer que a posição A tem mais apoio que B apenas por estar melhor organizada. As redes podem virar uma distorção da opinião pública, assim como a demagogia é a democracia desvirtuada.

Compreender a dinâmica da relação entre os congressistas e suas redes será essencial para avaliar os novos tempos da política. O caso da reforma da Previdência é emblemático. As pesquisas comprovam que há uma maioria contrária às mudanças no sistema de aposentadoria, mas sabe-se pouco sobre quais pontos da reforma essa parcela se opõe.

Sabe-se menos ainda como essa maioria irá se comportar quando o projeto voltar a tramitar e é pura adivinhação imaginar como os parlamentares governistas vão reagir às pressões.

Usarão suas redes próprias para propagar os argumentos da reforma ou irão preferir discutir temas mais confortáveis, como o projeto de reestruturação penal do ministro Sérgio Moro? Tentarão defender os argumentos governistas pró-reforma ou sucumbirão à avalanche de ataques? Vão lacrar ou assumir riscos? As redes sociais podem derrotar as reformas de Paulo Guedes?

O mesmo pavor visto nos rostos dos parlamentares que derrotaram Renan Calheiros poderá retornar a cada votação de projeto impopular. Serão necessários altímetros apurados para medir e compreender a nova forma de pressão. Ícone da boa política, Ulysses Guimarães (1916-92) dizia que a única coisa que mete medo em político era "a voz rouca das ruas". A voz, agora, se move por um clique.


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