Daniela Polidoro Knippel
Advogada e especialista em direito processual penal
Edson Luz Knippel
Advogado, doutor e mestre em direito processual penal, professor universitário e coautor do livro Violência doméstica – A Lei Maria da Penha e as normas de direitos
ALei 11.340/06, batizada como Lei Maria da Penha, completa 13 anos nesta semana e foi responsável por modificar a disciplina jurídica aplicável às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Em 2006, foi responsável por afastar um regime que possibilitava acordo entre agressor e vítima e que muitas vezes reduzia a violência a uma questão de natureza patrimonial.
É bem verdade que, nos primeiros anos de vigência, teve sua constitucionalidade bastante questionada. Até que em 2012 a matéria foi julgada de forma acertada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que a Lei Maria da Penha estava de acordo com o disposto na Carta política de 1988.
Sendo assim, a igualdade prevista no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal foi tratada como meramente formal, razão pela qual a igualdade material deve ser construída pela sociedade, com o apoio de legislação própria, que imponha discriminação positiva às mulheres em situação de violência, consideradas como hipossuficientes.
Os avanços trazidos nesse período de vigência são inquestionáveis. A Lei Maria da Penha é conhecida pela população e as mulheres se sentem mais seguras para denunciar a violência.
A violência é considerada como crime e pode levar o agressor à prisão, antes ou depois de sentença condenatória definitiva. Por uma questão pedagógica, a pena nunca pode ser de natureza patrimonial (multa, por exemplo). O agressor não pode sair do processo com a ideia de que bastou pagar determinada quantia para que a violência por ele praticada fosse apagada.
Não existe possibilidade de acordo do agressor com a vítima. Ainda que a lesão corporal seja leve, o processo segue, independentemente da vontade dela. Além disso, a legislação busca proteger a mulher, prevendo medidas como o afastamento do agressor, garantia de proteção policial ou o encaminhamento da vítima a abrigos.
Outras legislações foram criadas no mesmo sentido da Lei 11.340/06. Exemplo disso foi a legislação que alterou profundamente o tratamento destinado aos crimes contra a dignidade sexual (Lei 12.015/09). Em 2015, foi criada a qualificadora referente ao feminicídio, aumentando os limites da pena e inserindo o homicídio praticado contra a mulher, por razão de gênero, no rol de delitos hediondos (Lei 13.104/15, que altera o artigo 121, §2º, do Código Penal).
É preciso lembrar que a Lei Maria da Penha não deve ser tratada simplesmente como lei penal, já que traz em seu bojo a prevenção como imprescindível. Exemplo disso são as inúmeras políticas públicas enumeradas em seu artigo 8º, que se referem à capacitação dos profissionais que trabalham com a temática da violência contra a mulher; o respeito nos meios de comunicação social dos valores éticos e sociais, de forma a coibir os papéis estereotipados da mulher; o destaque nos currículos escolares da equidade de gêneros e de raça ou etnia, entre outros.
Não basta modificar o regime jurídico. É fundamental que seja alterada a mentalidade da socidade e de profissionais que estão envolvidos na matéria aqui tratada.
Hoje, a questão da violência doméstica e familiar contra a mulher é mais discutida na sociedade. Se por um lado a sociedade é machista, também existe uma abertura e uma sensibilidade maior para se debater esse grave problema.
Não existe dúvida de que a Lei Maria da Penha transformou a sociedade.
Porém, é necessário caminhar mais. Os serviços públicos de proteção à mulher devem ser divulgados, facilitando-se o acesso a eles. Dessa forma, a mulher será mais informada sobre seus direitos e poderá receber a proteção que é prevista em lei.
Muitas vezes, a mulher tem medo ou vergonha de denunciar a agressão. Mas isso é necessário, até para que o ciclo de violência seja cortado e para evitar a ocorrência de um resultado mais grave.
E é necessário que o tema seja discutido a partir de um recorte de gênero, e de raça e de classe, já que existem grupos de mulheres que estão mais expostas à situação de violência, razão pela qual se tornam mais vulneráveis.
Como exemplo, as mulheres negras viram crescer o número de feminicídioS praticados contra elas, na ordem de 54%, enquanto o número de crimes contra a vida praticados contra as vítimas brancas descresceu 9,8% (Mapa da Violência de 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso).