Anthony Wong
Médico pediatra, professor de toxicologia e chefe do Ceatox do Hospital das Clínicas de São Paulo
tabaco foi introduzido na Europa pelos nativos das Américas através dos colonizadores espanhóis e ingleses. Rapidamente, espalhou-se pelo mundo. Seu uso social sempre foi assunto de grande polêmica e, desde o século 19 e primeira metade do século 20, ora condenado, ora chique usá-lo.
A partir da década de 50, diversos estudos científicos e epidemiológicos apontaram para o grande risco à saúde consequente ao seu uso, principalmente doenças cardíacas e respiratórias, tumores malignos e malformações no feto em caso de gravidez. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), essas consequências causam mais de sete milhões de mortes anualmente. Apenas no Brasil, os custos nos tratamentos e os prejuízos causados pelo fumo somam mais de R$ 10 bilhões. Esses riscos, também atingem os fumantes passivos, com a elevação da ocorrência de algumas doenças, pois não há níveis seguros da exposição secundária ao fumo.
Uma das principais substâncias presentes no tabaco e na queima deste é a nicotina, que causa estimulação cerebral, aumento da pressão sanguínea e do coração, infarto agudo e arritmias. Ela leva à dependência e ao vício. Os outros componentes, inclusive o alcatrão, contêm carcinógenos como o benzopireno, metais pesados como chumbo, arsênico e cádmio, gases tóxicos como o monóxido de carbono, e cianeto. É sabido que a dependência do cigarro é um dos vícios mais difíceis de abandonar.
O cigarro eletrônico foi desenvolvido em 2003 pelo farmacêutico chinês Hon Lik. Sua intenção foi produzir um mecanismo alternativo ao cigarro porque seu pai, fumante inveterado, faleceu de câncer de pulmão. Este dispositivo eletrônico aqueceria uma solução líquida, com nicotina, vaporizando-a e permitindo sua inalação ao pulmão. O produto ganhou popularidade e, nos últimos 10 anos, seu uso aumentou muito, enquanto dados indicam que o número de fumantes de tabaco diminuiu em torno de 14%, tanto nos EUA como no Brasil.
O e-cigarro, inegavelmente, tem menos substâncias danosas que o tabaco fumado, principalmente alcatrão, metais, carvão, cianetos e monóxido de carbono. Para os postulantes das políticas de redução de danos, o uso dele diminui, substancialmente, os males causados pelo cigarro. Em 2015, a Public Health England (Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido) afirmou que esse é 95% menos danoso do que os cigarros a combustão. Em 2018, a American Cancer Society – sociedade americana dedicada a ajudar pessoas que enfrentam o câncer – emitiu o parecer oficial encorajando adultos fumantes a optar pelo e-cigarro no lugar de métodos clínicos tradicionais a fim de cessar o fumo.
Por outro lado, a OMS manteve a posição de que ainda não há evidências suficientes para indicá-lo como método para abandonar o fumo. Mas o último Cochrane Report, produzido de maneira voluntária por pesquisadores, médicos e pacientes do mundo todo, concluiu que há alguns indicadores de que seu uso auxilia o processo. Dados do Reino Unido e do Japão demonstraram que cerca de 29,1% dos que substituíram o cigarro de tabaco pelo e-cigarro abandonaram o fumo.
Certamente, o ponto mais polêmico é o uso cada vez maior entre jovens e adolescentes. O efeito da nicotina é mais intenso e danoso no cérebro deles. A exposição a ela nesta fase foi relacionada a alterações nos circuitos neuronais, inclusive comprometendo o desenvolvimento do córtex pré-frontal, que comanda o julgamento e o controle de impulsos. Consequentemente, respostas neurocomportamentais e o funcionamento cerebral são comprometidos.
Em 2015, nos EUA, o uso do e-cigarro aumentou 900% entre estudantes secundários, sendo que 40% deles nunca fumaram. Entretanto, a maioria dos adolescentes que usa vaping não fuma cigarros e nem nicotina na solução. A motivação deles não é usar a substância como estimulante, mas sim a procura por diferentes sensações e curiosidade.
Se as propostas de diminuição de danos fossem adotadas, os jovens que usassem o tabaco teriam todos os seus riscos de distúrbios neurológicos, dependência, lesões pulmonares, riscos oncológicos e intoxicações diminuídos. No entanto, são necessárias políticas públicas eficazes e educativas orientadas para os jovens sobre os riscos de vaping. Recente estudo demonstrou que os jovens preferem as soluções aromatizadas, como mentol e baunilha, que liberam quantidades elevadas de acetais. A inalação repetida desses promove inflamações e lesões pulmonares, especialmente em jovens.
Redução de danos do tabaco requer a substituição de cigarros por produtos que reduzam doenças e morte. Cigarros eletrônicos podem reduzir a exposição de fumantes, tanto ativos como passivos, a elementos carcinogênicos e outras substâncias tóxicas presentes no tabaco e são muito menos danosos do que os cigarros. Esta parece ser a motivação dos fumantes que fizeram a substituição. Os perigos associados a estes podem ser ainda mais reduzidos se forem implementados regulamentos e legislações apropriadas.
Não é perfeito, mas o uso de e-cigarros, principalmente em adultos fumantes, é certamente menos danoso, tem menor custo à saúde pública, causa menos sofrimento humano e até serve como meio eficaz de parar de fumar.