Jornal Estado de Minas

O véu que encobre o casamento infantil no Brasil

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Em um país onde as pessoas ainda se surpreendem ao saber que ocupamos a quarta posição no ranking mundial de casamentos infantis de meninas, em números absolutos, ainda precisamos falar muito sobre o tema. Mais do que falar, precisamos tirar o véu que encobre os casamentos e as uniões forçadas e precoces de meninas adolescentes e compreender que os direitos delas somente serão atendidos quando for alcançada a igualdade entre meninas e meninos.
O estudo Tirando o Véu, que a Plan International Brasil acaba de lançar, com apoio da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), que cuidou dos aspectos éticos da pesquisa, teve como principal objetivo conhecer o tema a partir das percepções e vivências de diversos sujeitos sociais, especialmente das meninas e dos meninos diretamente afetados pela questão. Mas a pesquisa também traz a visão de responsáveis, maridos, mulheres de 18 a 25 anos que se casaram meninas, representantes das comunidades, dos órgãos oficiais locais, nacionais e especialistas. Mais do que conhecer, nosso objetivo é trazer luz à questão.
Este é um estudo qualitativo realizado pela Plan em oito países: Brasil, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Peru e República Dominicana. Começamos a conhecer os resultados pelo Brasil. Acreditamos que a mudança só terá resultado duradouro se passar por três dimensões. Primeiro, a de normas sociais, atitudes, comportamentos e relações, jogando luz sobre a discussão sobre gênero e sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos. Depois, pelo marco político legal e os pressupostos, ao tornar o combate ao casamento infantil um problema que demanda políticas públicas.
E, por último, na dimensão dos recursos econômicos e das redes de segurança social, para que o Estado, as políticas públicas e a sociedade civil assumam sua responsabilidade na criação de estruturas e oportunidades que permitam que meninas e meninos tenham escolhas. E que essas escolhas estejam, realmente, alinhadas à construção de seus projetos de vida.
Gostaria de destacar dois relatos de meninas e meninos no estudo:
O primeiro é de um jovem que participou do grupo focal, de 15 a 17 anos
"Nós, homens, desde pequenos somos pressionados a fazer sexo. Eu perdi a virgindade com 14 anos porque um tio meu me obrigou, dizendo que se eu não fizesse ia passar o resto da vida me chamando de gay. Se fosse por mim, eu teria esperado, não teria feito pelo tempo de ninguém, teria esperado meu tempo."
O segundo é de uma jovem de 20 anos, que se casou aos 10 com um marido de 19. Na época da pesquisa, ela estava grávida de trigêmeos.
"Eu não vou mentir a você, eu dei muita sorte, viu? Eu engravidei com 11, tive com 12; engravidei com 12, tive com 13; e assim, o pai das minhas filhas está comigo até hoje. Ainda vem três meninos para terminar de contemplar. Se fosse outro homem, abandonava e largava.
Ele assumiu a mim e as minhas filhas".
Esses dois relatos nos fazem perceber a profundidade das questões que estão em torno do casamento infantil e como as relações se constroem e afetam a vida das pessoas, especialmente das meninas. Temos que continuar esse esforço de reflexão sobre o casamento infantil, pois estamos convencidos de que só seremos capazes de enfrentar de frente esse problema quanto mais compreendermos suas causas e consequências e dar respostas eficientes desde o campo de atuação e de poder de cada uma e cada um de nós.
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