Luiz Gonzaga Alves Pereira
Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre)
As queimadas na Amazônia, sazonais, que têm ocupado o noticiário nacional e internacional, são um problema grave e precisam ser mitigadas e combatidas, preventivamente. Em paralelo, nosso país enfrenta outro dano ambiental muito grave, que prejudica número muito maior de cidades e habitantes o ano todo, ameaçando o hábitat urbano e a saúde das pessoas. Trata-se dos lixões, cuja existência, à revelia das leis e sob a complacência do poder público, persiste em mais da metade dos municípios brasileiros.
O problema é dimensionado com clareza em estudo inédito que realizamos na Associação Brasileira das Empresas de Tratamento de Resíduos Sólidos e Efluentes (Abetre). Analisamos diversos bancos de dados públicos, como o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), e cruzamos com informações próprias. Confirmou-se que o Brasil enfrenta sérias dificuldades para a destinação correta dos resíduos sólidos.
Cerca de 60% dos municípios utilizam lixões, o que impacta, aproximadamente, 42 milhões de pessoas. De 3.556 cidades que responderam à pesquisa do SNIS em 2017, estima-se que existam 2.307 unidades de disposição final, sendo 640 aterros e 1.667 lixões. Em cada 10 locais de destinação final, sete são lixões. Há evidências de que os 2.014 municípios que não declararam a destinação final de seus resíduos também utilizem lixões. Esses locais impróprios receberiam, por ano, mais de 70 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, sendo 78% recicláveis (entre orgânicos e secos). Rejeitos e outros representam 22%.
A Abetre calcula que para resolver os problemas dos lixões no Brasil sejam necessários, aproximadamente, 500 aterros sanitários, que podem ser construídos com investimento de R$ 2,6 bilhões (cerca de R$ 63,40 per capita). Não bastam, porém, os recursos para as obras. É fundamental, também, garantir a sustentabilidade econômica dos aterros sanitários e do sistema de coleta e destinação do lixo. A abordagem mais aprofundada do tema abrange pontos importantes: legislação; principais problemas dos serviços de limpeza urbana; e as peculiaridades do cenário nacional.
No tocante ao arcabouço legal, existem duas normas harmônicas e integradas que regem as atividades de coleta, tratamento e destinação de resíduos sólidos: Lei Federal de Saneamento Básico (LFSB, Lei 11.445/2007), que dispõe sobre a prestação dos serviços públicos de saneamento básico (água, esgoto, limpeza urbana e drenagem urbana) e é focada na promoção da saúde, melhoria da qualidade da vida, universalização e proteção ambiental; e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS, Lei 12.305/2010), que dispõe sobre a gestão e o gerenciamento de resíduos (públicos e privados) e é centrada no desenvolvimento sustentável e ecoeficiência. Entre suas determinações está a extinção dos lixões, que deveria ter ocorrido em agosto de 2014.
A sustentabilidade econômica é uma obrigatoriedade estabelecida na LFSB (artigo 2º, VII, e artigo 29, II). Aliás, trata-se de um modelo consagrado internacionalmente, funcionando na Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, Inglaterra, Holanda e Nova Zelândia. No Brasil, a lógica que norteou a LFSB foi dotar os serviços de saneamento básico de recursos próprios e específicos, para minimizar a recorrente disputa anual pelas verbas do orçamento municipal.
Quanto aos problemas dos serviços de limpeza urbana, são os seguintes: municípios têm fragilidade orçamentária crescente; repasses de recursos federais e estaduais não podem ser feitos para custeio, apenas para investimento (restrição constitucional); demanda pelos serviços é crescente em quantidade e qualidade; modelo tradicional não educa os munícipes; cidades assumem e custeiam serviços de coleta e destinação que não são de sua responsabilidade, como resíduos de geradores não domésticos e sujeitos à responsabilidade pós-consumo (logística reversa); não cobrança pelos serviços; planejamento técnico-econômico aquém das diretrizes legais; e regulação frágil, com tendência à pulverização e pouca harmonização.
Em meio a todos esses problemas, a questão da sustentabilidade econômica é enfática. Dados mostram que quanto maior a autossuficiência financeira, menor a incidência de lixões. Dados do SNIS mostram que mais de 70% dos 901 municípios brasileiros cujos serviços de limpeza urbana têm autossuficiência financeira acima de 10% já conseguiram eliminar os lixões. Isso significa 630 cidades.
Outro estudo, realizado pela Abetre, com apoio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana (Selur), mostrou como os valores de investimento e custeio de aterros sanitários variam em função da população atendida. Nas cidades com menos de 100 mil habitantes, os aterros não têm economia de escala e ficam onerosos para a sociedade. Arranjos regionais para populações maiores, com logística de transbordo e transporte otimizada, resultam em menor custo.
Para áreas a partir de 300 mil pessoas, o investimento per capita para a construção de um aterro varia entre R$ 34 e R$ 64 por ano. O custo de manutenção per capita é de R$ 32 a R$ 58 por ano. Isso deixa evidente que o gargalo para a eliminação dos lixões não é a baixa capacidade de investimento, mas, sim, a falta de recursos para o custeio contínuo. Muitos aterros sanitários feitos com verbas federais já viraram lixões por falta de dinheiro para manutenção. Assim, é fundamental a sustentabilidade econômica para solução de um gravíssimo problema ambiental do país, que não pode continuar ignorado.