“Amigos, amigos. Negócios à parte.” A frase, que circula com desenvoltura nos meios empresariais, deixa clara a delimitação entre esferas diferentes. Uns são bem-vindos no almoço de domingo, nas reuniões sociais, nos bate-papos em mesa de bar. Outros respondem pela instituição. São obrigados a dar satisfação a clientes, acionistas, fornecedores e burocracia estatal.
Mutatis mutandis, a sentença se adapta ao Palácio do Planalto: “Família, família. Governo à parte”. A separação é importante. Por um lado, garante a previsibilidade, indispensável para a tomada de decisões. Na eclosão de crise – natural num sistema dinâmico como a administração pública –, os envolvidos devem saber com quem tratar e prever as reações possíveis.
Em outras palavras: problema de economia exige a palavra do ministro Paulo Guedes; de segurança, Sérgio Moro; de relações exteriores, Ernesto Araújo. Não por acaso, eles dispõem de assessoria especializada, apta a analisar os prós e os contras de decidir por este ou aquele caminho. A certeza de quem responde pela pasta também dá tranquilidade ao time oposto, que pode se preparar para o embate.
Por outro lado, a definição de papéis evita confusões como a observada no episódio de Carlos Bolsonaro e Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência da República. O ministro se viu em meio à denúncia de que o PSL, partido que presidia à época da eleição de 2018 e pelo qual Jair Bolsonaro disputou o Planalto, estaria envolvido em candidaturas laranjas.
O fato é grave, sobretudo para a agremiação, que lutou por cargos eletivos com a forte bandeira da anticorrupção. Mas ganhou dimensões desproporcionais graças à intromissão do filho do presidente, que revelou ter acesso aos contatos do pai – assuntos de Estado, não de família. O presidente estava internado e, por isso, segundo suas palavras, não quis falar com Bebianno.
A história teria batido ponto final aí se o áudio não tivesse sido postado nas redes sociais e replicado pelo presidente com o carimbo de que o ministro é mentiroso – ato desnecessário, com forte combustível para provocar incêndios e desviar a atenção dos desafios que o governo tem pela frente. Entre eles, a aprovação da reforma da Previdência e o enfrentamento da crise de segurança pública.
As consequências, como frisa o conselheiro Acácio, vêm depois. E vieram. Bolsonaro voltou para Brasília depois de longa hospitalização. Nada mais razoável que os holofotes iluminarem as decisões cruciais que tomou, como a definição da idade mínima para a aposentadoria e os desafios da articulação da base para aprovação do projeto. Não foi, porém, o que aconteceu. As atenções se voltaram para a crise criada por membro da família.
O Brasil tem pressa. Precisa aproveitar a janela de oportunidades que se abre neste início de mandato para fazer a lição de casa. Não pode desperdiçar tempo e talento com artificialismos. Os filhos do presidente podem ajudar – e muito – na sua esfera de atuação. Está na alçada do senador Flávio Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro desempenhar papel importante no Legislativo. É hora de separar o almoço de domingo das questões de Estado. Mãos à obra.
Frases
"Por incrível que pareça, nos primeiros dias, a Vale tinha providenciado medicamentos vencidos"
. Fernanda Pirillo, coordenadora-geral de Emergências Ambientais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em audiência pública da comissão externa da Câmara que acompanha o desastre de Brumadinho
"A omissão do Congresso Nacional em produzir normas legais de proteção penal à comunidade LGBT é uma indeclinável obrigação jurídica que lhe foi imposta"
. Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ao reconhecer a omissão do Congresso Nacional ao não criminalizar a homofobia